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Outras doenças sistémicas associadas a urticária 1 Distúrbios endócrinos

No documento Urticária da clínica à terapêutica (páginas 174-177)

Urticária, associação a doença sistémica

4. Outras doenças sistémicas associadas a urticária 1 Distúrbios endócrinos

Tanto o hiper como o hipotiroidismo, e a auto-imunidade tiroi- deia em eutiroidismo são frequentemente reportados em doentes com UC2,9, como desenvolvido em capítulo anterior. A prevalên-

cia desta associação varia de 14 a 33%85,96. Ac anti-tiroideus têm

sido observados em cerca de 27% dos doentes com UC9. Tem

sido descrito que o tratamento médico e/ou cirúrgico, coincidiu com resolução da UC3. O mecanismo fisiopatológico proposto

admite que a inflamação da glândula tiróide desempenhe um pa- pel central no início e propagação da UC3. A inflamação da glân-

dula tiroideia, induzida por auto-imunidade (Ac anti-peroxidase e Ac anti-tiroglobulina) ou infecções (como descrito para o Hp), exerce um papel central na etiopatogenia da UC. Como descrito acima, resultante da inflamação da glândula e disrupção celular, os neo-auto-antigénios celulares expostos ao sistema imune in- duzem uma resposta imune induzindo a libertação de citocinas reduzindo o limiar de activação dos mastócitos. Alguns doentes com auto-imunidade tiroideia também têm Ac anti-FcεRI97, pelo

que alguns autores sugerem que a presença de Ac anti-tiroideus é apenas um marcador de auto-imunidade, suportado pelo facto de que outros auto-anticorpos como Ac anti-nucleares, Ac anti- células parietais ou Ac anti-factor intrínseco poderão coincidir2,12.

A resposta imune envolverá outros mecanismos de resposta imune, hipótese suportada pela ausência de correlação entre os níveis de Ac e a expressão clínica. A supressão glandular diminui a produção glandular, com consequente repouso, e consequente- mente redução da actividade inflamatória glandular e libertação de antigénios, diminuindo a estimulação do sistema imunológico2.

A duração óptima do tratamento não está definida, mas foi pro- posto que a remissão da UC poderá ser atingida com 3 a 6 meses de tratamento de frenação glandular98. Num estudo realizado na

Consulta de Urticária e Alergia Cutânea dos HUC, foram incluídos 27 doentes com UC associada a tiroidite em eutiroidismo, com média de idades de 39,4±13,1 anos e duração de evolução clínica de 4,5±7,8 anos. Vinte doentes foram submetidos a frenação glan- dular com levotiroxina durante 1 ano, que implicou eficácia clínica traduzida pela diminuição dos scores de sintomas de urticária e também diminuição dos níveis de auto-anticorpos, com significado estatístico quando comparado com os 7 doentes exclusivamente tratados com anti-histamínicos99.

Outro aspecto não totalmente esclarecido, é a influência das hor- monas sexuais femininas na UC. É bem reconhecido que a urticá- ria é mais prevalente nas mulheres, com um ratio 4:12,7. A elevada

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Urticária crónica

explicar este predomínio, no entanto não se pode excluir a influên- cia de factores hormonais. Têm sido observadas alterações cíclicas na actividade da doença, em relação com níveis hormonais. Ainda que raras, a dermatite autoimune à progesterona e a dermatite autoimune aos estrogénios são entidades bem identificadas, com sintomatologia cíclica coincidente com níveis hormonais, descritas em capítulo próprio.

Também o uso de contraceptivos tem sido reportado como indutor de UC100.

Os androgénios secretados pela suprarenal, a diidroepiandros- terona (DHEA) e o seu composto sulfato (DHEA-S), foram re- centemente implicados na resposta inflamatória5. Kasperska-Zajac

e col. observaram níveis significativamente baixos de DHEA-S cir- culante em doentes com UC, quando comparados com controlos saudáveis, admitindo que estes níveis reduzidos resultariam de

stress crónico101. Estes dados não são conclusivos, mas reflectem

alterações hormonais que poderão influenciar o curso da UC.

4.2. Urticária e neoplasia

A deficiência de Inibidor C1 esterase (C1 INH) adquirida (AAE), clinicamente indistinguível do angioedema hereditário (HAE), sur- ge depois da 4ª década de vida, em doentes sem antecedentes familiares de angioedema, associado a doenças linfoproliferativas (tipos 1) ou associado à presença de auto-anticorpos anti-C1-INH (tipo 2), estando também descritas formas overlapp95, 102. As doen-

ças linfoproliferativas mais frequentemente associadas ao AAE são o linfoma não-Hodgkin (20%) e a gamapatia monoclonal (35%). Neoplasias não hematológicas também têm sido descritas como associadas a AAE, pelo que recentemente se classifica o angioe- dema adquirido em: AAE tipo 1 associado a doenças linfoproli- ferativas ou sindromes paraneoplásicos, e AAE tipo 2 associado a doenças autoimunes incluindo auto-anticorpos anti-C1-INH95.

Também têm sido reportados casos de AAE associados a uma enorme variedade de doenças, designadamente doenças autoimu- nes e Síndrome anti-fosfolipídico primário ou secundário103.

O perfil laboratorial caracteriza-se por níveis baixos de C1 INH, C4 e C1q, sendo que o baixo nível de C1q diferencia o AAE do HAE. Admite-se que, na presença de patologia neoplásica, imu- nocomplexos (ac anti-idiotipo ligado à imunoglobulina ou ac-anti moléculas tumorais) ou a interacção com a superfície da célula tumoral, possam activar a fracção C1 do complemento, com consumo de C1q e C1 inibidor e consequente consumo de C3 e C4, resultando em angioedema (Figura 10). O tratamento da doença subjacente poderá conduzir à resolução do quadro clíni- co e laboratorial do angioedema adquirido, ainda que por vezes

as alterações laboratoriais possam persistir com evolução clínica assintomática.

Outro mecanismo fisiopatológico bem definido é a deposição vas- cular desses imunocomplexos (Figura 10). Estando descritos casos de vasculite urticariana associados a carcinoma nasofaríngeo, linfo- ma de células B, carcinoma de células renais, adenocarcinoma do cólon, mieloma e carcinoma broncogénico104-109.

A relação entre UC e doença neoplásica também está reportada na literatura, designadamente neoplasias do tubo digestivo, pul- mão e do sistema hematológico. Apesar de um estudo epidemio- lógico realizado na Suécia ter concluído que a UC não está esta- tisticamente associada com a doença maligna110, esta interrelação

tem sido suportada pela publicação de casos de UC em que o diagnóstico e tratamento da doença neoplásica, particularmen- te as do sistema hematológico conduziu à remissão da UC1,111,112.

Nestes casos, os imunocomplexos poderão ser responsáveis pela activação do mastócito cutâneo induzindo UC, através de uma cascata de eventos imunopatológicos como decorrem no angio- edema adquirido.

Figura 10 Urticária crónica e neoplasia: imunocomplexos formados por Ac e antigénio de célula tumoral activam o complemento e consequentemente o mastócito. Ocorre activação concomitante da via das bradicininas. A deposição de imunocomplexos poderá induzir vasculite.

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Urticária crónica

Recomendações prévias para pesquisar neoplasias na presença de UC, foram recentemente modificadas baseadas na ausência de ca- suísticas que suportem a associação entre doenças malignas e UC não devendo ser pesquisadas por rotina na ausência de quadro clínico sugestivo4,8,22,62. No entanto, a gravidade e prognóstico de

doença neoplásica subjacente, devem impelir o clínico a pesquisar esta entidade nosológica uma vez que estão descritos casos que ilustram que o prurido isolado, a urticária e o angioedema estão incluídos num vasto número de dermatoses que constituem os síndromes paraneoplásicos cutâneos, sendo bem reconhecido que os síndromes paraneoplásicos podem constituir a forma de apre- sentação de doenças neoplásicas, precedendo o seu diagnóstico113.

Perante um doente com UC (ou urticária aguda recorrente), as- sociado ou não a angioedema, a suspeita clínica de uma neoplasia direcciona para a terapêutica adequada. Na ausência de suspeita clínica, o perfil laboratorial caracterizado por consumo de C1q e C4 e aumento dos imunocomplexos circulantes, impõe a pesqui- sa exaustiva de doença neoplásica, particularmente em grupos etários mais avançados. Alterações no leucograma, VS aumenta- da, anemia não explicada, devem direccionar para o estudo de patologia neoplásica ou linfoproliferativa, incluindo marcadores tumorais, imunoelectroforese e doseamento de b2-microglobulina. A anamnese minuciosa e o exame objectivo exaustivo, com par- ticular relevância na pesquisa de adeno e/ou organomegálias, são imperiosos no critério dos exames imagiológicos a seleccionar. Obviamente o tratamento deve ser dirigido à terapêutica da pato- logia tumoral de base.

No documento Urticária da clínica à terapêutica (páginas 174-177)