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Anticorpos anti-receptor de alta afinidade para a IgE (Fc εRI)

No documento Urticária da clínica à terapêutica (páginas 129-133)

Urticária autoimune

2.1. Anticorpos anti-receptor de alta afinidade para a IgE (Fc εRI)

Depois de vários estudos efectuados por diferentes grupos de in- vestigadores, verificou-se que a auto-imunidade no sub-grupo de doentes com urticária autoimune era mediada em 35 a 40% dos doentes por auto-anticorpos de tipo IgG funcionalmente activos, dirigidos à sub-unidade a do receptor de alta afinidade (FcεRI) para a IgE4 ou contra a IgE nos restantes 5 a 10%3. Os primeiros

dados foram mais tarde confirmados por outros grupos5,6.

Os anticorpos anti-FcεRI e anti-IgE são capazes de causar cross-

linking directo de receptores FcεRI adjacentes, induzindo activação de mastócitos e basófilos e libertação de histamina e outros me- diadores pró-inflamatórios4. A ligação dos anticorpos aos recep-

tores, activa a cascata do complemento resultando na génese de anafilatoxinas, em particular a libertação de C5a7,8. Esta activação

dos basófilos ou mastócitos é bastante específica para urticária crónica e define o sub-grupo autoimune1 (Figura 1).

Embora a patogenicidade não esteja formalmente provada, os auto-anticorpos causam edema após injecção intradérmica e a sua remoção leva a remissão1.

Critérios standard de definição de uma doença autoimune, reque- rem que adicionalmente, seja executada a reprodução da doença em animais de experimentação9. Este passo ainda não foi executa-

do usando auto-anticorpos anti-FcεRI. Assim, de um modo estrito, a evidência de auto-imunidade pode ser observada como convin- cente mas sem estar completamente provada.

É interessante analisar a série de trabalhos que levou à descoberta do mecanismo de auto-imunidade na urticária crónica.

Com efeito, já em 1986 Grattan e col. tinham sugerido a pos- sível presença de factores libertadores de histamina circulantes como possível factor na patogénese da urticária crónica como doença autoimune, com base em observações de que a injec- ção de soro autólogo causava reacção eritemato-papulosa numa significativa proporção de doentes e que um resultado positivo só podia ser obtido se a urticária estivesse activa no momento10.

Figura 1 Mecanismos imunológicos de activação do mastócito: mediada por IgE; mediada por auto-anticorpos (IgG anti-FcεRI ou anti-IgE) ou mediada por complemento (C5a). A substância P libertada pelas fibras C também activa a desgranulação mastocitária

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Urticária crónica

Em 1991, o mesmo grupo, identificou pela primeira vez auto-anti- corpos anti-IgE funcionantes11 e dois anos mais tarde, concluiram

que um auto-anticorpo IgG específico para a sub-unidade a do receptor de alta afinidade (FcεRIa) para a IgE era o principal me- diador da génese de pápulas na urticária crónica.

Em outros trabalhos já tinham sido detectados anticorpos IgG anti-IgE mas, não funcionantes, ou seja incapazes de induzir des- granulação de basófilos in vitro, em doentes com urticária crónica e urticária ao frio12, na dermatite atópica13, em muitos doentes ató-

picos, em sujeitos normais e em doentes submetidos a terapêutica com imunoglobulina e.v. (IVIG)1,14.

O auto-anticorpo na terapêutica com IVIG não é funcionante, mas reage cruzado com o toxoide tetânico no immunoblot. Especula-se que o anti-FcεRIa possa pertencer ao repertório de anticorpos naturais do indivíduo e possa servir como anticorpo parental para alguns anticorpos anti-toxoide tetânico14. Foi igualmente sugerido

que pudesse haver heterogeneidade do anti-FcεRIa tendo este capacidade de reconhecer diferentes epítopos. De acordo com estas observações, técnicas de immunoblot e ELISA não podem ser consideradas válidas para quantificação de auto-anticorpos anti- FcεRIa com significado clínico em doentes com urticária crónica. Além disto, os auto-anticorpos poderão não ser verdadeiramente patogénicos em todos os casos de urticária crónica14.

Foram ainda propostos outros factores libertadores de histamina, particularmente um factor de libertação de histamina dependente de IgE15 (não imunoglobulina) e um factor semelhante a citocina16.

Niimi e col. verificaram em 1996 que 26% dos soros de todos os doentes estudados com urticária crónica, libertaram histamina de basófilos de dadores independentemente de terem IgE baixa ou elevada, indicando a presença de auto-anticorpos anti-FcεRIa, auto-anticorpos anti-IgE ou ambos17. Este grupo de doentes tinham

teste de soro autólogo positivo. Uma pequena percentagem rea- giu apenas com basófilos de um dador com IgE elevada sugerindo que estes doentes possuíam auto-anticorpos reagindo com IgE. Soros de dadores saudáveis não reagiram com basófilos de dado- res com IgE baixa ou elevada.

A libertação de histamina a partir dos mastócitos dérmicos de dadores sãos, mediada por IgG de soros de doentes com urticária crónica com teste de soro autólogo positivo, pôde ser igualmente inibida por FcεRIa recombinante humano17. Finalmente, os acha-

dos histológicos da desgranulação de mastócitos da derme, após injecção intradérmica de soro autólogo18, representam evidência

convincente em conjunto com os trabalhos anteriores, de que os anticorpos anti-FcεRIa são relevantes para a patogénese da urti- cária idiopática crónica.

Fiebiger e col. demonstrou com FcεRIa recombinante humano e Westernblot que ao contrário de doentes com eczema atópico e indivíduos saudáveis, 37% dos soros de doentes com urticária crónica idiopática continham anticorpos anti-FcεRIa imunorreacti- vos e na maioria dos casos estes anticorpos mostravam actividade funcional libertadora de histamina19. Mais tarde demonstraram que

a imunorreactividade anti-FcεRIa podia ser detectada no soro de doentes com outras doenças autoimunes (incluido penfigo vulgar, penfigoide bolhoso, dermatomiosite e lúpus eritematoso sistémi- co). Contudo, ao contrário dos anticorpos anti-FcεRIa encon- trados na urticária crónica, que são principalmente dos sub-tipos IgG1 ou IgG3, os auto-anticorpos anti-FcεRI nestas doenças autoi- munes, eram não funcionantes (não libertadores de histamina) e predominantemente dos sub-tipos IgG2 ou IgG420. Estes resulta-

dos foram confirmados por Soundararajan S e col.21.

Sabroe e col.22 classificaram soros de 75 doentes com UCI em cin-

co sub-grupos: auto-anticorpos anti-FcεRI libertadores de hista- mina imunorreactivos (26%), auto-anticorpos anti-FcεRI não fun- cionantes imunorreactivos (15%), auto-anticorpos anti-IgE (9%), soros contendo um factor libertador de histamina não imunoglo- bulina específico de mastócitos17 (9%), e soros sem factor identifi-

cável (41%). Testes de soro autólogo positivos, foram fortemente associados a auto-anticorpos anti-FcεRI libertadores de histamina e não foram detectados auto-anticorpos em indivíduos saudáveis ou em doentes com urticárias físicas22 (Figura 2).

factor libertador de histamina específico de mastócitos 9% sem factor identificável 41% acs anti-lgE 9% acs anti-Fc¡RI não funcionantes imunorreactivos 15% acs anti-Fc¡RI libertadores de histamina imunorreactivos 26%

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Urticária crónica

Que a activação do complemento, podia estar envolvida, foi suge- rido por identificação das IgG1 ou IgG3 como os sub-tipos princi- pais de imunoglobulinas na urticária autoimune20.

Kaplan e col. demonstraram que a libertação de histamina in vitro pelos mastócitos está dependente do complemento7 e que a ana-

filatoxina C5a aumenta a libertação de histamina induzida pelos anticorpos anti- FcεRI8. O soro dos doentes com urticária crónica

mas não o soro deficiente em complemento (fracções C2 ou C5) libertou histamina de mastócitos dérmicos.

A libertação in vitro de histamina dos basófilos de humanos nor- mais estava dependente da concentração de C5a e era inibida por um anticorpo contra o receptor de C5a. Concluiu-se que a liber- tação de histamina a partir dos basófilos dérmicos ou basófilos por auto-anticorpos anti-FcεRI foi aumentada primariamente pela activação de C5a.

Assim, tem que existir uma determinada conjugação de moléculas na superfície celular para iniciar a activação (Figura 1). O anticorpo IgG tem que ligar em ponte duas sub-unidades a e além disso, para existir activação do primeiro componente do complemento, são necessárias duas moléculas IgG em paralelo. Assim, estão ligadas por anticorpo quatro sub-unidades a em proximidade, para levar à formação de C5a.

A percentagem de ocupação da sub-unidade a pela IgE é uma determinante da activação celular, embora uma pequena percen- tagem do anti-corpo anti-receptor possa ligar-se a um epítopo que ainda esteja disponível na presença de IgE23.

Este envolvimento de C5a pode também explicar a ausência de evidência clínica de envolvimento pulmonar na urticária autoimu- ne1, pois os mastócitos pulmonares ao contrário dos mastócitos

dérmicos, são deficitários em receptores de C5a24. Contudo, tem

sido observada hiperreactividade brônquica com metacolina25 in-

dependentemente da presença alergia respiratória. O mecanismo pelo qual isto se relaciona com a patogénese da urticária crónica não está claro1 (Figura 1).

No documento Urticária da clínica à terapêutica (páginas 129-133)