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PARTE I para o desenvolvimento?

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Academic year: 2021

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FICHA TÉCNICA

Título: Políticas Culturais para o Desenvolvimento: Conferência ARTEMREDE Coordenação: Pedro Costa (com apoio de Ricardo Lopes)

Colaboração: Marta Martins e Vânia Rodrigues

Contributos: Amélia Pardal, António Matos, António Pinto Ribeiro, Catarina Vaz Pinto, Elisabete Paiva, João Ferrão, John Holden, Luís Costa, Marta Martins, Marta Porto, Nicolás Barbieri, Pedro Costa e Vânia Rodrigues

Imagem/Design: Invisible Design Impressão: Cor Comum Tiragem: 500 exemplares Data de Impressão: Junho 2015 Local de edição: Santarém

Depósito Legal / ISBN: 978-989-97774-0-8

Nota: Este livro utiliza dupla grafia em termos da língua Portuguesa, tendo deixado aos autores a liberdade de opção pela utilização ou não do novo acordo ortográfico nos artigos respetivos.

AGRADECIMENTOS

Aos oradores e moderadores da Conferência que serviu de base a esta publicação: Amélia Pardal, António Matos, António Pinto Ribeiro, Catarina Vaz Pinto, Elisabete Paiva,

João Ferrão, Joaquim Judas, John Holden, Luís Costa, Marta Martins, Marta Porto, Miguel Honrado, Nicolás Barbieri, Pedro Costa, Vânia Rodrigues Ao ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa / DINAMIA’CET

À Câmara Municipal de Almada e ao Teatro Municipal Joaquim Benite À Fundação Calouste Gulbenkian

À equipa executiva da ARTEMREDE, aos Municípios Associados e a todos aqueles que contribuíram para a realização da Conferência Políticas Culturais para o Desenvolvimento e para a construção do Plano Estratégico

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ÍNDICE

PARTE I – O CONTExTO: POLíTICAS CuLTuRAIS PARA O DESENvOLvIMENTO?

CAP 1 – “Introdução: Políticas culturais, território e desenvolvimento”, Pedro Costa, Vânia Rodrigues e Marta Martins

CAP 2 – “ARTEMREDE. 10 Anos. Um Caminho. Um Futuro .: Da Ação Cultural À Política Cultural Para O Desenvolvimento”, António Matos

PARTE II – O MANDATO DEMOCRáTICO DA CuLTuRA

CAP 3 – “A legitimidade das políticas culturais: das políticas do acesso às políticas do comum”, Nicolás Barbieri

CAP 4 – “Valorizando as artes e a cultura”, John Holden CAP 5 – “Paradoxos da ‘oferta cultural’“, António Pinto Ribeiro

PARTE III – A MEDIAçãO CuLTuRAL juNTO DOS TERRITóRIOS E DAS COMuNIDADES: RESPONSABILIDADE E COMPROMISSO SOCIAL

CAP 6 – “Antídoto contra o sono”, Marta Porto

CAP 7 – “Red Alert ou isto da criação artística comunitária nos tempos que vão correndo”, Luís Costa

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PARTE Iv – As políticas culturais enquanto políticas públicas:

Que estratégias integradas para o desenvolvimento territorial? CAP 9 – “Cultura e território: como tornar mais eficiente uma política ‘fraca’”, João Ferrão

CAP 10 – “Cultura e território: o desafio das ligações”, Catarina Vaz Pinto CAP 11 – “Planear…construir cidades com emoções!”, Amélia Pardal CAP 12 – “Da ação cultural ao desenvolvimento territorial”, António Matos

PARTE v – E agora? (Re)Desenhando políticas culturais para o desenvolvimento

CAP 13 – “Políticas culturais para o desenvolvimento dos territórios: alguns elementos de síntese”, Pedro Costa

CAP 14 – “A ARTEMREDE: um projeto cultural a imaginar o seu futuro”, Marta Martins e Vânia Rodrigues

Referências

Notas biográficas dos autores

PARTE I

O CONTExTO:

POLíTICAS CULTURAIS

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CAPíTuLO 1

INTRODUçãO: POLíTICAS CULTURAIS,

TERRITóRIO E DESENVOLVIMENTO

Pedro Costa1, vânia Rodrigues2 e Marta Martins3

1 ISCTE-IUL – Instituto Universitário de Lisboa / DINAMIA’CET; 2 Assessora Estratégica da ARTEMREDE;

3 Diretora Executiva da ARTEMREDE

O livro que têm nas mãos é o resultado de um longo processo de reflexão e dis-cussão coletiva relativa ao futuro da ARTEMREDE e à sua inscrição nas políticas e práticas culturais contemporâneas. Esse processo, que encontram parcialmente documentado neste livro, culminou na elaboração de um Plano Estratégico, no horizonte temporal 2015-2020, lançado a 12 de Fevereiro de 2015, por ocasião da comemoração do 10º aniversário da ARTEMREDE e da organização da Conferência ‘Políticas Culturais para o Desenvolvimento’.

Foi um dia cheio, esse, 12 de Fevereiro: o Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, com quase 400 lugares preenchidos. Um Plano Estratégico acabado de imprimir. A recordação de um percurso de dez anos. Os projetos e ambições para

porque entendemos que é importante partilhar as ideias apresentadas na con-ferência, superando a sua contingência e efemeridade inevitáveis. Mas também porque um livro é a materialização de uma vontade.

E a vontade fundamental que aqui temos é a de dar sequência ao processo de reflexão então prosseguido, com a consciência plena de que ele, bem como o plano estratégico da ARTEMREDE então apresentado, não se concluem neste momento, antes se (re)iniciam... E não devem portanto ficar fechados em si mesmos, mas antes constituírem-se num espaço aberto a todos, à reflexão conjunta e ao debate coletivo, seja no campo académico, seja no da prática artística e criativa, seja no da ação política e do planeamento. Um testemunho que possa ficar im-presso e disponível para todos, mas também ao qual se possa sempre voltar para (re)pensar quotidianamente o presente e o futuro da ARTEMREDE, em particu-lar, mas igualmente das políticas culturais em Portugal e da sua relação com o desenvolvimento e os territórios.

A ideia não será portanto este documento constituir-se essencialmente como umas atas formais do encontro havido nesse dia mas, mais do que isso, assumir-se como um repositório de um conjunto de preocupações que emergiram do processo de reflexão em que ele se inseriu e como uma síntese de ideias-chave que infor-mem a atuação futura da ARTEMREDE, durante o período de implementação do plano estratégico que agora se inicia. Para além disso, e agora mais para fora da ARTEMREDE, procura-se que ele sirva igualmente para contribuir para repensar as políticas culturais em Portugal e, em particular, a forma como as políticas culturais se articulam com o desenvolvimento, nas suas diversas dimensões (eficiência económica, equidade social, qualidade ambiental, participação cívica, capacidade de expressão identitária) e, portanto, com a promoção da qualidade de vida e bem-estar nos territórios, às mais variadas escalas.

Importará neste quadro agradecer aqui a todos quantos participaram com os seus contributos neste encontro, nele moderaram sessões ou fizeram intervenções. Mas igualmente a todos quantos participaram no processo de reflexão estratégica

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que, ao longo de vários meses, conduziu até aqui. E ainda, naturalmente, a todos quantos quotidianamente constroem a ARTEMREDE na sua atividade, sem os quais nada disto seria possível.

A ideia da conferência “Políticas culturais para o desenvolvimento” e, bem assim, a do livro, seria discutir as politicas culturais, e a sua relação com o território, no contexto específico dos dias de hoje e da realidade concreta que os agentes culturais enfrentam, num Portugal mergulhado em crise, e confrontado com mu-danças estruturais nos paradigmas que enformam as lógicas da produção artística e as políticas culturais. É nesse contexto concreto que se realça a oportunidade e a atualidade de discutir as políticas culturais para o desenvolvimento. Poderemos (e deveremos...) equacionar se esta formulação que foi proposta será a melhor lógica para a discussão deste problemas: políticas culturais e desenvolvimento? políticas culturais para o desenvolvimento? politicas culturais por causa do desen-volvimento? Não pretendemos de todo com esta nossa formulação do problema sugerir (mais) uma via para a instrumentalização da cultura e das atividades culturais, em redor dos diversos objetivos genéricos do desenvolvimento do ter-ritório. Assumimos a cultura como um fim em si mesmo, e não como mero meio para atingir outros objetivos (sem dúvida fundamentais e louváveis, aliás, mas que não são os que nos interessa aqui discutir) do desenvolvimento sustentável e integrado dos territórios na contemporaneidade. Simplesmente nos interessa discutir que a cultura, enquanto dimensão inalienável desse desenvolvimento integrado, deve ser pensada enquanto tal, e isso poderá passar por uma abordagem em que as politicas culturais (e as atividades culturais em si mesmas) possam beneficiar de uma maior articulação com os territórios e as comunidades em que se integram e, naturalmente, com as outras políticas que nesses territórios são postas em prática em nome desse mesmo desenvolvimento.

Pretendeu-se assim promover uma reflexão e um debate assente em duas áreas centrais para o desenvolvimento cultural dos territórios e das comunidades: por um lado, as políticas governativas e o papel da cultura na definição de estratégias integradas de desenvolvimento territorial; e, por outro lado, a responsabilidade e o compromisso social das organizações culturais. A seleção das participações

aqui transcritas reflete um conjunto de opções de base que quisemos marcar: a recusa de fazer um debate ‘cultural’ em torno da cultura, abrindo antes à inte-gração entre os aspetos da cultura e do desenvolvimento/planeamento territorial; o desejo de iniciar, num primeiro momento, a reflexão pela raiz do pensamento, através de artigos que problematizem as questões, coloquem as “perguntas difíceis” e proponham outras formas de enquadramento dos problemas; e, num segundo momento, o aprofundamento do debate, mais em concreto, em torno de duas grandes áreas que são uma forte aposta estratégica da ARTEMREDE: a mediação e a programação cultural, por um lado; e a governança regional e as políticas culturais, por outro.

O pressuposto de base é que a nível local, tal como, aliás, a nível regional, nacio-nal ou europeu, a cultura seja assumida como estando colocada no centro das preocupações governativas, atravessando-as o mais transversalmente que for possível. A inscrição da cultura no centro das políticas de desenvolvimento dos territórios é assim um corolário perfeitamente natural, exigindo-se portanto uma visão territorial, que direcionada para uma ideia de desenvolvimento integrado, sustentável e inclusivo, inclua a política cultural e a atuação para a cultura, transversalmente, nesse desiderato, e assuma novas lógicas de articulação e formas de governança eficientes, que façam a ponte entre a administração local, as comunidades locais, e as instituições que com elas regularmente trabalham. Na prática, isso implica um debate sobre duas das ameaças mais gravosas identi-ficadas ao nível da formulação e implementação de políticas culturais locais: por um lado, a sectorialização das políticas, em detrimento de estratégias integradas de desenvolvimento dos territórios; e, por outro, a insuficiência de processos colaborativos e de trabalho em rede ao nível local, regional, nacional e sectorial. Tendo em conta tudo isto, organizámos então este livro em cinco grandes secções, as quais traduzem o percurso e as prioridades acima descritos.

Numa primeira parte, em que este texto de apresentação e enquadramento já se insere, pretende-se dar conta, de forma introdutória, dos contextos e dos processos que enformaram esta reflexão, bem como da pertinência de focar esta discussão em torno da problemática das políticas culturais para o desenvolvimento.

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É neste quadro que se insere também o texto seguinte, “ARTEMREDE. 10 Anos. Um Caminho. Um Futuro. Da Ação Cultural À Política Cultural para o Desen-volvimento”, do Presidente da Direção da ARTEMREDE, António Matos. Numa perspetiva institucional, que enquadra o processo de reflexão tido ao longo dos últimos meses, de forma bastante participada, no âmbito da rede, este texto abre-nos as perspetivas para a discussão que se segue nos capítulos seguinte e enquadra os desafios atuais com que a ARTEMREDE se confronta. É apontada a pertinência desta focalização da atenção para a relação entre cultura, território e desenvolvimento, componente essencial na matriz conceptual e pragmática da atuação da ARTEMREDE desde a sua fundação, e decerto uma vantagem competitiva a explorar para os desafios com que atualmente se confronta. Numa segunda secção reúne-se um conjunto de reflexões que nos remetem para a discussão das práticas e das políticas culturais na contemporaneidade, em toda a sua transversalidade e complexidade, em torno do mote do genérico “o mandato democrático da cultura”. A cultura é aqui assumida na sua multipli-cidade e diversidade, de todos, e para todos, e pretendem-se equacionar e discutir novos quadros conceptuais e analíticos que abram perspetivas mais “frescas” em tornos das necessidades de atuação com que se defronta essa diversidade de processos e dinâmicas culturais contemporâneas, e que coloquem em causa algumas das “cristalizações” nas lógicas de atuação há muito solidificadas no campo das políticas culturais.

O texto de Nicolás Barbieri, correspondente ao capítulo 3, intitulado “A legiti-midade das políticas culturais: das políticas do acesso às políticas do comum”, faz-nos entrar nesta discussão a partir da sugestão de trocarmos o paradigma do acesso, a que estamos tradicionalmente habituados nas políticas culturais, pelo paradigma do comum, baseando-se na noção de bens comuns, e no que ela, enquanto ferramenta de ação política social e normativa, pode trazer para umas politicas culturais mais consentâneas com a complexidade dos processos e das dinâmicas culturais na atualidade, ao nível das lógicas de criação e produção cultural, dos mecanismos de legitimação e mediação, ou das dinâmicas de acesso e usufruto dos bens culturais.

Por seu lado, a leitura de John Holden sobre as dinâmicas culturais na contempora-neidade, no capitulo 4, “Valorizando as artes e a cultura”, foca-se antes na questão da valorização dos bens e das atividades culturais. Assumindo a multiplicidade de lógicas e de mecanismos de valorização dos bens culturais (nos campos cultural, social e económico) remete-nos para a necessidade de distinguirmos a avaliação do valor intrínseco, instrumental e institucional gerado pelas atividades culturais, e para termos consciência (e aproveitarmos) da multiplicidade de valores que a cultura cria à luz dos olhos dos diversos intervenientes no campo cultural. Finalmente, António Pinto Ribeiro , no capítulo 5, “Paradoxos da ‘oferta cultural’” propõe-nos um olhar, mais focado na perspetiva da programação, que nos alerta para que no meio de toda a velocidade da atual sociedade hiper-espetacularizada e comodificada, onde os estímulos da comunicação se impõem a tudo o resto, talvez ainda seja possível desviar a atenção do recetor para o ato de receção e não apenas do consumo. A razão de existir de uma obra artística, expressa no trabalho em torno das tensões entre a vida e a arte, deverá colocar as pessoas no centro da cena artística, e não os mecanismos de fomento do consumo cultural, o que poderá implicar, segundo este autor, uma reflexão sobre os paradoxais excessos de oferta artística que se verificarão na contemporaneidade.

Um terceiro bloco inclui um conjunto de reflexões em torno das questões da responsabilidade e do compromisso social das organizações culturais, que estão associadas ao papel que desempenham de mediação cultural junto dos territó-rios e das comunidades. As formas desta mediação, as formas de trabalhar, de entender e de se relacionar com estas comunidades não são de todo neutras e têm um papel estruturante nas dinâmicas de criação e de receção cultural, sobre as quais importa refletir. Uma maior articulação com os territórios e com as comunidades em que se integram passará por dinâmicas que passem da re-tórica da territorialização a práticas efetivas que permitam uma criação de valor acrescentado (em termos culturais, sociais, económicos) para os criadores, para as populações e para as entidades que fazem as diversas mediações entre eles. O texto de Marta Porto, “Antídoto contra o sono”, correspondente ao capítulo 6 deste livro, lança a questão problematizando a discussão acerca de quais serão

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as políticas culturais mais adequadas para promover o envolvimento comunitário e um compromisso com a sociedade, a partir da noção de mediação e de uma reflexão acerca do campo de ação associado aos processos de intermediação nas atividades culturais, muitas vezes pouco permeáveis a essa mesma mediação, pela própria natureza da criação, mas alvos fáceis de lógicas de domesticação e de instrumentalização.

Luís Costa, no capítulo 7, “Red Alert ou isto da criação artística comunitária nos tempos que vão correndo”, instiga-nos para não nos revermos nos atuais consen-sos do política e socialmente correto, no que concerne à intervenção cultural nas/com as comunidades, e leva-nos a identificar os equívocos e dificuldades dos projetos de criação artística que são desenvolvidos em articulação com as comunidades. A necessidade de pensar fora das ideias pré-formatadas e as dificuldades de desenvolver um trabalho genuíno e efetivo com as comunidades locais são colocadas num plano que nos exige (re)pensar em permanência e com uma densidade suficiente esta relação com cada território específico.

Por seu lado, Elizabete Paiva, através de um artigo intitulado “O que pode o comum ter de excecional?”, no capítulo 8, leva-nos a refletir sobre as questões da res-ponsabilidade e compromisso social da atividade cultural através da articulação entre as motivações de decisores políticos, programadores, artistas e comunidades envolvidas nestes processos, alertando para os perigos da instrumentalização das artes e das expectativas das comunidades, e para a desvalorização do carácter excecional da criação artística. A diversificação das lógicas de criação comuni-tária, indo para além da espetacularização de aspetos folclorizados da cultura, e problematizando as tensões em torno das identidades, individuais e coletivas, das múltiplas pertenças e de uma outra noção de território, o do imaginário e do porvir, poderão contribuir, segundo a autora, para a conceção de novos modos de “pensar” e de “fazer” “em comum”.

A quarta secção do livro engloba uma discussão mais focada nas políticas pú-blicas, e na prática quotidiana das decisões de política e planeamento, cruzando as políticas culturais, aqui entendidas a escalas territoriais diversas, com outras

vertentes da atuação pública que possam ter a cultura e as atividades e práticas culturais como alvo. Numa perspetiva que, portanto, assume as políticas cul-turais enquanto políticas públicas, foca-se o interesse na forma como poderão ser promovidas e aproveitadas, transversalmente, as estratégias integradas de desenvolvimento territorial, e de que forma as políticas culturais se poderão “enquadrar” nesta lógica mais matricial de atuação.

Um primeiro texto, de João Ferrão, no capítulo 9, “Cultura e território: como tornar mais eficiente uma política “fraca”?”, leva-nos para o campo da discussão do posicionamento das políticas culturais, às diversas escalas (local, nacional, europeia) em relação às outras políticas públicas. Assumindo uma posição que parte da ideia da “fraqueza política” das políticas culturais nos contextos de gover-nação contemporâneos, o autor analisa as possibilidades e os riscos de a cultura integrar agendas “fortes” que lhe são externas (indústrias culturais e estratégias de crescimento inteligente; valorização dos recursos culturais e estratégias de atratividade turística; serviços culturais e estratégias de inclusão social e combate à pobreza e à discriminação; cultura e estratégias de desenvolvimento socioeco-nómico de base territorial), argumentando acerca das vantagens de aproximação de duas políticas “fracas” – a da cultura e a do território – no sentido de reforçar as possibilidades de uma agenda cultural autónoma, minimamente forte, num quadro dominado por agendas e preocupações recorrentemente dominantes no quadro decisional dos diversos espaços de governança atual.

O artigo seguinte, de Catarina Vaz Pinto, “Cultura e território: o desafio das ligações” (capítulo 10), centrado essencialmente na lógicas das políticas culturais de âmbito local, remete-nos para aquilo que a autora reputa como o desafio fundamental a esta atuação nos dias de hoje: a capacidade de construir e desenvolver liga-ções; seja entre as diversas áreas da governação, seja, em cada território, entre as diversas escalas territoriais de intervenção, ou entre as várias instituições públicas e privadas que nele atuam; seja ainda, ao limite, entre as pessoas, que no fim serão os responsáveis concretos pela atuação no terreno, compatibilizando as suas motivações e interesses em torno de projetos concretos que mobilizem as suas vontades e a sua energia.

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Por seu lado, baseando-se no caso concreto de Almada, Amélia Pardal, vereadora com os pelouros das Obras, Planeamento, Administração do Território, Desen-volvimento Económico e Arte Contemporânea neste município, no capítulo 11 intitulado “Planear…construir cidades com emoções!” traz-nos uma perspetiva centrada já não do lado das políticas culturais, mas antes do lado do planeamento e do ordenamento do território. Partindo de um balanço da realidade concreta deste município e das políticas localmente desenvolvidas ao longo dos últimos anos, é defendida a vantagem de um maior cruzamento de abordagens, de com-petências e de conhecimentos, que é crescentemente exigido ao planeamento contemporâneo, a políticas que se pretendam como mais transversais e integradas. Para finalizar, o também vereador da Câmara Municipal de Almada, mas agora, neste caso, responsável direto pela área da Cultura, António Matos, apresenta-nos, no capítulo 12, “Da ação cultural ao desenvolvimento territorial”, uma panorâmica sobre a evolução da ação do município neste campo, enquadrado por um conjunto das contingências da evolução das políticas culturais de âmbito nacional. São apresentados os princípios de base assumidos na atuação e as principais linhas de ação municipal neste campo, sistematizando-se por fim os aspetos considerados fundamentais para a promoção de um projeto cultural de cidade mais integrado. Finalmente, na quinta parte do livro, com caráter mais conclusivo, pretende-se abrir para a discussão sobre o futuro, numa dupla vertente. Por um lado, através do texto de Pedro Costa, “Políticas culturais para o desenvolvimento dos terri-tórios: alguns elementos de síntese”, que nos lança, a partir de uma perspetiva de síntese sobre os trabalhos deste encontro, um conjunto de pistas de reflexão suscitadas pela conferência organizada, nas quais se sistematizam um conjunto de desafios a equacionar em termos das políticas culturais, e a sua relação com o território e o desenvolvimento, os quais serão eventualmente relevantes para a ARTEMREDE ter em conta ao enquadrar e definir os seus percursos de atuação mais imediatos bem como ao estruturar o processo de reflexão futuro.

Por outro lado, o texto de Marta Martins e Vânia Rodrigues, “A ARTEMREDE: um projeto cultural a imaginar o seu futuro”, dá de forma mais direta conta do pro-cesso de reflexão estratégica efetuado, ao longo dos últimos meses, por parte da

ARTEMREDE, o qual culminou na apresentação do seu resultado final mais visível, o “Plano Estratégico da ARTEMREDE 2015-2020”, publicamente apresentado e distribuído nesta conferência. Após uma breve introdução sobre o projeto da ARTEMREDE e seu percurso, e de uma nota que nos dá conta acerca da opção de um compromisso com a metodologia do planeamento estratégico, são enunciadas as 10 grandes prioridades estratégicas desse plano estratégico e operacional, que guiará a ARTEMREDE ao longo dos próximos anos, a trilhar a construção deste caminho, entre a atuação cultural, os territórios e o seu desenvolvimento.

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CAPíTuLO 2

ARTEMREDE. 10 ANOS.

UM CAMINHO. UM FUTURO.

DA AçãO CULTURAL À POLíTICA CULTURAL

PARA O DESENVOLVIMENTO.

António Matos

Presidente da Direção da ARTEMREDE, Vereador da Cultura C.M. Almada

Este livro, na sequência da Conferência Políticas culturais para o desenvol-vimento, assinala os 10 anos de percurso da ARTEMREDE, numa altura em que, mais do que nunca, se impõe uma profunda reflexão sobre a cultura e o seu contexto, sobre a cultura e as condições que os atuais tempos lhe impõe, sobre as condições de exercício da ação cultural, quer no plano das práticas criativas, quer nos modelos de organização, quer nos sistemas de financiamento, quer ainda e, sobretudo, ou mesmo antes de tudo, sobre o lugar que ela ocupa e deve ocupar no contexto das atividades sociais e humanas.

Há 10 anos era o tempo em que as circunstâncias e as necessidades levaram um conjunto de Teatros a unir-se no sentido de resolver problemas associados

ao arranque do funcionamento das salas de espetáculos que os Municípios, tinham necessidade de fazer funcionar. Estes Municípios, diferentes em escala, em caraterísticas identitárias, em opções políticas, construíram um espaço de interseção de interesses e convergências que permitiu a cada um dos associados crescer na medida das suas condições e necessidades. A ARTEMREDE ajudou a formar equipas técnicas, apoiou a programação dos associados, elaborou, com a participação de programadores de cada Teatro, catálogos que refletiam prá-ticas criativas contemporâneas a que todos podem aceder e que incorporava as companhias locais. O referencial conceptual de que uma sala de espetáculos deve ter “um responsável/programador/diretor, um orçamento, uma equipa técnica e uma programação” foi assumido, de forma generalizada, pela ação persistente de diálogo, debate e aprendizagem coletiva que a ARTEMREDE viabilizou.

Mas hoje, quer pela profunda alteração das condições que condicionam a ati-vidade da ARTEMREDE – o agravamento das condições sociais e financeiras, a subalternização da cultura no plano da governação nacional – quer sobretudo porque, cumprida que foi uma primeira etapa deste projeto cultural e associati-vo, se reuniram as condições para avançar para um novo modelo concetual que melhor pudesse corresponder a um conjunto de novas expetativas e permitisse explorar outros campos de intervenção mais consentâneos com uma visão em que a cultura se assume, não como um “adorno” no contexto das atividades sociais, mas antes como algo profundamente ligado ao desenvolvimento integrado dos territórios e das suas populações.

Assim, ao longo do ano de 2014, os associados discutiram profundamente, a natureza e a essência deste projeto. Fizeram-no entre si – eleitos e técnicos autárquicos - e fizeram-no também com o exterior. Convidados a participar, deram-nos a honra de estar presentes num Encontro de Reflexão Estratégica realizado em Oeiras em 8 e 9 de Abril, diversos autarcas, programadores, artis-tas, académicos, agentes sociais e culturais, produtores, dirigentes associativos e municipais, que muito contribuíram para uma profunda reflexão e debate sobre a cultura e sobre o lugar que lhe cabe num modelo de desenvolvimento social em que as pessoas sejam o objeto primeiro.

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Deste amplo debate resultou a construção, amplamente participada, de um Plano Estratégico que se apresenta, julgamos, adequado aos tempos de constrangimen-to que vivemos mas, ao mesmo tempo, ousa um entendimenconstrangimen-to mais avançado sobre a importância da cultura na vida social e sobre a dimensão cultural das políticas públicas.

É esse Plano Estratégico e Operacional que agora se apresenta à região e ao País. Este Plano afirma e defende que a cultura não pode ser um “adorno” nem o “parente pobre” da ação pública, não se pode resumir às atividades, aos espetá-culos, é muito mais do que isso. A cultura está profundamente ligada à prática da democracia, ao exercício do direito à criação e à fruição cultural, à liberdade, à diversidade cultural, ao reconhecimento das necessidades e aptidões dos cidadãos, ao seu direito de participação. Por isso, é fundamental que a cultura esteja colocada no centro das preocupações governativas locais, e não seja nela uma área secundária, deve atravessar toda a ação governativa, deve ser um fator determinante das políticas de desenvolvimento e fazer parte dos dispositivos de planeamento estratégico dos Governos – Locais e Centrais.

Assim, o postulado fundamental deste Plano é: inscrever a cultura no centro das políticas de desenvolvimento dos territórios. O Território é o “ponto de vista” a partir do qual se desenhou esta visão. O território concreto, a paisagem humana e social real, o contexto sociológico objetivo – as pessoas, as gentes, as comuni-dades, as suas necessidades. A ligação da cultura ao território e às comunidades exige, mais do que uma política cultural, políticas públicas orientadas para o desenvolvimento integrado, sustentável e também solidário.

Este Plano avança com um Compromisso Político para esse tipo de intervenção governativa local.

Munida de um Plano Estratégico assim, a ARTEMREDE é um recurso para o desen-volvimento das comunidades. Respeita as diferenças entre associados, convive com elas e ajuda a potenciar cada um deles.

Assume objetivos de crescimento, densificando o território, alargando a ação, robustecendo o seu projeto, ampliando também, pela expansão da sua rede de teatros, os itinerários para maior circulação de artistas e companhias.

Este Plano Estratégico tem tanto de pragmático quanto de audaz. Parte do que temos e do que somos, aposta no crescimento, reinventa paradigmas, estabelece caminhos, aponta futuros.

É neste quadro de procura de caminhos para o futuro, que se inscreveu a rea-lização dessa conferência e que resulta agora este livro. Propõe-se um debate que contribua para o abandono de duas das ameaças mais gravosas identificadas nas políticas culturais locais, designadamente: “a setorialização das políticas em detrimento de estratégias integradas de desenvolvimento dos territórios” e “a insuficiência de processos colaborativos e de trabalho em rede ao nível local, regional, nacional e setorial”1 ;

Assim, ao longo deste processo, assumimos:

a recusa de fazer um debate ‘cultural’ em torno da cultura: a integração dos aspetos da cultura associados ao desenvolvimento/planeamento territorial é assumida como premissa de partida.

Iniciar o debate com a abordagem dos fundamentos politico/democráticos onde repousam as diversas formas de intervenção cultural, ao invés de aqui desfilar extensas ações e práticas e exemplos vários de projetos locais.

Trazer aqui casos de políticas culturais, associadas a estratégias integradas de desenvolvimento local, não tanto pela importância do seu conhecimento em si, mas enquanto exemplo e ponto de partida para o debate.

dar tempo para esse debate, para a reflexão. Porque consideramos fun-damental o pensamento de todos. Porque convosco e juntos, somos mais fortes, levaremos a cultura mais longe.

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PARTE II

O MANDATO

DEMOCRáTICO

DA CULTURA

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CAPíTuLO 3

A LEGITIMIDADE DAS POLíTICAS CULTURAIS:

DAS POLíTICAS DO ACESSO

ÀS POLíTICAS DO COMUM

Nicolás Barbieri

Instituto de Governo e Políticas Públicas e Departamento de Ciência Política, Universidade Autónoma de Barcelona

1. AS POLíTICAS DO ACESSO (E A SuA DETERIORAçãO)

A institucionalização das políticas culturais como esfera de políticas públicas consolida-se na segunda metade do século xx. É bem conhecido o processo pelo qual o princípio da democratização da cultura orienta e legitima a maioria das políticas culturais desenvolvidas na Europa e no mundo anglo-saxónico a partir da década de 1960. Este paradigma, assim como o contrato entre agentes cultu-rais públicos e privados que o mesmo implica, tem um caráter eminentemente estatal-nacional. Isto é, de acordo com o modelo continental ou anglo-saxão, os ministérios da cultura ou os conselhos artísticos estatais são os principais agentes na conceção e implementação de políticas culturais. Estamos, em suma, perante

ca. Sem dúvida que, com deficiências, e graves, quando comparado com outras políticas públicas, incluindo as do âmbito social. Mas, apesar destas dificuldades, a política cultural estabelece-se como um objeto de intervenção do Estado, como um instrumento de intervenção governamental.

Pelo processo de institucionalização das políticas culturais consolida-se nessa altura o modelo de políticas do acesso à cultura. A intervenção governamental centra-se na promoção da oferta cultural considerada de melhor qualidade e na proteção do património. É neste período que podemos identificar um dos principais dilemas na evolução das políticas culturais: a necessidade de conciliar a promoção da excelência com a democratização. Prova disto é o mote que inspirou a fundação do “Arts Council of Great Britain em 1946: O melhor para a maioria”. Numa tentativa de popularizar as chamadas artes eruditas, são promovidas as infraestruturas culturais: dos museus às bibliotecas, aos teatros e à monumenta-lização dos espaços públicos. São as décadas dos grandes equipamentos culturais, bem como da produção de oferta cultural diretamente pelo Estado. É também uma etapa de consolidação institucional da relação entre a política cultural e a identidade nacional.

Por último, neste período consolida-se também uma dicotomia que é essencial para a compreensão da evolução das políticas culturais. Trata-se da dicotomia Estado-mercado, que não só exclui o desenvolvimento de modelos alternativos, mas implica também uma parceria entre o estatal e o público, por um lado, e entre o comercial e o privado, por outro.

Ao modelo de democratização é imediatamente agregado um tipo de políticas públicas que incorpora a promoção de espaços de participação e expressão socio-cultural. Um modelo de política qualificado como democracia cultural (Urfalino, 1996). Mas a participação generalizada, como é entendida no modelo da demo-cracia cultural, não se verifica (Wu, 2007). E são os governos que se reafirmam no papel de produtores culturais: a esfera institucional assume o papel do público. Neste contexto, ganha força a ideia de que os governos locais estão em condições

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iguais ou melhores para assumir a responsabilidade pela promoção da cultura. Os objetivos e instrumentos tradicionais da política cultural dão lugar a novas lógicas de intervenção, que têm origem a nível local: adoção de uma perspetiva sistémica da cultura, expansão da agenda de questões abordadas ou uma tenta-tiva de estabelecer um governo com vários níveis e o modelo de governação da cultura (Cherbo e Wyszomirski, 2000; Rodríguez Morató, 2005; Bonet e Negrier, 2008; Rius, 2012). Em suma, a consolidação das administrações regionais e locais, bem como o desenvolvimento do setor privado e do terceiro setor, também impli-cam uma transferência de responsabilidades no desenvolvimento das políticas (Barbieri et al. 2012)

Mas este contexto é também o do questionamento da ideia de cultura como um direito fundamental, que deve ser garantido pelo serviço público. Juntamente com as críticas ao papel do Estado como responsável pelo bem-estar, questiona-se igualmente a autonomia da arte e da cultura: afiguram-se como mais um produto que compete pelo tempo, interesse e dinheiro dos consumidores e que, por isso, deve demonstrar a sua utilidade social e económica.

Em suma, se falamos de cultura e cidade, se com a expansão urbana as cidades estão a perder o seu significado autónomo, a sua capacidade de serem promessas de integração e libertação (Subirats e Blanco, 2009), a cultura perde o seu estatuto de via para a liberdade, a identidade nacional e a universalidade da cidadania. Quais foram as respostas mais óbvias das autoridades públicas no âmbito da cultura contra este conjunto de fenómenos? Os processos descritos têm repercussões significativas na legitimidade do modelo de políticas do acesso à cultura. Se o modelo de democratização da cultura permanece até hoje como o núcleo da intervenção do governo, é patente a caducidade de boa parte dos princípios de uma política centrada no acesso à oferta cultural.

Os problemas que as políticas enfrentam hoje em dia (e que, portanto, não podem deixar de gerir) estão a tornar-se cada vez mais complexos, incertos e a acarretar cada vez mais riscos. Trata-se de problemas condicionados pelo desenvolvimento tecnológico e o surgimento da sociedade da informação (Castells, 2000), pelo

desenvolvimento económico à escala global com um caráter financeiro domi-nante e em que os símbolos e sinais ocupam um lugar central (Rifkin, 2000), bem como pelo desenvolvimento de sociedades mais heterogéneas e individualizadas (Bauman, 2003). Mais recentemente, as mudanças no tipo de participação e pro-dução cultural resultantes da consolidação da diversidade cultural, bem como da digitalização da cultura (Ariño, 2010) vão além da lógica dos equipamentos culturais tradicionais. A tudo isto é preciso acrescentar a reprodução das inter-rogações colocadas relativamente ao papel da intermediação política tradicional das instituições públicas e da retração do investimento público (Barbieri, 2012). Em suma, não estamos apenas a passar por mudanças. Vivemos, nas palavras de Zygmunt Bauman (2012), num interregno, num momento de mudança de época (Subirats, 2011). É este o cenário no qual se discutem as políticas culturais hoje em dia. Tanto os princípios que suportavam o modelo de políticas do acesso como muitas das suas respostas defensivas são agora ultrapassados, sem qualquer legitimidade.

2. AS RESPOSTAS: A CuLTuRA COMO SuBSTANTIvO

Perante as questões levantadas, surgem então novas lógicas de justificação da intervenção do governo no domínio da cultura e, em particular, nos espaços ur-banos. Os governos optam por dinâmicas de relegitimação das políticas culturais desenvolvidas a partir de respostas que entendemos como reativas, defensivas. Tanto no âmbito económico como social.

Por um lado, sob a pressão da crescente concorrência entre as cidades, com base em critérios de desenvolvimento económico, boa parte das administrações rea-firma o território como uma alavanca para o crescimento económico. A cultura e as políticas culturais estão no centro deste processo.

Neste sentido, uma das perspetivas mais adotadas e também cada vez mais discu-tidas nas agendas das políticas é a teoria das classes e as cidades criativas (Florida, 2002; Knudsen et al., 2007). Trata-se de um modelo amplamente contestado (Hall,

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2004; Glaeser, 2005; Pratt, 2008), que incorpora a mercantilização progressiva dos recursos culturais e da mesma ideia de convivência (na forma de branding urbano) como é o da estratégia de competitividade global da cidade (Peck, 2005). Em termos gerais, as políticas culturais baseiam-se na mobilização de recursos para a promoção do mercado, onde a cultura é concebida como um sistema de produção e um fator de crescimento económico. Por sua vez, a intervenção do governo é imbuída de uma lógica particular: o desenvolvimento das indústrias culturais e criativas, bem como dos chamados setores culturais, é considerado um requisito primário para garantir a qualidade da cultura e o acesso à mesma. Um segundo tipo de resposta tem a ver com a questão da coesão social e, por vezes, com o elemento da proximidade. Neste contexto, o fator de proximidade torna-se num argumento central para justificar a lógica da ação pública no domínio da cultura. A função principal das políticas de proximidade é, em larga medida, a promoção do acesso à cultura, das capacidades de expressão das pes-soas e de um sentimento coletivo de pertença. Ora mais do que a capacidade das políticas para produzirem respostas que sejam simultaneamente diversificadas e abrangentes, democráticas e eficazes, a proximidade pode ser desenvolvida, em certos casos, como um fator de políticas “reparadoras”. Mais do que a uma abordagem abrangente e regionalizada, as políticas de proximidade podem conduzir a uma resposta conservadora à colocação em causa da representação política, em geral, e à falta de legitimidade das políticas culturais, em particular (Barbieri et al. 2012).

Por um lado, a regeneração do discurso da função social da atividade cultural é o resultado da expiração das instituições e princípios do modelo das políticas do acesso. Os profissionais do setor cultural reivindicam para si um novo tipo de faculdade: o conhecimento do território vinculado à aparente capacidade de satisfazer os critérios de qualidade cultural (Dubois e Laborier 2003). Por outro lado, o discurso político sobre o impacto social da cultura centra-se na capaci-dade das políticas culturais para contribuir para a consecução dos objetivos de outras políticas e agendas públicas: educação, saúde, meio ambiente, segurança

ou urbanismo (Belfiore, 2006). Assim, a perspetiva adotada centrou-se sobre as externalidades da cultura. Defende-se e argumenta-se em favor da função ins-trumental da ação cultural, que é apoiada por parte da administração pública (Subirats et al. 2008).

Em suma, tanto as respostas construídas sobre aspetos do desenvolvimento económico como as relacionadas com a coesão social são baseadas em posições reativas por parte dos governos, como opções de política cultural que poderíamos apelidar de “defensivas”. Ora, reconhecendo o impacto dessa perspetiva para a visibilidade da ação das políticas culturais, é importante reconhecer algumas das suas limitações mais importantes.

Por um lado, resulta dela o perigo de sobrevalorizarmos o impacto das políticas culturais. Sobrevalorizar o impacto das políticas culturais e inclusivamente per-der o olhar crítico sobre os seus efeitos. Além disso, podemos acabar por gerar expectativas e pressões desmesuradas sobre os agentes culturais. Em muitos casos, em vez de discutir sobre o quê e como executam as suas tarefas em relação a problemáticas, diferenças e desigualdades, tanto globais como locais, as orga-nizações e instituições culturais dedicam os seus esforços a demonstrar se têm contribuído para atingir os objetivos de outras políticas sectoriais. Finalmente, esta tendência tem-nos distanciado da discussão sobre a capacidade das políticas culturais de terem um impacto real na nossa sociedade, o que, em última análise, se revela contraproducente para a legitimação da intervenção pública no domínio da cultura (Barbieri et al. 2011).

Estes aspetos tornam-se evidentes quando se analisa a forma como as políticas culturais se têm construído sobre a ideia da cultura como um substantivo, como um objeto, ou mesmo como a essência de um grupo ou coletivo. As políticas cul-turais têm-se estruturado muito mais em torno “da” cultura do que “do” cultural, daquilo que é cultural. Desenvolvemos políticas da cultura substantiva e não da cultura adjetiva. Todo o conjunto dos poderes públicos e do setor cultural se têm refugiado em políticas culturais interpretadas como políticas da cultura. Distanciamo-nos assim das políticas do cultural.

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Um exemplo neste sentido, que diz respeito à atividade das pessoas diariamente envolvidas na gestão da cultura, é a informação gerada sobre os resultados das políticas culturais. Desenvolvemos sistemas de informação cultural, como, por exemplo, as contas satélite, que pressupõem um avanço significativo. Mas a informação gerada sobre os resultados das políticas culturais consiste prin-cipalmente na quantificação das atividades e produtos do sector cultural, bem como no consumo cultural. Concebemos as políticas culturais como políticas dos setores culturais (cinema, teatro, etc.); pensamos nos problemas culturais como problemas dos agentes do setor cultural e avaliamos os resultados das políticas culturais em termos de consumo quase binário.

Em suma, produzimos informação sobre a cultura como um substantivo e mui-to menos sobre a cultura como um adjetivo. Conhecemos o número de pessoas que trabalham no sector cultural ou, por exemplo, em alguns casos, o número de bibliotecas públicas por habitantes de uma cidade. No entanto, pouco se sabe sobre as pessoas que visitam essas bibliotecas, como e com quem o fazem, e quais os efeitos da sua participação, não apenas em termos individuais, mas também coletivos. Em suma, têm havido muito poucos progressos na construção de ferramentas que informem sobre as repercussões que as políticas culturais podem ter em termos de processos sociais e efeitos transversais. São escassos os avanços na recolha (e, especial-mente, no uso na gestão diária) de informação sobre as componentes afetivas e intangíveis da experiência e da prática cultural, bem como a sua relação com valores como a igual-dade ou a justiça (Holden, 2004). Muito pouco se sabe sobre a contribuição (ou falta dela) das políticas culturais para questões como o desenvolvimento de identidades coletivas flexíveis, a regeneração de laços sociais, o desenvolvimento pessoal autónomo e criativo, a democratização na geração de conhecimento e acesso ao mesmo, a valorização de certos grupos (crianças, idosos) ou a governação abrangente do território.

3. AS POLíTICAS DO BEM COMuM

Torna-se cada vez mais evidente a necessidade de assumir um desafio que não é novo, mas atual: compreender a cultura não apenas como um substantivo, mas

também (ou em vez disso) como um adjetivo. E, em seguida, construir políticas não da cultura, mas políticas do cultural.

O que significa assumir o desafio de promover políticas do cultural? Com in-vestigadores como Appadurai (1996), Garcia Canclini (2004), Barber (2008) ou Grimson (2003) aprendemos que a cultura não é apenas substantiva e que é importante entendê-la como um adjetivo (a cultura como aquilo que é cultural). Cultural será aquilo que nos permite ser agentes, que faz de nós protagonistas nas nossas práticas sociais. O cultural são as maneiras como nós, como atores, nos enfrentamos e negociamos e, portanto, também como imaginamos aquilo que partilhamos. O confronto e a partilha constituem uma parte indivisível de qualquer processo cultural.

Esta é uma visão política da cultura. Enfatiza o caráter político da cultura. E por político, não devemos entender simplesmente um jogo de interesses partidários ou uma luta para conseguir determinados recursos. Do pensamento destes au-tores aprendemos que pensar sobre o significado da cultura como um processo político significa pensar nela como um processo de confrontos que ocorrem justamente porque participamos em contextos comuns, e porque imaginamos aquilo que partilhamos.

Será, então, possível desenvolver políticas culturais que rejeitem esta perspetiva da cultura? É possível conceber políticas culturais que construam o público como algo heterogéneo, que não reduzam o que é público ao institucional ou estatal, e que trabalhem com uma noção do público como um espaço do comum (um espaço diverso e, portanto, não isento de conflito)? Não temos a certeza, mas podemos afirmar que há uma ligação entre este sentido da cultura e um processo de percurso histórico e de renovada atualidade, que analisamos abaixo.

A possibilidade de desenvolver políticas do cultural é proposta neste artigo como um modelo complementar (mas não de substituição) das políticas de promoção do acesso à oferta cultural. A necessidade de recuperar e enfatizar o sentido político da cultura é um processo que implica reequilíbrios no chamado setor

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cultural. Porque o sentido político da cultura está associado a uma perspetiva que entende a cultura como parte de um processo emergente na atualidade: o da reflexão e ação no domínio dos bens comuns.

O comum, os “commons”, o “pró-comum”, os “bens comuns” e até “comunalizar” são palavras que se repetem numa variedade de fóruns há já algum tempo. Estas palavras surgem não só como conceitos analíticos, mas também como poderosas ferramentas de ação política, social e jurídica (Holder e Flessas 2008), impulsiona-das por inúmeros movimentos sociais de todos os tipos e em diferentes espaços (ambiental, económico, urbano, digital, etc.).

Os bens comuns e o seu estudo não são uma realidade nova, muito menos na América Latina ou mesmo nos Estados Unidos. A vencedora do Prémio Nobel Elinor Ostrom analisou aprofundadamente mais de duas décadas de gestão dos bens naturais comuns (Ostrom, 1990). Mais recentemente, o professor Yochai Benkler, da Universidade de Harvard (2006) fez o mesmo no mundo digital, estu-dando iniciativas de colaboração, tais como software livre. Contudo, no âmbito cultural, os estudos a esse respeito são ainda incipientes. No entanto, falta-nos uma perspetiva própria (embora não isolada), que se revela necessária se consi-derarmos as diferenças entre os bens do tipo natural e digital.

Mas o que são, exatamente, os bens comuns? Em primeiro lugar, devemos com-preender que os bens comuns não são espaços nem objetos. Os bens comuns são constituídos por três elementos: recursos, comunidades que partilham esses recursos e as normas desenvolvidas por essas comunidades a fim de tornar todo o processo sustentável. Ou seja, os bens comuns são: a) sistemas de governação e gestão de recursos partilhados, b) sistemas desenvolvidos por determinadas comunidades, c) sistemas que têm normas e regras identificáveis. Isto significa que aprendemos a olhar para os bens menos como substantivos (o bem comum) e mais como adjetivos (o comum). O que propomos é a adoção de uma perspetiva semelhante também em relação à cultura e políticas culturais.

Nesta perspetiva, uma das primeiras observações que temos de ter em conta é o tom plural na ideia de bens comuns. A cultura como parte dos bens comuns e não tanto como bem comum, porque não postulamos uma possível superioridade moral daquilo que é cultural. A cultura não é uma esfera elevada e separada da sociedade ou da política. E então, por que falamos de cultura como parte dos bens comuns? Porque podemos colocar como hipótese a necessidade de que as políticas culturais reconheçam esse sentido da cultura. Que as políticas culturais sejam as políticas dos bens comuns (Barbieri, 2014).

Falar de políticas públicas e bens comuns, e da relação entre governos e bens comuns, tem implicações significativas. Sem dúvida que o papel do Estado em relação aos bens comuns tem sido descrito como prejudicial e até como depredador de muitos dos recursos e comunidades (Anthony e Campbell, 2011). Assim, são analisados abaixo os possíveis papéis alternativos que poderiam ser desempenhados pelas políticas públicas (os governos e partes interessadas) na gestão dos bens comuns e, neste caso, dos bens comuns culturais.

Uma visão das políticas culturais como políticas dos bens comuns, como políticas do comum, obriga-nos a duas coisas. Por um lado, se pensarmos na cultura como parte dos bens comuns, temos de assumir que falamos não só de recursos, sejam estes intangíveis - idiomas, expressões diversas -, ou tangíveis - equipamentos culturais, etc. Falamos fundamentalmente de formas coletivas de gerir destes recursos. Ou seja, as políticas culturais não deveriam pensar na cultura apenas como objetos ou serviços culturais, mas também ser capazes de identificar e reco-nhecer as comunidades que gerem de forma esses recursos de forma partilhada. Por outro lado, se pensarmos na cultura como parte dos bens comuns, temos de reconhecer o terceiro elemento fundamental que esta visão implica. Além dos recursos e das comunidades, os bens comuns incorporam normas próprias, formas de fazer. Se pensarmos nas políticas culturais como políticas dos bens comuns, temos de aceitar que a gestão coletiva dos bens comuns obedece a regras ou normas que são desenvolvidas pelas próprias comunidades e que permitem a sua sustentabilidade.

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Em lugares onde a administração pública está fortemente hierárquica, pensar nas políticas culturais como políticas do cultural, como políticas dos bens co-muns, pressupõe alguns riscos. Implica o desafio de ir além dos princípios que formam a base do modelo das políticas do acesso à cultura. Podemos, então, postular as características e diferenças entre os modelos de políticas do aces-so e as políticas dos bens comuns. Tanto na dimensão simbólico-substantiva como na dimensão processual-operacional das políticas (Gomà e Subirats, 1998). Tabela 1. Políticas do acesso e políticas dos bens comuns

Fonte: Elaboração própria

Sem repetir a informação constante na tabela, é necessário desenvolver duas áreas principais de diferenciação entre o modelo das políticas do acesso e da política dos bens comuns. A primeira grande diferença, que já apontámos ante-riormente, refere-se à ideia de cultura subjacente a cada uma destas abordagens. No modelo das políticas do acesso, a cultura é entendida como um produto ou

serviço. Cultura designa um sistema de produção que claramente diferencia os criadores, produtores, distribuidores e consumidores. Por seu lado, no modelo de políticas do bem comum, a ideia de cultura refere-se a bens comuns culturais, isto é, complexos sistemas de governação, com comunidades que desenvolve-ram as suas próprias regras de gestão dos recursos culturais. Neste caso, não se verifica a tradicional diferenciação de papéis de um sistema de produção, mas sim, exatamente o contrário.

Mas as diferenças não se limitam à dimensão concetual ou simbólica das políticas culturais. Falamos também de diferenças nas formas de governar, na dimensão operacional das políticas. Em particular, no papel do governo e no tipo de liderança que este pode exercer. No modelo de políticas do acesso, temos um governo que exerce um papel que qualificamos de administrativo, uma liderança vertical de comando e controlo e uma departamentalização horizontal das políticas culturais de acordo com os vários subsetores (cinema, teatro, etc.).

Por outro lado, nas políticas culturais que definimos como políticas dos bens co-muns, o papel do governo é compreendido e assumido como puramente político (no sentido mais amplo e complexo da palavra). É reconhecida a interdependência entre atores e comunidades e são desenvolvidos instrumentos para promover a colaboração, a corresponsabilidade colaborativa. Em suma, estaríamos perante governos que (sem deixar de assumir a sua quota de responsabilidade) providenciam apoio a modelos de gestão híbridos, que se desviam do excesso de intermediação tradicional, mas também da mercantilização das políticas.

4. NOvAS POLíTICAS, NOvAS RESPONSABILIDADES

Neste quadro que propomos, torna-se caduca a ideia do interesse público como algo determinado por uma autoridade centralizada e abstrata. Num cenário de mudança de época, as autoridades locais, a sociedade civil e muitas comunidades têm a sua própria conceção do comum e do público; e têm conseguido gerir bens comuns (naturais, culturais) de forma sustentável e socialmente justa.

Políticas do acesso Políticas dos bens comuns

Ideia de cultura

Produtos, bens e serviços públicos/privados

Sistema produtivo: criação, produção, distribuição, consumo  

Bens comuns: recursos,

comunidades, normas. Propriedade distribuída

Sistemas de governação híbridos, sem estrita separação de funções

Liderança Administrativa: controlo vertical, departamentalização horizontal   Político: reconhecimento da interdependência, transversalidade, garantia   Modelo e instrumentos

de relacionamento Gestão pública: subsídio, mecenato, acordo-contrato Gestão pública-comum: fundos de financiamento coletivo, rede de distribuição, capital de risco  

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E quais são, então, as políticas culturais do comum? Ainda não as conhecemos em detalhe, porque ainda se encontram numa fase preliminar. No entanto, cabe aqui pensar nas políticas que mais têm procurado transformar-se e reposicionar-se no interregno em que vivemos. Pensemos, por exemplo, nas bibliotecas, museus e centros culturais que têm abandonado a sua função de meros repositórios da cultura e exploram iniciativas conjuntas de aprendizagem partilhada e divulga-ção aberta de conhecimentos. As instituições culturais que se constituem elas próprias como bens comuns.

Tratam-se de instituições onde continua a existir um recurso central, como, por exemplo, os livros ou a informação no caso de bibliotecas. Além disso, o governo mantém, sem dúvida, um lugar importante na comunidade que gere a instituição; mas, ao contrário do que acontece no modelo de políticas do acesso, esse papel de intermediação é significativamente diferente. Assim, as regras e responsabili-dades de cada um dos agentes envolvidos na sustentabilidade da instituição são partilhadas e definidas de forma interdependente.

Este processo representa um novo desafio à legitimidade da intervenção governa-mental. Sobretudo para o tipo de intermediação que tradicionalmente assumem as políticas públicas. Por isso, e convém salientar este aspeto, uma espécie de resposta dos poderes públicos face a este cenário pode não ser o que propomos. Em vez disso, os governos poderiam optar pela desresponsabilização. O discurso dos bens comuns funcionaria, nesse caso, como uma nova resposta de caráter “defensivo” e com um efeito relegitimador contra as dificuldades de financia-mento das instituições culturais públicas. Os bens comuns funcionariam como uma resposta conservadora, que permitiria aos governos resolver o problema da crise da representação política. Os bens comuns seriam o novo recurso de um bem, conhecido realismo mágico da política.

Na verdade, começam a ser implementadas as primeiras ações neste sentido, respostas no sentido da desresponsabilização dos governos da gestão dos bens comuns culturais. No âmbito especificamente cultural, um dos eixos centrais a ter em conta na análise da evolução dos bens comuns é o desenvolvimento

dos bens comuns e do papel da política pública é a questão do financiamento. A questão do financiamento coletivo (ou crowdfunding, ainda que este termo possa reduzir a complexidade destas novas práticas) é uma questão fundamental para o futuro dos bens comuns culturais. E também para o papel que irão assumir as políticas públicas a esse respeito.

Torna-se propício observar como as primeiras iniciativas do governo relativas à questão do financiamento coletivo estão a interpretar esse fenómeno mais como uma resposta pontual às dificuldades económicas que muitas instituições públicas têm enfrentado sob o modelo das políticas de acesso. Um exemplo disso é a campanha de financiamento aberta aos cidadãos recentemente organizada pelo Museu de Belas Artes de Lyon. Com o objetivo de poder adquirir a pintura de Jean-Auguste-Dominique Ingres, “L’Aretin et l’envoye de Charles Quint”, o museu promoveu uma campanha de crowdfunding, com o intuito de angariar micromecenas. Através desta iniciativa, o museu conseguiu angariar 80 mil euros, o que representa mais de 10% do custo total da obra. Mas além do caso específico, há interesse em analisar e discutir a posição dos governos perante o fenómeno do financiamento coletivo. Atualmente, não só as instituições culturais de pequena dimensão, mas também grandes organizações estatais se assumem como recetoras de contribuições financeiras de particulares, ou seja, beneficiá-rios de micromecenato, como destinatábeneficiá-rios sem maiores responsabilidades no desenvolvimento do fenómeno do financiamento coletivo.

Ora, nem todas as instituições assumem um papel semelhante. Há casos em que, impulsionados pelas próprias plataformas de financiamento coletivo, estabelecem--se ligações mais consistentes com a profunda transformação que este fenómeno poderia representar para o setor cultural. Por exemplo, desde há algum tempo que a plataforma Goteo faz experiências com fórmulas como o “capital de risco” ou as “bolsas de investimento social” (Goteo, 2013). Nestas iniciativas, os governos (por exemplo, do País Basco e da Estremadura) comprometem-se a contribuir com uma soma equivalente à das contribuições individuais da população. Ou seja, por cada euro angariado pela plataforma com as contribuições individuais, o governo compromete-se a contribuir com outro euro (até um limite aprovado).

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Obviamente, este é também um exemplo concreto que não permite extrair conclusões definitivas sobre o papel das políticas públicas nos novos regimes de financiamento coletivo da cultura. No entanto, salienta-se a necessida-de necessida-de continuar a investigar até que as novas formas necessida-de financiamento (com o o crowdfunding) se tenham desenvolvido, em alguns casos, como bens comuns. Para terminar, chamamos a atenção para a necessidade de aprofundar a investiga-ção e a reflexão sobre as políticas do comum. É importante saber de que forma as plataformas e coletivos têm sido capazes de gerar as suas próprias comunidades e estabelecer normas comuns para assegurar a sustentabilidade dos processos culturais. Também é importante questionar a ambiguidade que pode estar asso-ciada ao discurso dos bens comuns, tanto nas dinâmicas de desresponsabilização por parte dos governos como nas da exclusão no seio das comunidades, com conflitos que podem levar à perda do caráter público dos bens comuns. Ou seja, é necessário conhecer melhor como se desenvolveram os bens comuns culturais e questionarmo-nos sobre o papel das políticas públicas nestes processos.

CAPíTuLO 4

VALORIZANDO

AS ARTES E A CULTURA

john Holden

City University, London; DEMOS Think Thank

Um pouco por todo o mundo, o valor das artes e da cultura tem-se transformando num assunto cada vez mais presente e sobre o qual as pessoas querem ouvir falar. E isso é interessante. Isso não acontece simplesmente porque as artes precisam de encontrar formas de descrever o seu valor para poderem atrair o financiamento privado e público – tiveram de fazê-lo durante muito tempo -, mas sim porque se verificou uma mudança fundamental em termos do papel das artes e da cultura na sociedade. O que pretendo é afirmar que precisamos de repensar aquilo que queremos dizer quando utilizamos a palavra «cultura» e que precisamos de ter uma abordagem mais sofisticada à forma como valorizamos as artes e a cultura, uma abordagem que tenha em conta, quer os vários tipos de valor que fazem parte da cultura, quer as perspetivas e interesses plurais de diferentes grupos sociais. Houve um tempo, há cerca de quarenta anos, em que o valor das artes era prati-camente um dado adquirido e o assunto não provocava demasiada preocupação.

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Existia um razoável consenso político acerca da necessidade das artes, apesar de serem marginais e não fazerem parte do mundo real da política, que tinha a ver com a economia e com as relações internacionais.

Mas, mesmo nessa altura, no século xx, quando uma pá era uma pá e não uma ferramenta pós-moderna concebida por um designer com potencial para mover terra, já nessa altura, tínhamos muitos problemas com a palavra «cultura». Para uma discussão realmente estimulante acerca da questão, apontar vos ia na di-recção de Raymond Williams, Professor em Cambridge e crítico de cultura, e do seu fundamental livro Keywords, publicado pela primeira vez em 1976.

Nessa altura, a palavra «cultura» era utilizada essencialmente com dois signi-ficados e muitas pessoas continuam a pensar nela dessa forma. Por um lado referia-se às ‘artes’– e as artes eram um cânone estabelecido de formas de arte (ópera, bailado, poesia, literatura, pintura, escultura, música e teatro). Cada uma destas artes continha as suas próprias hierarquias e era apreciada apenas por uma pequena parte da sociedade, aquela que era também, em geral, instruída e rica. Este grupo social definia a sua própria posição social, não só através do dinheiro e da instrução, mas também através do simples acto de apreciar as artes e, deste modo, consumo de arte e estatuto social tornaram-se sinónimos, levando as artes a serem classificadas como elitistas.

Mas a cultura tinha também um outro significado não relacionado com as artes, um significado antropológico que se prolongava para abranger tudo o que fazía-mos para nos exprimirfazía-mos e entenderfazía-mos, desde a culinária ao futebol, à dança, ao ver televisão.

Estes dois significados de «cultura» conduziram a uma grande confusão porque eram, essencialmente, opostos. «Cultura» no sentido das artes e cultura popular excluíam-se mutuamente: uma era elevada, a outra inferior; uma refinada, a outra degradante. Enquanto indivíduo, poderia aspirar à alta cultura mas, por definição, a alta cultura nunca poderia ser adotada pelas massas – se fosse adotada por toda a gente deixaria de ser alta cultura.

Estas duas noções essencialmente contraditórias acerca do significado de «cultura» levaram a todos os tipos de confusões, inclusive na política, onde as abordagens à cultura se opõem à divisão esquerda/direita. Podemos ver as artes a serem atacadas pela esquerda por serem um “passatempo da classe alta” e a serem atacadas pelos “monetaristas fanfarrões da direita Reaganista e Thatcherista” por interferirem com o mercado. Mas também podemos ver as artes a serem defendidas pela esquerda por serem uma das coisas boas da vida a que todos deveriam ter acesso, e a serem defendidas pela direita por terem uma influência civilizadora e calmante sobre a sociedade.

O antigo modelo de cultura vigente nessa época é um modelo limitado a duas opções, mas atualmente temos de entender uma nova realidade. E isso significa que temos de abandonar essas velhas ideias de cultura como um conjunto de binários opostos do tipo elevado/inferior, refinado/degradante e elitista/popular. A nova realidade exige uma forma diferente de olhar para o significado de «cul-tura» e, consequentemente, novas formas de olhar para o valor das artes e da cultura para a sociedade. Exige uma mudança na resposta política à cultura e requer mudanças na forma como os financiadores culturais e as organizações culturais atuam.

Permitam-me explicar o meu entendimento desta nova realidade.

Penso que agora, por motivos práticos, existem três esferas de cultura profun-damente interrelacionadas: a cultura financiada pelo setor público, a cultura comercial e a cultura criada em casa. Não estão separadas, nem são opostas, estão completamente interligadas, mas diferem de forma significativa umas das outras. Na cultura financiada pelo setor público a cultura não é definida pela teoria mas pela prática: o que é financiado torna-se cultura. Esta abordagem pragmática permitiu uma expansão do significado de «cultura» neste sentido, para poder agora incluir coisas como o circo, as marionetas e a arte de rua, bem como a ópera e o bailado. Quem toma a decisão acerca daquilo que é financiado e, como tal,

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define este tipo de cultura é, por isso, uma matéria de assinalável interesse público. Por exemplo, as respostas oficiais à produção cultural de diferentes comunidades, grupos sociais, étnicos e religiosos transporta um profundo significado em termos de validação ou aceitação de diferentes culturas no âmbito da definição daquilo que o governo entende por cultura.

A cultura comercial é igualmente definida de forma pragmática: se alguém pen-sar que existe a possibilidade de uma canção ou um espetáculo ser um sucesso comercial, este/esta é produzido/a; no entanto, o consumidor é o juiz máximo da cultura comercial. O sucesso ou o falhanço é impulsionado pelo mercado, mas o acesso ao mercado — o elusivo ‘contrato discográfico milionário’ de Bruce Springsteen para a canção Rosalita, a estreia em palco ou o primeiro romance — é controlado por uma influente classe de produtores comerciais de topo, executivos de empresas discográficas e editores que são tão poderosos como os burocratas da cultura financiada pelo setor público. Por isso, na cultura financiada pelo setor público e na cultura comercial existem guardiões que podem ajudar bastante os artistas mas que, no entanto, controlam o acesso do artista a um público e definem o significado de cultura através das suas decisões.

Por fim, existe a cultura criada em casa que abrange desde objetos históricos até atividades de arte popular, passando pela banda de garagem punk pós-moderna e o upload no YouTube. Aqui, a definição daquilo que conta como cultura é muito mais abrangente. É definida por um grupo de pares informal auto-selecionado e as barreiras à entrada são muito menores. Tricotar uma camisola, inventar uma nova receita ou escrever uma canção e publicá-la no Facebook pode exigir muitas capacidades, mas pode ser feito de forma independente sem grande dificuldade — a decisão acerca da qualidade daquilo que é produzido está nas mãos daqueles que vêem, ouvem ou provam o artigo acabado.

Nestas três esferas, os indivíduos assumem posições como produtores e consu-midores, autores e leitores, intérpretes e públicos. Cada um de nós tem a possi-bilidade de se movimentar entre diferentes papéis com uma crescente fluidez, criando e atualizando as nossas identidades ao longo do processo. Os artistas

viajam livremente entre os setores de financiamento, comercial e criado em casa: por exemplo, as orquestras financiadas pelo setor público fazem gravações comerciais que são vendidas em lojas de música e trocadas em sites de partilha de ficheiros; a moda de rua inspira a moda comercial; e uma banda independente pode conseguir um contrato discográfico e depois atuar numa casa de espetáculos financiada pelo setor público.

A rápida e enorme expansão da Internet como espaço de comunicação cultural e como facilitador da criatividade de massas é vista como a causadora destas mudanças mas, na verdade, é apenas um de vários fatores. A disponibilidade de instrumentos musicais e máquinas fotográficas digitais baratas e de boa quali-dade, os softwares de fácil utilização, a construção de infraestruturas artísticas e a formação são igualmente importantes enquanto impulsionadores da expres-são criativa.

Mas aquilo que a Internet fez - de forma singular e irrevogável - foi permitir que as pessoas comuniquem, colaborem e enriqueçam de formas que são inteiramente novas. Isto gerou o caos nos modelos de negócios dos setores da música, cinema e radiodifusão – por exemplo, a Tower Records, o maior vendedor de CD e DVD a retalho dos Estados Unidos, foi à falência apenas 5 anos após a introdução do i-tunes. Além disso, alterou as possibilidades à disposição das três esferas da cultura e de todas as formas de expressão cultural nelas contidas, apresentando, em todos os domínios, uma profusão de novas oportunidades (tais como novos públicos, novos canais de distribuição), mas também um conjunto de questões (o que fazer relativamente à propriedade intelectual, o investimento em tecnologia e a censura, por exemplo).

Por sua vez, a capacidade que as pessoas têm de criar a sua própria cultura a níveis profissionais alterou o debate acerca da qualidade, que deixou de se basear na ideia de que as artes são naturalmente superiores à cultura popular, para discutir a qualidade em nichos, onde quer que esta se encontre. Agora temos de perguntar, não se o teatro é melhor do que a Televisão – isso não faz sentido –. A pergunta agora é ‘foi um bom programa de televisão? foi uma boa

Referências

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