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Urticária e doenças raras/formas pouco frequentes

No documento Urticária da clínica à terapêutica (páginas 178-181)

Urticária, associação a doença sistémica

6. Urticária e doenças raras/formas pouco frequentes

A UC também pode ser manifestação de doenças raras22,95,117.

A Tabela 7 enumera essas doenças sistémicas que pela sua rarida- de são descritas em capítulo próprio.

Tabela7 Urticária e doenças raras

Carácter heredo-familiar Criopirinopatias • Síndrome autoinflamatório familiar ao frio (FCAS) • Síndrome Muckle-Wells (MWS) • NOMID, previamente denominado CINCA Outros síndromes auto-inflamatórios • Febre familiar Mediterrânica • Síndrome de Hiper-IgD • Deficiência de C3b inactivador • Síndrome periódico associado ao receptor TNF • Síndrome de Blau Sem carácter heredo-familiar • Síndrome de Schnitzler • Síndrome de Gleich • Angioedema não episódico associado a eosinofilia • Síndrome de Clarkson

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Urticária crónica 7. Urticária e distúrbios psico-emocionais

O doente com UC frequentemente expressa frustração decor- rente da sua dificuldades em aceitar esta alteração da sua auto- imagem, bem como perante a impossibilidade em identificar e/ou excluir um agente causal. Adicionalmente, a gravidade e/ou dura- ção da UC, ampliam o enorme impacto negativo que a UC tem na qualidade de vida. De salientar que a duração da UC, é estimada em 3 a 5 anos de duração média, sendo que cerca de 20% dos do- entes têm sintomas com duração de 10 anos1,2. Tem sido descrito

que os doentes com UC reportam a mesma redução na qualidade de vida que os doentes que aguardam coronarioplastia118.

A UC pode deste modo constituir um factor indutor de stress. Mas o stress é também um factor envolvido na etiopatogénese da UC (figura 11). O stress tem sido descrito como um factor de exacerbação da UC, e tal como outras doenças inflamatórias da pele, designadamente a dermatite atópica, psoríase, eczema se- borreico, líquen plano, a UC sofre deterioração em resposta ao stress5,119. Perante stress, ocorre distúrbio do equilíbrio dinâmico

que envolve processos neuroendócrinos, resultando em exacer- bação da doença, o que por si vai induzir mais stress, com activação do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, e dos sistemas simpáti- co e parassimpático120. Em resposta ao stress, ocorre libertação

de neurohormonas (CRH, ACTH, prolactina e glucocorticóides) e neuropéptidos como a neurotrofina nerve growth factor (NGF).

Figura 11 O mastócito como célula central no sistema neuro-imune-endócrino cutâneo. A activação das vias nervosas centrais e periféricas libertam neurohormonas e neuropép- tidos que activam e induzem a desgranulação do mastócito. Os mediadores libertados como a triptase e citocinas activam as células neuronais periféricas retroactivamente.

O NGF é um mediador da resposta ao stress, sendo responsável pela activação de células neuronais e favorecendo a interrelação entre células neuronais e imunes, designadamente a maturação, sobrevivência, proliferação e desgranulação dos mastócitos, via o receptor de alta afinidade neurokinina 1 (NKA1R)da SP121-123,.

A activação central, além da libertação de NGF, induz libertação neuronal periférica de CGRP, SP e NKA, com consequente dilata- ção arteriolar e extravasão capilar. A SP induz também a activação e desgranulação dos mastócitos. A triptase libertada é responsável por um feedback positivo nas terminações nervosas fomentando a libertação de mais neuromediadores122,124. A intervenção do mas-

tócito não se limita a esta participação na inflamação neurogénica, mas constitui uma interface mais ampla, interligando a pele e o sistema neuro-imune-endócrino122,123,125. Durante a resposta ao

stress, os mastócitos cutâneos desempenham um papel central

bidirecional no sistema neuro-imune-endócrino5,119. Há evidências

recentes, que o sistema neuroendócrino local cutâneo, interfere numa importante ligação cérebro-pele119. O stress crónico induz

inflamação cutânea através da modulação deste eixo neuro- imune-endócrino, que constituirá o equivalente periférico do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal121. A pele é dotada de uma

inervação densa e intricada, na qual numerosos neurotransmisso- res, neuropéptidos e neurotrofinas estão presentes localmente, e actuam tanto como alvo, como factor efector de resposta ao

stress122. Estes neuromediadores também têm origem nas células

cutâneas. Neste contexto, o mastócito é a célula central na infla- mação neurogénica atendendo à sua localização de proximidade com vasos e terminações nervosas. Nesta interface complexa, ocorre recepção de sinais de activação por mensageiros do stress neuroendócrino (CRH, NGF, SP), gerados sistémica e localmente. Consequentemente ocorre activação dos mastócitos com liberta- ção dos mediadores pré-formados e neoformados. As proteases libertadas activam o proteinase-activated receptor (PAR) (regulado positivamente pela triptase) dos neurónios das fibras C, com con- sequente activação e libertação de SP119. As citocinas produzidas

e libertadas pelas células cutâneas, durante a inflamação neurogé- nica periférica, constituem estímulos inflamatórios endógenos que vão modular a resposta do SNC nos seus três níveis (hipotálamo, hipófise e suprarrenal), pelo que o mastócito detém um papel central nas vias de adaptação ao stress.

Num estudo recente, foi encontrada uma associação entre UC e fibromialgia (70% dos 126 doentes com UC apresentam fibromialgia)126. A hipótese que suporta esta associação, são os

dados epidemiológicos que demonstram a comorbilidade entre fibromialgia e doenças inflamatórias cutâneas, como a psoríase e o LES, e também a UC. Haverá uma via fisiopatológica comum, que será a inflamação neurogénica. A fibromialgia é uma síndrome

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Urticária crónica

caracterizada por dor generalizada crónica associada a distúrbios do sono, cefaleias, cólon irritável e alterações do humor. Recente- mente foi proposto que a fibromialgia representa uma síndrome dolorosa neuropática, em que a dor representa uma disfunção do sistema nervoso, designadamente das vias anti-nociceptivas descendentes cujas biópsias revelaram achados sugestivos de in- flamação neurogénica127.

Baseado no exposto, admite-se que as doenças inflamatórias da pele, como a UC, envolvam disfunções deste sistema neuro- imune-endócrino de interacção cérebro-pele. Neste contexto é fácil inferir que, clinicamente, sejam exacerbadas pelo stress e se encontrem associadas a distúrbios psico-emocionais.

Foram observados elevadas taxas de depressão e redução nos

scores de vitalidade e saúde mental, em doentes com UC quando

comparados com controlos128. A UC foi também associada a re-

dução severa da qualidade de vida, correlacionado com depressão e ansiedade129. Dados recentes sugerem que morbilidade do foro

psiquiátrico está associada a UC, sendo um problema frequente em doentes com UC128-130. Estima-se que 50% dos doentes com

UC apresentem pelo menos um distúrbio psiquiátrico, e alguns autores observaram uma maior prevalência destes distúrbios (de- pressão, ansiedade, distúrbio obsessivo-compulsivo, alterações da personalidade) em doentes com UC quando comparado com grupo controlo129-130. Ainda que a maioria dos doentes com UC

demonstre ansiedade ou depressão, também a alexitimia está as- sociada a UC, sendo actualmente reconhecido que doentes com este distúrbio apresentam alterações na actividade simpática com repercussões no sistema neuro-imune-endócrino131. A avaliação

psicológica/psiquiátrica deverá ser incluída na abordagem diagnós- tica e terapêutica do doente com UC, para estabelecimento de estratégias terapêuticas pretendendo melhores performances de eficácia.

No documento Urticária da clínica à terapêutica (páginas 178-181)