• Nenhum resultado encontrado

Mecanismos imunopatogénicos

No documento Urticária da clínica à terapêutica (páginas 168-172)

Urticária, associação a doença sistémica

1. Auto-imunidade

2.6. Mecanismos imunopatogénicos

A relação entre urticária e infecção pode resultar em alguns casos da própria resposta imune ao microorganismo, designadamente os parasitas e os fungos. De facto, os helmintas podem induzir lesão cutânea através dos mecanismos inumopatogénicos da resposta imune contra os parasitas, como a produção de IgE e eosinofi- lia, e dependendo do agente, as respostas podem incluir também resposta humoral específica, resposta celular ou ainda formação de imunocomplexos e activação do complemento (Figura 8). Não está totalmente esclarecida se o elevado nível de IgE tem um pa- pel central no aparecimento de sintomas de urticária, mas tem sido reportado a ocorrência simultânea de vasculite e parasitose, resultando de efeitos directos dos parasitas na vasculatura, ou fe- nómenos imunopatológicos decorrentes da resposta imunológica anti-parasitas, designadamente a deposição de Imunocomplexos e/ou lesão vascular induzida por eosinofilia70,80, em analogia à ar-

trite asséptica, exemplo de reacções de hipersensibilidade tipo III induzidas por parasitas. Quanto aos fungos, são indutores de resposta imune caracterizada por reacções de hipersensibilidade tipo I e tipo IV. Também a resposta imune exagerada ao fungo poderá explanar os eventos imunopatogénicos da UC induzida por infecção a Candida, por exemplo. De facto, um dos mecanismos de imunidade inata a este fungo é a opsonização por factores do complemento como o C3b, resultante da activação das vias clás- sica, alternativa e das lectinas (por activação directa por resíduos de manose na parede do fungo). A produção de IgE específica a

Candida ou Trichophytum concorre para a activação mastocitária.

Figura 8a Resposta imune contra helmintas: produção de IgE (específica ou policlonal) com activação e desgranulação de mastócitos; quimiotaxia e desgranulação dos eosinófilos, com libertação de MBP; citotoxicidade celular dependente de anticorpos (ADCC)

169

Urticária crónica

A generalidade dos microorganismos reportados com associa- ção de causalidade entre a infecção e UC, como o Strepcococcus

pyogenes e os vírus, parecem induzir urticária através da formação

de imunocomplexos entre o anticorpo específico e o antigénio infeccioso, com activação do complemento, à semelhança dos qua- dros de angioedema adquirido. Deste modo, o perfil laboratorial caracteriza-se por níveis reduzidos de C1q e C4 e, eventualmente o C1 INH, associado a aumento dos níveis de imunocomplexos circulantes. Outros mecanismos eventualmente envolvidos estão representados na Figura 9.

A interrelação entre auto-imunidade e infecções tem sido ampla- mente investigada, e é descrito que as infecções podem induzir e/ou exacerbar doença autoimune81-83. O papel de agentes infec-

ciosos em doenças autoimunes está bem definido, designadamen- te: EBV na etiopatogénese de doenças autoimunes como o LES, granulomatose de Wegener, síndrome Sjögren e polimiosite; HCV e tiroidite autoimune, doença Chron e vasculites; Trypanosoma cru-

zi e miocardite autoimune; Toxoplasma e cirrose biliar primária e

granulomatose de Wegener; Hp e gastrite autoimune, ateroscle- rose, síndrome de Sjögren, síndrome de Raynaud. Os mecanismos pelos quais os patogénios podem induzir auto-reactividade foram recentemente revistos81-83 e incluem: mimetismo molecular (epi-

topos do patogénio têm reactividade cruzada com epitopos do hospedeiro); spreading do epitopo (antigénios crípticos são expos- tos após reacção inflamatória tal que a imunogenicidade de auto- antigénios aumentada por inflamação mediada por infecção); acti- vação bystander (activação não específica do sistema imune liberta

Figura 8b A activação do mastócito na Urticária crónica induzida por parasitose, poderá decorrer dos elevados níveis de IgE e/ou, depender da MBP. A formação de imuno- complexos entre IgE e antigénio do parasita poderão activar o complemento.

antigénios que activam linfócitos auto-reactivos); activação poli- clonal (ocorrendo a persistência do agente há activação constante da resposta imune por activação policlonal e proliferação células B, com produção de imunocomplexos circulantes e consequente lesão tecidular por lise directa ou resposta imune). Alguns destes mecanismos têm sido descritos em relação a infecções persisten- tes por Hp, estreptococo, estafilococo e yersinia25, 84.

Os dados publicados sobre Hp e UC são contraditórios. O Hp também induz a expressão HLA-DR no epitélio gástrico, favore- cendo que estas células se comportem como células apresenta- doras de antigénio6. Esta possibilidade poderá esclarecer que o

Hp terá um papel indirecto na etiologia da UC ao reduzir a tole- rância, e consequente indução de auto-imunidade com formação de auto-anticorpos incluindo auto-anticorpos anti-FcεRIa6,9,85,87.

Outro mecanismo pelo qual a infecção por Hp poderá induzir a formação de auto-anticorpos, estará relacionado com a imuno- genicidade da sua cápsula. Appelmelk e col. descreveram que a bactéria Hp, através de um mecanismo de mimetismo molecular Figura 9 Urticária crónica e infecção por virus e bactérias. Peptideos bacterianos como fMLP podem activar directamente o mastócito; estruturas da parede das bactérias podem activar a via das lectinas; componentes bacterianos e alguns vírus activam a via alternativa do complemento. A formação de imunocomplexos entre Ac e antigénio infeccioso activa a via clássica do complemento, com consumo de c1q, C3 e C4. As fracções do complemento C3a e C5a activam o mastócito. A associação da UC a angioedema resulta da activação concomitante do sistema das bradicininas, através da fracção C2a do complemento quan- do é activada a via clássica.

171

Urticária crónica

está directamente implicada na génese de gastrite autoimune87.

Os lipopolissacarídeos (LPS) da bactéria Hp expressam estrutu- ras semelhantes aos antigénios Lewis y e Lewis x que ocorrem na mucosa gástrica. Na resposta imune à infecção por Hp ocorre a produção de Ac anti-Lewis, os quais esclarecem o mecanismo de auto-imunidade por mimetismo molecular entre infecção por Hp e gastrite autoimune. A bactéria Hp expressa também duas cito- xinas, cytotoxin associated protein (cag A) e vacuolization cytotoxin (vac A), relacionadas com a sua patogénese19. Foram encontradas

diferentes prevalências de infecção por Hp consoante a presença ou não de auto-imunidade da tiróide, tendo sido considerado que a auto-imunidade tiroideia está associada a infecção pelas estir- pes CagA(+)88. Posteriormente, Bacos e col.85 observaram uma

incidência aumentada de infecção por Hp em doentes com UC associada a tiroidite autoimune, sugerindo que em analogia ao descrito na mucosa gástrica, também o Hp poderá induzir uma resposta humoral com reacção cruzada entre os componentes da tiroide, induzindo auto-imunidade tiroideia. Como resultado da inflamação da tiróide e disrupção celular, antigénios cripticos são expostos aos sistema imune induzindo uma resposta específica a estes neo-auto-antigénios3. Admite-se neste contexto, que a infec-

ção por Hp poderá ter um papel na indução de auto-imunidade, particularmente tiroideia, e através deste mecanismo assumir re- levância na UC6. No entanto, o papel destes auto-anticorpos tem

sido questionado na patogénese da UC por Hp, uma vez que os auto-anticorpos anti-tiroideus persistem mesmo após a remissão da UC89. Como se sabe, os doentes com UC e teste do soro autó-

logo (TSA) positivo (UC autoimune) têm maior prevalência de Ac anti-tiroideus, comparativamente aos doentes com UC e TSA ne- gativo. Foi avaliada a melhoria da UC em resposta à erradicação da Hp, consoante a positividade ou não do TSA, mas os autores não encontraram diferenças entre os dois grupos34. Estes resultados

não suportam a hipótese de que a auto-imunidade (TSA positivo e Ac antitiroideus) constitua um factor que possa ser modificado pela imunomodulação induzida pela infecção por Hp.

Num documento de revisão82, é assumida a terminologia: “gene-

tics-autoimmunity-infection triad”, bem documentada para: miocar-

dite autoimune e infecção por Coxsackie virus; febre reumática e infecção por estreptococo; crioglobulinémia e hepatite C; Cam-

pylobacter jejuni e síndrome Guillain-Barré. Neste contexto, Wedi

e col. propõem que a infecção por Hp em indivíduos predispos- tos pode resultar em manifestação de auto-imunidade latente19.

Outros processos autoimunes subclínicos poderão induzir activa- ção imune conduzindo a UC3.

No documento Urticária da clínica à terapêutica (páginas 168-172)