• Nenhum resultado encontrado

CULTURA E TERRITóRIO: O DESAFIO DAS LIGAçõES

No documento PARTE I para o desenvolvimento? (páginas 47-50)

Catarina vaz Pinto

Vereadora da Cultura, Câmara Municipal de Lisboa

I - INTRODuçãO

O nosso tempo é um tempo de mudança e de transição. Todos o sabemos. A mu- dança tem a ver com a revolução tecnológica, com a globalização que esta induziu e as com consequências que estas têm provocado, nomeadamente em termos:

das interdependências crescentes e multidireccionais entre os diversos fenómenos de natureza política, económica, cultural e social;

da evolução do sistema de produção da economia capitalista no qual a criação, circulação e transformação de ideias, símbolos e imagens desempenham uma função fundamental na produção e criação de valor acrescentado de bens e serviços transaccionáveis;

da intensificação e diversificação das migrações humanas;

do protagonismo das cidades, dos espaços urbanos, que são hoje os lugares em que a parte mais significativa do pensamento e actividade humana acontece;

Acresce que grande parte da criação e produção cultural contemporânea, acontece e ganha sentido em escalas e espaços físicos e virtuais que escapam à esfera de intervenção de poderes públicos moldados na generalidade a partir do conceito territorial e ideológico do Estado-nação, actualmente em crise profunda. É necessário promover a articulação entre as diversas escalas territoriais: perce- ber o que faz sentido em cada uma delas, - descentralizar, centralizar ou ganhar escala e massa crítica.

Uma das ligações fundamentais a promover para este efeito é a do diálogo estru- turado entre a administração central e as autarquias nos vários sub-setores da atividade cultural: teatros, museus, bibliotecas..., bem com a criação de mecanis- mos jurídicos e de gestão que permitam às autarquias ter os meios organizativos e financeiros que viabilizem a dinamização de diversos equipamentos culturais da forma mais eficiente e eficaz, não só do ponto de vista económico e financeiro, mas também artístico. Como exemplo veja-se a nova Lei do SEL.

Ainda no contexto do território, assistimos à alteração e/ou diversificação dos centros de poder e de decisão à escala institucional. O Estado e a administração pública, em geral, deixaram, por outro lado, de ser os únicos ou principais deci- sores em matéria de alocação de recursos para a acção cultural, assistindo-se ao surgimento de novos actores com intervenções estrategicamente estruturadas, cruzando motivações públicas com motivações privadas, de ordem política, social, de legitimação e promoção de imagem, com capacidade de iniciativa e autonomia e que não se limitam a um papel de co-financiador de projectos que lhes são apresentados por terceiros.

Relacionada com a questão anterior, assistimos também à diversificação dos modelos institucionais e organizativos de criação, produção e difusão de cultura. Para além das instituições e espaços normalmente associados aos fenómenos de produção e difusão de cultura com configurações físicas e/ou arquitectóni- cas claras, e actividades permanentes e perenes de criação e difusão de bens e serviços - os museus, os teatros, os monumentos, os sítios, os centros culturais –, A evolução de um sistema de governação vertical para um sistema de gover-

nação horizontal (ou a co-habitação entre os dois) é extremamente complexa. Exige predisposição intelectual e novas atitudes perante os problemas. Talvez venha a ser mais fácil para os ‘nativos digitais’ do que para aqueles que nasceram e cresceram num ambiente analógico, treinados a pensar e agir em caixas. Exige também níveis de articulação e monitorização elevados e tempo, porque todas as transformações civilizacionais podem parecer evidentes, mas são lentas na sua interiorização, apropriação e implementação.

Importa ainda referir que, não obstante a multidimensionalidade e interdepen- dência crescente da generalidade dos fenómenos contemporâneos, importa ter um ponto de vista inicial e especifico sobre cada uma das áreas de governação, incluindo a consideração dos seus valores intrínsecos e que só a partir da argu- mentação baseada nesse ponto de vista específico e nesses valores é possível trabalhar e articular as demais dimensões (económica, social ou outra) que cada fenómeno comporta.

Assim , e no que respeita às políticas públicas para a cultura, é preciso olhar e agir sobre a realidade a partir de uma visão cultural , o que não é a mesma coisa que falar de instrumentalização da cultura. Exige peso político da cultura, o que nem sempre é óbvio e que contradiz o fato de todos sabermos que as grandes transformações do nosso tempo têm uma matriz cultural.

III – AS LIGAçõES NO TERRITóRIO

Decorrente da mudança, assistimos também à alteração e/ou diversificação dos centros de poder e de decisão à escala territorial. São várias as escalas terri- toriais a partir das quais a cultura se cria, produz, promove e distribui: da micro-es- cala do bairro até à macro-escala global, passando pelas escalas intermédias da cidade, da região e do estado-nação, esta última deixando de assumir o papel pre- ponderante que até há bem pouco tempo exerceu, para ter que se reposicionar num novo contexto multicêntrico, que exige redefinição de espaços de intervenção e de articulação.

94 95

os poderes públicos devem saber ativar, mobilizar, enquadrar. São essas energias criativas de indivíduos, comunidades e grupos, que se organizam em torno de interesses diversificados de natureza cultural, profissional, étnica, género, orien- tação sexual, que permitem construir afectividades várias, laços de pertença e de solidariedade, essenciais para partilhar essas identidades comuns e para ajudar a enfrentar as vicissitudes do quotidiano com que todos nos confrontamos. Nessa mobilização de energias, importa dar lugar aos artistas trilhar com eles e através deles caminhos que possam trazer a cada um novas leituras sobre o mundo em que vivemos. E com isso, poder dizer como Italo Calvino que ‘não é nestas duas espécies (cidades felizes e infelizes) que faz sentido dividir a cidade, mas noutras duas: as que continuam através dos anos e das mutações a dar forma aos desejos e aquelas em que os desejos conseguem aniquilar a cidade ou são eles aniquilados.’ (Calvino, 2013, pp. 37-8).

proliferam hoje por todo o mundo eventos artísticos de natureza efémera e flexível, como as residências artísticas, bienais, festivais, espectáculos de ar livre, eventos artísticos site specific, bem como eventos virtuais de natureza imaterial que ocorrem na internet.

Estes eventos correspondem, quer aos novos modos de criação, produção e difusão desenvolvidos pelos artistas e demais agentes culturais no seu confronto com as questões do mundo contemporâneo dominado pela globalização, tecnologia, problemáticas identitárias, quer a novas abordagens por parte dos sectores público e privado relativamente à sua função de dinamização e regulação das actividades artísticas e culturais.

O espaço urbano configura-se, assim, como um mosaico de territórios simbólicos, de singularidades, como uma teia de relações entre grupos, indivíduos e instituições.

Iv – AS LIGAçõES ENTRE PESSOAS

As cidades não são produtos, são antes organismos vivos, orgânicos, complexos, pessoas, fluxos, ideias, memórias, imaginários em comunicação, interacção, às vezes em sintonia, outras vezes em confronto. As cidades têm casas, edifícios de habitação, é certo, edifícios de escritórios, ruas, avenidas e becos, jardins, parques e automóveis, ícones arquitectónicos e patrimoniais, mas têm sobretudo pessoas que nelas vivem, umas que nelas nasceram e sempre viveram, outras que chegaram e nelas se instalaram, provisória ou definitivamente, pelas mais variadas razões. Mas todas essas pessoas necessitam hoje, cada vez mais de reconhecimento e identificação com o lugar onde habitam, de criar relações mais ou menos es- treitas com os que os rodeiam, de solidificar sentidos de pertença.

As pessoas devem estar no centro das políticas urbanas, no centro da acção, no centro das preocupações e motivações efectivas.

O território é, por excelência, o espaço da proximidade, da vizinhança, das ligações entre pessoas. As cidades são territórios onde abundam hoje energias difusas que

fraestruturas mais básicas, sem rede de equipamentos educativos, culturais e desportivos e com grandes problemas ao nível do ordenamento – só comparável à potencialidade física do território.

Nas últimas quase quatro décadas de Poder Local Democrático procurou-se melhorar o quadro de vida do território, dos que nele habitam, dos que nele traba- lham ou estudam e dos que o visitam. Tem sido um processo moroso de pequenas e grandes conquistas, de pequenos e grandes projectos com alguns contratempos, mas tem sido sem dúvida um processo de participação democrática, de grande consciência cívica e de cidadania.

Mais de três décadas de planeamento municipal conduziram a um crescimento mais equilibrado, apesar de em alguns casos com algumas assimetrias, mas com uma resposta satisfatória quanto à distribuição equitativa dos equipamentos, o acesso à habitação condigna e a preservação da paisagem e dos recursos natu- rais, do património material e imaterial deste território.

Hoje este território tem uma importante rede de equipamentos culturais, uma programação cultural rica e diversa, públicos consolidados e em formação, tem o maior e mais importante Festival de teatro do país, Festival de Almada, e um dos mais destacados da Europa; tem uma rede de museus e bibliotecas assina- lável, tem um conhecido centro de arte contemporânea, a Casa da Cerca, uma importante rede de arte pública;

Tem uma resposta educativa alargada, de qualidade do pré-escolar ao Ensi- no Superior;

Tem índices de formação académica acima da média nacional, tem padrões de vida socioeconómicos assinaláveis no quadro da área Metropolitana de Lisboa; Uma cidade com elevados níveis de participação cidadã e com um tecido associativo forte e interveniente nas diferentes dimensões da vida da cidade;

CAPíTuLO 11

PLANEAR…

No documento PARTE I para o desenvolvimento? (páginas 47-50)