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AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL

No documento PARTE I para o desenvolvimento? (páginas 53-56)

António Matos

Vereador da Cultura, Câmara Municipal de Almada; Presidente da Direção da ARTEMREDE

Junta-nos o propósito de discutir a cultura. Mais que a cultura, a política cultural. E mais do que esta, o desenvolvimento dos territórios e das nossas comunidades. E assiste-nos a convicção de que este debate exige que nos centremos, não só na abordagem das problemáticas próprias dos processos de criação e fruição cultu- rais, mas também nos processos associados aos instrumentos de planeamento e aos modelos de governação local.

E devemos fazê-lo tendo bem presente as atuais circunstâncias de enormes sa- crifícios impostos ao País e aos Portugueses, por opções governativas fortemente Quando desenhamos o território estamos a acrescentar muito mais do que

o desenho de arquitectura, a construção de engenharia, o programa artístico, cultural ou educativo, o edifício mais ou menos alto, a praça com mais ou menos árvores e bancos, estamos a dar alma ao espaço público, estamos a construir a possibilidade de fomentar outros espaços de partilha, de socialização, os espa- ços de encontro, de cooperação, de convívio, de inquietação, de festa, de criação artística e cultural, de participação cívica e pensamento crítico, de proposta e de acção, de cidadania e transformação.

Fazer cidade é estar aberto e ouvir quem está ao nosso lado e quem está noutros lados, fora e dentro da cidade, também noutras cidades, também noutros países. Fazer cidade é sentir a cidade com as emoções que nos fazem humanos, é sentir, pensar e agir para podermos viver momentos e situações mais humanas e mais felizes.

Este é o desafio… não há modelos, nem receitas…. as cidades são uma construção humana e só nós temos a capacidade e a obrigação de planear, construir cidades com os meios que temos, com a criatividade que nos é inerente, a determinação e a resiliência que em nós persiste e a sensibilidade que nos dá esta condição de sermos humanos.

Sujeitas a enormes estrangulamentos financeiros e legais, coartadas muitas vezes na sua autonomia, as autarquias têm vindo a ser capazes de assegurar condições para a criação e fruição culturais, de valorizar o património e as tradições popu- lares, a diversificação de gostos e a elevação dos hábitos culturais, a iniciativa e a produção dos agentes artísticos locais e regionais.

Para nós, Autarcas, os desafios da cultura são entendidos no seu sentido mais amplo, na sua dimensão social, mas também económica, e são contextualizados por uma moldura de complexas questões que se colocam hoje às cidades: A organização e o planeamento urbano, o seu funcionamento orgânico, e acessi- bilidade e a mobilidade, os serviços básicos, os equipamentos sociais, a qualidade do seu ambiente, as relações que mantêm com outras cidades, o desenvolvimento económico que geram, as dinâmicas sócio culturais, o seu potencial de inclusão. As políticas culturais dos municípios devem seguir algumas linhas de base que devem ser estruturantes das políticas a empreender e que parecem ser consensuais:

Transversalidade: ligação das áreas da cultura a áreas adjacentes, que possam gerar sinergias positivas como sejam: a educação, o turismo, o ambiente, as áreas sociais, as atividades económicas;

Equidade: democratização do acesso aos bens culturais por forma a adequar as diferentes necessidades à multiplicidade de públicos;

Participação: desenvolvimento de políticas de proximidade e de relação com as populações que fomentem a identidade e o sentido de pertença aos territórios;

Inclusão: através de um amplo conjunto de atividades se possa chegar a todos os públicos, designadamente aqueles que ficam na margem da vida comunitária, promovendo, através da cultura, o bem-estar social;

Complementaridade: através de uma programação em rede, assegurar a complementaridade dos diferentes programas, fortalecendo, deste modo, as oportunidades de fruição pelos cidadãos;

Parceria: mobilização de todos os agentes, dos recursos disponíveis e da massa crítica que se constituem numa rede local, em diálogo com outras redes, diversificando e qualificando os serviços e as propostas;

penalizadoras das condições de vida dos cidadãos, que influenciam gravemente as oportunidades de criação e de acesso aos bens culturais.

É suficientemente elucidativo estarmos num país em que o Governo, apenas com a má companhia da Hungria, governada pela direita radical, prescinde da existência de um Ministério da Cultura.

Longe da meta de 1% recomendada no Orçamento do Estado para a Cultura, de- corrido mais de um quarto de século, o financiamento é hoje quatro vezes menor, em termos percentuais, do que o do tempo de Cavaco Silva, primeiro-ministro, tendo perdido, desde 2011, 75 por cento do seu valor.

O grau zero dos orçamentos minguados, que já eram irrisórios, degenerou num infra grau, duma insignificância insultuosa, que tem conduzido ao aniquilamento das estruturas de criação, para além da sua ontológica missão primordial, ele- mentos não desdenháveis na criação de emprego qualificado e na animação da vida económica das regiões, são esmagadas pela redução dos apoios, tendo como certo o confronto com a instabilidade e a insegurança.

Os profissionais debatem-se com a precariedade e o desemprego crescente. Os jovens saídos da formação do ensino artístico, também ele defrontando obstá- culos de monta, têm enormes dificuldades em encontrar colocação profissional devido ao quadro de contração vigente.

As autarquias, sujeitas aos mesmos processos de emagrecimento forçado de meios e recursos e solicitadas por necessidades crescentes das comunidades locais, não desistem de, mesmo neste quando restritivo, pugnar pela defesa das necessidades dos seus munícipes e pela implementação de um modelo de desenvolvimento orientado para a promoção social e cultural das populações, pela democratização do acesso aos bens culturais e pelo reconhecimento e o incentivo ao exercício dos direitos e aspirações culturais da sua comunidade.

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6. Acesso aos bens culturais e afirmação da cidade no roteiro da cultura: apoio à organização dos festivais do teatro, de dança, de artes para o público in- fantil, organização de mostras de teatro e de música, projetos de animação urbana e de espaços públicos, potenciar as singularidades locais, com vista à construção de um concelho/região policêntrico;

7. Renovação e Revitalização dos espaços públicos: investir nos espaços com valor simbólico, nomeadamente nas zonas antigas da cidade;

8. Ligações a redes nacionais e internacionais: Interlocal, ARTEMREDE, Teatros Associados, AICE - Associação Internacional das Cidades Educadoras, ICLEI - Governos Locais para a Sustentabilidade, Rede Agenda +, Rede da Campa- nha das Cidades para a Proteção do Clima, Rede da Campanha Procura +. Um projeto cultural de cidade exige:

1. Uma visão sobre o futuro (com um enunciado de ideias, causas e valores, que integrem desígnios globais e identidades locais);

2. Um modelo de desenvolvimento em que a cultura e a educação desempe- nhem um papel central e transversal a todas as áreas de intervenção local; 3. Uma orientação governativa que as coloque no centro das opções políticas; 4. Que se reúnam na administração local um conjunto de meios técnicos

e financeiros efetivos, associados a um funcionamento interdepartamen- tal robusto;

5. Que o processo de governação se desenvolva em permanente interação com a cidade e com os cidadãos e que conte sempre com a sua participação.

Qualidade: o princípio da qualidade deve estar sempre presente para que a cultura possa desempenhar um papel nuclear na coesão social dos terri- tórios e das comunidades.

Em Almada e noutros concelhos assumiu-se a cultura como área nuclear do de- senvolvimento local e prosseguiu-se uma orientação governativa que se estrutura em oito grandes linhas de ação:

1. Preservação e Valorização da herança histórica e patrimonial: recuperação e refuncionalização de edifícios com valor patrimonial, intervenções arqueoló- gicas, renovação urbana, revitalização de lugares com valor histórico, expansão de arte pública, preservação do acervo documental histórico, preservação das memórias e das tradições locais, festas tradicionais, dias comemorativos; 2. Valorização das dinâmicas culturais e de participação: apoio às associações locais de cultura popular, apoio aos movimentos associativos juvenis, apoio às atividades de animação e lazer, apoio às diversas formas de expressão cultural, designadamente as relacionadas com as culturas regionais, e de outros povos residentes na cidade, incentivo à diversidade de projetos culturais; 3. Incentivo e apoio a projetos formativos formais e informais de educação

ao longo da vida: formação dos agentes culturais, formação artística nos sistemas regulares de ensino, apoio à instalação de escolas artísticas nas várias áreas – música, artes visuais, conservação e restauro – apoio às uni- versidades séniores, formação dirigida aos mais jovens e apoio a projetos artísticos apresentados pelos jovens, diversificação dos sistemas de formação; 4. Construção de uma rede de equipamentos municipais: rede de bibliotecas,

rede de museus, centros de exposições, centros de arte contemporânea, teatros municipais, casas da juventude, conservatório de música, recon- versão e requalificação dos espaços associativos com funções recreativas e culturais dotados de programas, projetos e iniciativas regulares e com planos de formação públicos, rede de espaços municipais de acesso a informação; 5. Incentivo à criação e à produção culturais: apoio às companhias de teatro

e de dança, apoio aos grupos de teatro, apoio aos grupos corais e musicais, incentivos à criação literária, apoio à edição de trabalhos sobre o meio e as comunidades, apoio às artes plásticas e à fotografia;

PARTE v

E AGORA?

(RE)DESENHANDO

No documento PARTE I para o desenvolvimento? (páginas 53-56)