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Urticária física

No documento Urticária da clínica à terapêutica (páginas 195-200)

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Urticária física

Mário Morais Almeida

1.Introdução

As urticárias físicas, grupo heterogéneo de urticárias crónicas, são desencadeadas, em indivíduos susceptíveis, pela exposição a es- tímulos ambientais que actuam directamente na pele: térmicos, como o frio ou o calor, a radiação solar e mecânicos, como a fric- ção, a pressão ou a vibração. Pelas suas particularidades, devem ser bem caracterizadas, distinguindo-as quer das formas espontâ- neas, quer de outras urticárias indutíveis, como é o caso da urticá- ria colinérgica ou da urticária aquagénica, no passado classificadas dentro deste mesmo grupo1.

A prevalência exacta das urticárias físicas é desconhecida, cons- tituindo no entanto 10 a 30% de todas as formas de urticária crónica. Em 1969, Champion et al.2, efectuaram uma revisão de

559 casos de urticária crónica encontrando uma frequência de 17% nesta amostra; percentagens superiores, de 20 a 30%, foram mais recentemente referidas por Orfan et al. e por Humphreys e Hunter3,4.

A classificação das urticárias físicas está representada na Tabela 1. O dermatografismo sintomático é a forma mais frequente; a urticária ao frio e a urticária de pressão retardada representa- rão, respectivamente, até 5 e 2% de todas as urticárias crónicas. As formas mais raras, com uma incidência estimada inferior a 1%, correspondem às urticárias solar, vibratória e ao calor.

A coexistência ou o aparecimento sequencial de mais que um tipo de urticária física no mesmo indivíduo é frequente. As urticárias físicas podem também associar-se com outros tipos de urticária crónica, espontânea e/ou indutível. Foi demonstrado por Poon et al.5, que a associação de urticária física com outras formas de ur-

ticária crónica, interfere muito significativamente com a qualidade de vida destes doentes, tendo como referência a já comprometida qualidade de vida dos doentes com urticária crónica espontânea. Implicações em termos de actividade profissional, escolar e recre- ativa, são igualmente muito perturbadoras5.

Apresentam algumas características particulares, comuns entre si: são clinicamente quantificáveis (estímulos mensuráveis) e repro- dutíveis, com testes de provocação bem definidos (indução com o estímulo físico desencadeante), facilitando o seu diagnóstico e permitindo a monitorização da terapêutica. Têm habitualmente resolução espontânea em meses a anos (média aproximada de 5 anos), excepto nas formas familiares; afectam maioritariamente adultos jovens, sendo menos frequentes em idade pediátrica; são habitualmente de etiopatogenia desconhecida6.

O estímulo físico levará à activação e desgranulação dos mastóci- tos, implicando a libertação de mediadores vasoactivos (tais como histamina, PGD2 e PAF). O mecanismo inicial permanece por es- clarecer, sugerindo-se quer uma actuação directa, por mecanismo desconhecido, quer por mediação imunológica (IgE, IgM ou IgG), tendo sido identificados factores plasmáticos que podem transfe- rir passivamente a sensibilidade a indivíduos normais em algumas formas de urticária física6.

As urticárias físicas são suspeitadas e identificadas, fundamental- mente, pela história clínica. Com raras excepções, as lesões de urticária e/ou angioedema desenvolvem-se nas áreas da pele ex- postas, poucos minutos após a aplicação do estímulo físico, ainda que possam ocorrer de forma generalizada a toda a área corporal ou com manifestações sistémicas associadas; por regra remitem espontaneamente, em poucas horas, embora formas mais dura- douras possam ocorrer. As formas retardadas (adquiridas ou fa- miliares) frequentemente constituem problemas de diagnóstico, uma vez que não existe uma associação causal imediata entre a aplicação do estímulo e a ocorrência da clínica6,7.

Sintomas extra-cutâneos podem ocorrer em algumas destas urti- cárias (ao frio, de pressão retardada e solar), condicionando ocasio- nalmente formas clínicas graves, potencialmente fatais, realçando a importância de um correcto diagnóstico destas entidades, embora a maioria das apresentações clínicas sejam ligeiras a moderadas7.

Tabela 1 Classificação das urticárias físicas: sub-grupos e desencadeantes

Urticárias Físicas: Subgrupo Factor Desencadeante Dermatografismo sintomático Pressão mecânica.

Urticária de contacto ao frio Contacto com água, ar, sólido frio. Urticária de pressão retardada Pressão vertical sustentada. Urticárias de contacto ao calor Contacto com água, ar, sólido quente. Urticária solar Radiação electromagnética solar:ultravioleta A, B e /ou luz visível. Urticária vibratória / Angioedema Vibração.

199 Sistematizando, o diagnóstico baseia-se na história clínica, com identificação do agente físico desencadeante, comprovando-se pela positividade dos testes de provocação, conforme resumido na Tabela 2, os quais devem ser sempre realizados1,7. No entanto,

pela possibilidade da ocorrência de reacções sistémicas graves no curso dos testes de provocação, estas provas devem ser feitas apenas quando se reúnem adequadas condições de qualificação profissional e técnicas, nomeadamente com acesso a recursos de reanimação7.

Como referido, atendendo a que podem existir várias formas de urticária no mesmo indivíduo, deverão ser efectuados todos os testes que possam ser relevantes para a situação clínica em estudo. Na avaliação efectuada, elegendo como preferenciais as zonas da pele que não estiveram afectadas recentemente, devem ser sempre indicados os estímulos utilizados, detalhadamente carac- terizados (dimensão, temperatura, condições do ambiente, en- tre outros), o tempo e/ou intensidade de aplicação, o início e a duração das lesões, o tamanho real das pápulas e dos eritemas obtidos, sempre que possível transcritos para um suporte perma- nente (mais frequentemente para adesivo e/ou suporte digital) e, finalmente, o registo de outros sinais ou sintomas concomitantes, locais ou sistémicos, tal como referência a eventuais condições te- rapêuticas sob as quais o indivíduo estava sujeito quando o teste foi efectuado7. Medicação que interfira com os testes deverá ser

interrompida, como é o caso dos anti-histamínicos; no entanto, no seguimento regular destas condições, poderá justificar-se a re- alização dos testes com a medicação em curso para avaliar da sua eficácia1,6,7.

O aparecimento das lesões, pápulas e/ou angioedema, é geralmen- te rápido, com excepção da urticária retardada de pressão, na qual o angioedema, profundo, caracteristicamente sem pápulas, pode surgir até 12 horas após o estímulo. A possibilidade da ocorrência de manifestações sistémicas deve ser sempre considerada6,7.

Obedecendo a estas orientações, será possível graduar as reac- ções obtidas, nomeadamente avaliando o limiar de estimulação, individual para cada caso, permitindo a sua correlação com a gra- vidade clínica, bem como possibilitando estudar, quer a história natural, quer o efeito da intervenção terapêutica7.

Em alguns casos, apesar da suspeita clínica e da optimização de procedimentos, os testes são negativos, podendo ser repetida a aplicação de estímulos em tegumento previamente afectado por lesões. Mesmo assim, numa percentagem reduzida, as lesões de urticária física podem não ser reproduzidas7.

Tabela 2 Testes de diagnóstico das urticárias físicas (adaptado de Mageri M, et al7).

Urticária Teste Diagnóstico

Dermatografismo sintomático

Teste de riscar da pele, no dorso ou na face anterior do antebraço, com espátula ou estilete de ponta romba; idealmente com uma pressão de 36 g/mm2, possível de obter com dispositivo de precisão

– dermografómetro. Leitura após 10 minutos.

Urticária ao frio Teste do cubo de gelo, na face anterior do antebraço ou no abdómen (aplicação de um cubo de gelo, 0 a 4ºC, no antebraço, por um período de tempo de 5 minutos).

Leitura após 10 minutos.

Teste de imersão em água fria (imersão da mão em água fria, 5 a 10ºC, até 10 minutos).

Teste de riscar em ambiente frio (para diagnóstico de dermato- grafismo dependente do frio).

Urticária ao calor Calor local, aplicação de fonte de calor/cilindro com água quente, 45ºC, na pele da face anterior do antebraço, durante 5 minutos). Leitura após 10 minutos.

Urticária retardada de pressão

Suspensão local de pesos, usando peso de 7Kg, ou superior, com alça de 3cm aplicada no ombro durante 15 minutos; em alternativa, cilindros com 1,5cm de diâmetro e 2,5Kg ou com 6,5cm de diâmetro e 5Kg, aplicados no ombro, na coxa, no dorso ou na face anterior do antebraço, durante 15 minutos. Em alter- nativa, aplicação do dermografómetro a 100 g/mm2, numa das

regiões referidas, durante 70 segundos. Leitura cerca de 6 horas após o teste.

Urticária vibratória Vibração local, aplicação de estímulo vibratório, por vortex ou diapasão, na face anterior do antebraço, durante 10 minutos a 1000 rpm (rotações por minuto).

Leitura após 10 minutos.

Urticária solar Exposição a luz de pequenas áreas da pele, com 1cm2, no dorso

ou nádega, a vários comprimentos de onda – UVA 6 J/cm= e UVB mJ/cm2 e luz visível, durante 10 minutos.

Leitura após 10 minutos.

Nota: se com o teste for obtida uma resposta positiva (pápula, com ou sem prurido/angioedema), recomenda-se actualmente a pesquisa do limiar ou valor limite desencadeante do estímulo, importante para avaliar a actividade da doença e a resposta ao tratamento.

No documento Urticária da clínica à terapêutica (páginas 195-200)