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Os casos de racismo nas universidades

CAPÍTULO IV Os Desdobramentos da Implantação das Cotas nas

5.4 Os casos de racismo nas universidades

As questões relativas ao tema do racismo sempre geram polêmicas, seja no âmbito do senso comum, no calor da agitação política ou no campo dos debates acadêmicos.

Os casos de racismo que se manifestaram nas universidades após a implantação das cotas revelam que o membro do grupo visado encontra vários obstáculos para conseguir mobilidade social ascendente. É como se qualquer mudança ameaçasse as posições e prerrogativas estabelecidas, como nos coloca Chinoy,

“Quando a riqueza, o poder ou o status de qualquer grupo pode ser contestado por outros, ou quando membros de diferentes grupos étnicos competem por valores difíceis, como o poder ou a riqueza, é provável que se desenvolva o conflito e que as diferenças raciais ou étnicas se convertam facilmente em base de hostilidade. Impedindo aos demais o acesso ao poder político, relegando-os a ocupações servis, ou estigmatizando-lhes a cor ou a

cultura, um grupo dominante monopoliza os valores políticos, econômicos ou de status, ou todos eles ao mesmo tempo. Criam-se repetidamente padrões de discriminação e subordinação no intuito de obter tais valores e, depois de criado um sistema de relações de superioridade e inferioridade entre grupos étnicos, qualquer mudança causa habitualmente ameaça aos padrões constituídos” (Chinoy, 1975, 309).

Isto significa que é do desejo de ser reconhecido como grupo superior que surge o racismo.

Dentre tantos casos registrados pelo Brasil afora sobre ataques de racismo nas universidades que implantaram as cotas alguns se destacam pelo teor das agressões que apresentam.

No quadro a seguir, destacamos algumas frases dirigidas por agressões verbais e pichações a estudantes negros por alunos contrários às cotas nas universidades. São situações que revelam mais que um ato de vandalismo, mas ações coletivas pautadas pelo ódio e intolerância racial.

Unb

UFPR

UERJ

“2004: cotas para negros! 2014: bandidos,

traficantes e

estupradores com PhD”.

“Bando de cotistas negros: voltem pra senzala”.

“As cotas vão tornar nossa sociedade racista”.

“Fora estrangeiros

negros”. “Racismo é coisa de negro”. “As confirmação cotas são da a incompetência dos negros”. “Crioulos preguiçosos: são cotistas”. “O sistema de cotas institucionaliza injustiças”. “Quer entrar na

universidade pelas cotas? Vá a praia e volte mais cotista”.

As frases apresentadas foram extraídas de sites39.

Manifestações desse tipo demonstram que a forma extrema de expressão do racismo seria uma pessoa acreditar na inferioridade natural de um grupo de acordo com as características físicas. Que tais diferenças físicas são determinantes que definem graus de inteligência e dignidade, que

tais diferenças criam uma cultura inferior e que as características inferiores constituem uma base legítima para o tratamento desigual e especial.

Jones nos aponta que a questão do poder é determinante na definição do racismo e o preconceito racial é uma atitude que contribui para a sua prática,

“(...) nossa definição de racismo ultrapassa crença ou atitudes, a fim de incluir ações. O fator significativo da preferência pelo nosso grupo, com base racial ou étnica, é o PODER que nosso grupo tem com relação a outro grupo estranho. O poder é sempre definido em termos de ação. Portanto, (...) o racismo resulta da transformação de preconceito racial e/ou etnocentrismo, através do exercício do poder contra um grupo racial definido como inferior, por indivíduos e instituições, com o apoio, intencional ou não, de toda a cultura” (Jones, 1973: 105).

Em linhas gerais, o fenômeno racismo agrega categorias que tratam da diferenciação e inferiorização dos indivíduos que são alvo da sua manifestação,

“... os membros desse grupo devem estar situados no degrau mais baixo da escala social, confinados a trabalhos penosos, ser os trabalhadores mais explorados; devem também ser tão pouco visíveis quanto possível, não aparecendo, por exemplo, na imprensa, senão sob o aspecto da sujidade, da ignorância e da criminalidade” (Wieviorka, 1993: 59-60).

Por sua vez, as duas variáveis destacadas atuam no sentido de rejeição, exclusão até o extermínio físico ou moral do grupo visado,

“O grupo objeto do racismo deve ser mantido à parte, excluído, segregado e, no limite, expulso e até destruído. Não tem lugar na sociedade, é considerado como uma ameaça para a cultura ou para a economia da mesma, constitui uma afronta à homogeneidade do corpo social, à sua pureza” (Wieviorka, 1995: 60).

Michel Wieviorka, em suas análises sobre o racismo aborda as experiências de tensões interculturais dos povos além dos aspectos que determinam as formas mais extremas de manifestação da intolerância. Esse autor aponta para existência de três subconjuntos que fazem parte dos estudos sobre o racismo,

“... um primeiro conjunto composto de preconceitos, opiniões e atitudes, um segundo subconjunto que reúne as condutas e práticas (de discriminação, segregação e violência) e um terceiro subconjunto que abarca desde elaborações eruditas e doutrinárias até o racismo como ideologia ampla40” (Wieviorka, 1992: 99).

Um olhar sobre a conjuntura nacional de implantação das cotas nos aponta que elas têm contribuído para exacerbação do debate sobre a presença do racismo na nossa sociedade. A experiência das cotas demonstra através de manifestações racistas que destacamos no quadro anterior a existência de formas de expressão de intolerância racial nas nossas universidades que remontam um perfil que tem de ser superado, ou seja, que desconhece a diversidade racial brasileira. Não há o enfrentamento real de um problema sem o reconhecimento definitivo das mazelas que o alimentam e, portanto, as universidades devem se preparar para solucionar e dar o melhor encaminhamento aos casos de racismo que se reproduzem nos campus, como o que ocorreu na Unb,

“No dia 28 de março de 2008, nós, população negra da Universidade de Brasília, fomos agredidos (as) mais uma vez. Numa ação terrorista, herdeiros e atuais representantes da opressão racial brasileira quiseram levar à morte dez de nossos irmãos e irmãs africanas e colocaram em risco a vida de outras dezenas de pessoas. Não se trata de um ato isolado. Há anos os negros vivenciam isso no campus universitário da Unb, sem que nenhuma ação efetiva e institucional tenha sido tomada. Após uma série de insultos, humilhações e ameaças, desta vez, o intuito era o de queimar pessoas negras vivas! Não podemos mais tolerar tamanha negligência. Corremos perigo e exigimos justiça”41.

Por meio de situações como essa podemos concluir que instituições que preservarem uma lógica excludente de funcionamento e não aderirem a projetos que as tornem mais justas não resistirão à força dos discursos e

40“... un primer subconjunto compuesto de prejuicios, opiniones e actitudes, un segundo subconjunto

que reúne las conductas o prácticas (de discriminación, segregación, y violencia), y un tercer subconjunto que abarca desde elaboraciones eruditas y doctrinarias hasta el racismo como ideología ampla...” (Wieviorka, 1991: 99).

serão desafiadas e cobradas a promover maior inclusão racial. Isso não quer dizer, contudo, que a ação afirmativa não tenha uma base de apoio forte no sistema universitário público brasileiro. O fato de muitos dos programas hoje em vigor terem sido aprovados via decisões de conselhos universitários é evidência de que esse apoio existe. No entanto, para que as universidades estejam preparadas para os desafios que a implantação das cotas exige é preciso entendê-las como uma medida que não se dirige apenas à desvantagem sócio-econômica de grupos de baixa renda, mas também ao racismo que pode contribuir para baixa autoconfiança profissional dos estudantes negros. Nesse sentido, as ações afirmativas devem ser utilizadas para combater as desigualdades herdadas, que são conseqüências do racismo e não somente da falta de recursos econômicos.