Capítulo II A ANÁLISE EXEGÉTICA DE JEREMIAS 22,13-19
2.3 CRÍTICA TEXTUAL
2.3.1 Aparato Crítico
O aparato crítico da BHS tem por objetivo informar a situação do texto bíblico ao longo de sua transmissão, desde o período da antiguidade até o final da Idade Média. Evidenciando as diferenças entre o texto hebraico de tradição massorética e as antigas versões bíblicas clássicas, também as emendas tanto de natureza textual quanto literária188. Vejamos as notas apresentadas no texto de Jr 22,13-19189, editadas por W. Rudolph:
Verso 14
: A instrução do aparato crítico nos informa que a primeira parte do versículo foi inserida da LXX a-a (wv|kodo, mhsaj seautw/|), “construirei190 ti mesmo191”,que consiste num verbo indicativo aoristo 2º pessoa singular. Porém, o aparato nos
186 Cf. SIMIAN-YOFRE, Horácio (Org). Metodologia do Antigo Testamento. 2º ed. São Paulo: Loyola,
2011, p.39-40.
187 Cf. SCHNELLE, Udo. Introdução à Exegese do Novo Testamento. São Paulo: Loyola, 2004, p.30-34.
In: EGGER, Wilhelm. Metodologia do Novo Testamento – Introdução aos métodos linguísticos e históricos-críticos. 2º ed. São Paulo: Loyola, 2005, p.43.
188 Cf. FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao texto massorético –
Guia Introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 3º ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 69.
189 As notas do aparato crítico do livro de Jeremias da Biblia Hebraica Stuttgartensia foram produzidas
por W. Rudolph; A interpretação das notas do Aparato crítico da BHS foi feita através de consultas à obra de FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica: Introdução ao Texto Massorético. 3º ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 21-100.
190 Cf. RUSCONI, Carlo. Dicionário do Grego do Novo Testamento. 3º ed. São Paulo: Paulus, 2009, p.
328. “arquiteto, engenheiro, construir (irei), edificar, reedificar, reeconstruir”.
sugere em retraduzir a expressão (
^l. t'ynIB'
), “construíste para ti”, nos apresentando uma tradução mais próxima do “original”.Algumas traduções, inclusive a Septuaginta (LXX), optam pela variante ao invés do texto proposto pela BHS, assim, o termo (
^l. t'ynIB'
), é um verbo Qal perfeito que está na 1º pessoa singular.O vocábulo b (
~yxi_W"rUm.
), “espaçoso”, exibe a seguinte nota: [prp] (propõe uma forma construída),~yxi_W"r>m,
uma expressão proposta pelo aparato “amplo ou vasto”, que pode ser traduzido “tornando largo para ele”, indicando assim a pessoa do rei Jeoaquim. O vocábulo cyn"ëALx;
, optamos traduzir por “janelas”. O aparato nos sugere (!ALx;
), “buraco na parede, (muro)para ar e luz, ou abertura de janelas ”, que literalmente é uma abertura na possível construção do rei Jeoaquim.O vocábulo d
!Wpås'w>
, que escolhemos pela tradução “e forrada”, no aparato a apresentação da nota: [1!wOpås'w>
], “forro ou revestimento”, mas conforme o dicionário da editora sinodal192 este vocábulo proposto pela BHS é uma conjectura.Verso 15
: O vocábulo%l{êm.ti(h]
, “acaso reinarás”, apresenta a seguinte nota [a prp
%lem;t.th
e a interpretação propõe o verbo%l;m'
no imperfeito hitpael.Conforme o manuscrito da LXX o vocábulo hebraico
zr<a'_b'
, no cedro, apresenta a seguinte nota: [ b evn Acaz , LXX A evn Acaab]. Em seguida a interpretação: A LXX traduz o vocábulozr<a'_b'
, no cedro, por evn Acaz193, (em Acaz); portanto, o códiceAlexandrino (século V) traduz o mesmo vocábulo por evn Acaab (em Acabe) conforme o targum de Ônquelos194.
Se realmente a sugestão do códice alexandrino (em Acaz) ou o targum de
ônquelos (em Acabe) estiver correto o texto de Jeremias 22,15 ficaria assim: “Acaso reinarás, Eis! tu concorrente (competindo) em Acaz (em Acabe)”, porém, a hipótese
192 Cf. KIRST, Nelson. et. al. Dicionário Hebraico – Português & Aramaico – Português. 22º ed. São
Leopoldo: Sinodal/Vozes, 2009, p. 169.
193 Cf. RUSCONI, Carlo. Dicionário do Grego do Novo Testamento. 3º ed. São Paulo: Paulus, 2009, p.
90.
levantada por W. Rudolph é impróprio no período que viveu tanto (Acabe 874-853, quanto Acaz – 736-716 a.C).
O vocábulo
` Al* bAjï za'
, “então bom para ele”, exibe a seguinte nota: [ c – c 1prb
wl bwççjw>
et tr sec 15 b. 16 a alit], logo a interpretação é de que o vocábulo deve ser lido provavelmentewl bwjw>
“ e bom para ele”, sendo assim transpõe de acordo com a LXX depois deht"v"w>
, “e bebeu”,entretanto, o aparato crítico sugere que a expressão “ e bom para ele” e deve ser lida depois da expressãoht"v"w>
,”e bebeu”, Istomudaria então de lugar a frase.
Enfim, a descrição do aparato crítico [ 15 b. 16 a alit] e a interpretação à LXX informam que o verso 15 b e 16 a deveria ser lido de outro modo.
Adiante vemos:
Verso 16
: O vocábulobAj+ za’,
“então bom” exibe a seguinte nota: [a – a ex 15,dl], entende-se que a interpretação é estas duas palavras por indicação do aparato crítico195 que foi extraído do verso 15, e nos informa a apagar esta nota.
E no vocábulo (
ayhi,
“aquela”, pronome feminino) nos exibe a seguinte nota: [b K orawh
] e a interpretação de acordo com os massoretas orientais deve ser lida não como pronome feminino (ayhi
), mas como pronome masculino (aWh
), “aquele”.Verso 17
: O vocábulo (yqiN"h;
), “inocente”, exibe a seguinte nota: [ aC “
N
], mas, na interpretação vemos algumas traduções inclusive os fragmentos de códices hebraicos da Guenizá da Sinagoga Bem Ezra, do Cairo do século V ao IX d. C que optam pela consoante sem a vogal ao invés do texto proposto pela BHS.O vocábulo b (
hc'ÞWrM.h;
), “extorsão”, exibe a seguinte nota: [ b a#cr
cf
fo,non ; a , s , dro,mon a
#Wx
; ahc'r'
]. Ademais, a interpretação: O aparato crítico sugere que seja lidohc"Wrm
196>
, “opressão” comparando assim com a LXX (fo,non197),
195 Cf. FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica – Introdução ao Texto Massorético
Guia Introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 3º ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 30 – 32.
196 Cf. KIRST, Nelson. et. al. Dicionário Hebraico – Português & Aramaico – Português. 22º ed. São
Leopoldo: Sinodal/Vozes, 2009, p. 141.
197 Cf. GINGRICH, F. Wilbur & DANKER, W. Frederick. Léxico do Novo Testamento. São Paulo: Vida
Nova, 2007, p. 219. In: RUSCONI, Carlo. Dicionário do Grego do Novo Testamento. 3º ed. São Paulo: Paulus, 2009, p. 485 - 486.
“assassinato ou homicidio”, tomando assim a divisão maior para separar partes da
nota198.
O aparato ainda nos relata que estes símbolos (a , s ,), nos indicam duas versões: o primeiro indica a versão grega de Áquila (a ,) e o segundo (s ,) indica a versão grega de Símaco199 e o vocábulo (
hc'ÞWrM.h
), “extorsão”, é de procedência do verbo (#Wx
200),“correr ou apressar-se (Naum 2,5)”. Para o targum de Ôngelos é de procedência a
palavra (
hc'r'
), “estar satisfeito com”.Verso 18
: [ a * + ouvai. evpi. to.n a;ndra tou/ton inshZ<h; vyaih'-l[: yAh
] – Ovocábulo: a
hd"êWhy>
(Judá) nos explica a seguinte nota: O asterisco ( * ) indica leitura ou texto original201 da versão em contraste com revisões e correções tardias feitas por escribas; e nos aponta também a forma textual da versão não revisada pelas recensões posteriores (texto grego original da LXX (séc. III/I a.C.). Acrescentando assim o textoAi! Minha irmã (LXX) e foi inserido o texto massorético “Ai! sobre este homem”.
[b * O (
) a;delfe , L ku´´,rie ] – Vocábulo: b (
yxiÞa'
), “meu irmão” – Tem comoexplicação da nota o texto grego original202 da Septuaginta (LXX) do século III/I a.C (a;delfe203) - irmão e da vulgata. E também o texto grego da Septuaginta (LXX), que
segundo a recensão de Luciano de Antioquia (séc. III) utiliza a palavra “senhor,
dono204”.
[ c – c > *
] – Vocábulo: b (
hdo)ho yAhïw>
), “Ai sua majestade” - Na explicação danota conseguimos compreender que mediante o aparato crítico esta expressão omite a versão do texto grego original da Septuaginta (LXX), do século III/I a.C205.
[ d O L a;delfe ’hj ; prp
Atw'x]a;
] – Vocábulo: d (tAx+a'
), “irmãs” – Umaexplicação da nota se dá mediante o aparato a palavra é de tradição do texto grego da LXX, exceto para os manuscritos206 da recensão de Orígenes de Alexandria e exceto também para os da recensão de Luciano de Antioquia (a;delfe), “irmão”, mas é também
198 Cf. FRANCISCO, Edson de Faria, 2008, p. 65. 199 Cf. Ibid., 2008, p. 73.
200 Cf. KIRST, 2009, p. 225; Holladay, 2010, p. 478-491. 201 Cf. FRANCISCO, Edson de Faria, 2008, p. 70-76. 202 Cf. Ibid., 2008, p. 76-81.
203 Cf. RUSCONI, 2009, p. 22. 204 Cf. Ibid., 2009, p. 279. 205 Cf. Ibid., 2009, p. 64-76. 206 Cf. Ibid., 2009, p. 79.
de origem da versão Síria Peshitta do século II que segundo as versões A e W
, e de
Hipólito de Roma/Talmude Hierosolimitano do século III-V.
[e klau,sontai cf D ] – Vocábulo: e (
WdåP.s.yI-al{
), “não lamentarão” – Aexplicação da nota nos mostra o texto grego original da Septuaginta (LXX), séc. III/I a.C, (klau,sontai), “chorar, sobre alguém, luto, lamentar207”, significando conferir ou
comparar com o códice Additional 14442 (séc. VI) da Biblioteca Britânica de Londres e o Códice Wadi Natrun (séc. VII), contendo: 1Sm 1,1; 2,19; 1Sm 17,57; 20,34; 1Sm 3,1- 15; 15,28, conferir 1Sm 1,17.
[ f OL a;delfe , mr’ =
!wODa
; prp *td'a'
veldAD
] – Vocábulo: f (hdo)ho
), “sua majestade” – A explicação desta nota está mediante o aparato e a palavra é detradição do texto grego da LXX, exceto para os manuscritos da recensão de Orígenes de Alexandria e também os da recensão de Luciano de Antioquia (a;delfe), “irmão”. Por conseguinte a nota é de divisão menor usada para separar partes de uma nota “menor”208.
Logo, o aparato nos sugere em retraduzir o termo (
!wODa'
209), “senhor, dono, chefe”, nos apresentando uma tradução mais “original” da expressão, contendo umadivisão maior da nota para separa-la, e propondo de forma reconstruída a palavra (
td'a'
), ou (dAD
210), “amado, amante”.2.3.2 Massora Parva (Mp)
211A “Massora Parva” é uma expressão latina que significa “massora menor”. A mesma expressão em hebraico é (Massora qetannah, Massorá pequena) e a sua abreviatura é “Mp”. A Massora Parva é na verdade um conjunto de notas massoréticas escritas nas margens laterais das páginas dos códices e entre as colunas do texto bíblico hebraico. Tais notas podem ser observadas nos códices massoréticos da Bíblia Hebraica de tradição tiberiense.
207 Cf. RUSCONI, 2009, p. 266; In. GINGRICH, 2007, p. 117. 208 Cf. FRANCISCO, Edson de Faria, 2009, p. 64-65.
209 Cf. Holladay, 2010, p. 4. In: Kirst, 2009, p. 3. 210 Cf. Holladay., 2010, p. 95.
211 Cf. FRANCISCO, Edson de Faria. Manual da Bíblia Hebraica – Introdução ao Texto Massorético
Guia Introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 3º ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 118 – 159.
O objetivo da “Massora Parva” é observar todos os aspectos do texto bíblico hebraico, número de ocorrência, de palavras e expressões, de detalhes gramaticais, de casos de hapax legomenon, ketiv, qerê e sevirin entre outros casos.212
Contudo, em Jeremias 22,13-19 temos um total de dezesseis anotações massoréticas em sete versículos. Tais anotações massoréticas trazem as informações listadas no parágrafo anterior. Vejamos as notas da MP e sua interpretação:
Verso 13: O termo (e seu salário) apresenta uma nota na Massora
bO
indicando que a palavra ocorre duas vezes na Bíblia Hebraica, sendo uma nesta perícope e a outra em Isáias 1,31213.
Verso 14: A expressão (casa espaçosa) apresenta uma nota
lO
e esta expressão ocorre uma única vez na Bíblia Hebraica: Jr 22,14.A expressão verbal (e aposentos aqueles que são largos) apresenta uma nota (
lO
) e ocorre uma única vez na Bíblia Hebraica: Jr 22,14.A expressão verbal (e abriu) apresenta uma nota na Massora (
bO
) e ocorre duas vezes na Bíblia Hebraica: Lv 13,56 e Jr 22,14.A enunciação (janelas) apresenta uma anotação na Massora (), sendo assim a palavra ocorre uma única vez na Bíblia Hebraica, sendo acentuada com o acento disjuntivo zaqef qatan214 e vocalizada com o sinal vocálico qamets: Jr 22,14.
A palavra hebraica (em vermelhidão) apresenta uma nota na Massora (
bO
) e esta palavra ocorre duas vezes na Bíblia Hebraica: Jr 22,14 e Ez 23,14.Verso 16: A expressão verbal (julgou) expõe uma nota na Massora (
gO
) indicando que este termo ocorre três vezes na Bíblia Hebraica: Gn 15,14; Jr 22,16 e 30,13.A expressão (e aquela não / pronome feminino) o autor nos apresenta uma nota da Massora (
O
) indicando que sua ocorrência na Bíblia Hebraica é de apenas três vezes: Dt 3,11; Js 10,13 e Jr 22,16.
212 Cf. FRANCISCO, Edson de Faria., 2008, p. 118. 213 Cf. Ibid., 2008, p. 119.
Verso 17: A palavra hebraica (e para o teu coração) apresenta-nos uma nota na Massora (
hO
) indicando que sua ocorrência na Bíblia Hebraica é de apenas cinco vezes. Encontra-se nesta perícope Jr 22,17 e Jz 16,15; Pv 22,17; Pv 23,33 e Ec 5,1.O adjetivo masculino (sangue inocente) apresenta uma nota na Massora (
gO
) e esta palavra ocorre apenas três vezes na Bíblia Hebraica: Dt 19,13; 2Rs 24,4 e Jr 22,17.A expressão verbal (para derramar) expõe uma nota na Massora () indicando que este termo ocorre duas vezes como escrita pela [palavra que é escrita com o sinal vocálico holem-waw] na Bíblia Hebraica, com esta forma ortográfica {a palavra sendo escrita com holem-waw}: Jz 6,20 e Jr 22,17. Obs: Em Jz 6,20 a palavra é imperativa: derrama e em Jr 22,17 é infinitivo (para derramar).
Verso 18: A expressão verbal (por essa razão assim disse
YHWH) o autor expõe uma nota na Massora (
kO
) explicando que há apenas vinte ocorrências na Bíblia Hebraica, sendo elas: 2Rs 19,32; Is 37,33; 29,22; Jr 6,11; 11,11; 11,21; 14,15; 15,19; 18,13; 22,18; 23,38; 28,16; 29,32; 32,28; 34,17; 36,30; 51,36; Am 7,17; Mq 2,3 e Zc 1,16.A expressão (para Jeoaquim) exibe uma nota na Massora (
lO
) e esta expressão ocorre uma única vez na bíblia hebraica: Jr 22,18.A palavra hebraica (irmãs) apresenta uma nota na Massora (
lOmw gO
) a palavra ocorre três vezes na Bíblia Hebraica e tendo ortografia plena [palavra que é escrita com o sinal vocálico holem-waw]: 2Sm 13,1; Jr 22,18 e Ct 8,8.A expressão (sua majestade) tem como referência a uma nota na Massora
(), (o qerê [a forma da palavra que deve ser lida] é
Adho
(com o final holem-waw), e esta em uma das cinco ocorrências desta palavra na Bíblia Hebraica; apenas uma única vez a mesma palavra é escrita com a letra hê com este significado [com o significado de o esplendor dele]. Todavia, as cinco ocorrências dapalavra são: Jr 22,18; Os 14,7; Hb 3,3; Zc 10,3 e Sl 148,13 são também a única ocorrência da mesma palavra, mas escrita com a letra hê, é em Jr 22,18.
Verso 19: A expressão
(sepultamento) apresenta uma nota na Massora (gO
) indicando que este termo ocorre três vezes na Bíblia Hebraica: Gn 35,20; 1Sm 102 e Jr 22,19.As notas apresentadas pela Massora Parva215 nos direcionam que a perícope permite notar alguns termos que são raros na Bíblia Hebraica, incluindo uma hapax
legomenon.
Desse modo todas as dezesseis notas massoréticas da MP, sendo elas quatro: que são hapax legomenon (Jr 22, 14 {neste verso aparecem três ocorrências que apresentam uma única vez na Bíblia Hebraica}, em Jr 22,18 e a quarta ocorrência ocorre uma única vez na Bíblia Hebraica).
Por outro lado, um fato que nos chama a atenção no aparato crítico e o tópico que antecede a Massora Parva e que nos permite questionar a razão pela qual o profeta Jeremias em sua crítica social utiliza a expressão (
^l. t'ynIB'
), “construíste para ti”. Por sua vez, seria então uma afirmação de construções palacianas no reino do Sul?Todavia, tanto a Massora Parva quanto o aparato crítico utiliza vários termos tardios, o que corrobora para a datação no pré-exilio na perícope em estudo. Visto que esses termos começam a ser utilizados antes do exílio babilônico.
Enfim, as notas apresentadas pela Massora parva indicam algumas características literárias216 da crítica social dos profetas no pré-exílio, principalmente os profetas Jeremias, Habacuque, Naum e Sofonias.
2.4 CARACTERÍSTICAS FORMAIS
A análise das características formais de um texto217 é uma das bases para a análise de conteúdos. Trata-se de uma etapa fundamental para reunirmos informações a respeito de suas características literárias. Para a análise, desenvolveremos os seguintes passos: delimitação, estrutura, coesão, estilo literário e gênero literário.
215 Cf. FRANCISCO, Edson de Faria, 2008, p. 101-104.
216 Cf. YOFRE, Simian Horácio (Org). Metodologia do Antigo Testamento. 2º ed. São Paulo: Loyola,
2011, p. 15.
2.4.1. Delimitação
Assim como na literatura moderna218, pode-se observar o início e o fim de um livro (narrativa) e ou de uma perícope, isto porque algumas perícopes foram inseridas durante o processo redacional ou funcionam dentro da narrativa de contextos maiores.
Podemos entender que a delimitação219 de um texto é a peça chave (fundamental) para estabelecermos os limites iniciais e finais a fim de reconhecermos a mensagem do texto. É claro que, quando se estabelece os limites é necessário, pois observar a unidade da perícope para uma melhor compreensão do texto.
Observamos que o contexto literário de (Jr 21-24) apresenta-se como composição independente. Estes capítulos contêm palavras de ameaça contra os reis de Judá (os assuntos são os reis e os profetas) 220.
Dois subtítulos mostram a integralização feita às coleções antigas, como: Jr 21,11, “Sobre a casa dos reis de Judá”, e 23,8. Estes capítulos contêm palavras contra
diferentes reis e encerram com uma composição de ditos messiânicos (Jr 23,1-8); 23,9,
“Sobre os profetas”, abrindo assim a coleção de palavras contra os profetas em Jr 23,9-
40.
Rendtorff221 nos sugere que o capítulo de Jr 21,1-10, serve como moldura (ainda que não esteja em forma de oráculo), colocando assim o destino do último rei de Judá, Zedequias, no contexto da conquista iminente de Jerusalém 587 a.C.
Em Jr 22,1-9 temos a continuação dos oráculos222 à casa dos reis de Judá. Tomando como referência deste texto as portas (v.2), este oráculo nos remete a Jr 7,1-3. No mesmo livro, porém, no capítulo 22,10-12 acontece o relato da morte de Josias e a subida de seu filho Joacaz (
zx'äa'Ahy>
) ao trono.
218 Cf. Ibid., 2011, p. 79.
219 Delimitação: A delimitação de textos torna-se necessária para saber qual é a mensagem de um texto.
Em oráculos proféticos de condenação jamais tivessem fundamento, poder-se-ia pensar que a condenação é mero capricho divino, e que, sendo assim, a imagem de Deus que têm os profetas é simplesmente inaceitável.
220 Cf. SCHWANTES, Milton. Grito violência e opressão (Jr 20, 7-18). São Paulo: UMESP, 2011, p.4. 221 Cf. RENDTORFF, Rolf. Antigo Testamento – Uma Introdução. Santo André: Academia Cristã, 2009,
p.293.
222 Cf. ALONSO SCHÖKEL, Luis e SICRE DIAZ, José Luis. Isáias e Jeremias – Profetas I Grande
Em seguida em Jr 22,13, inicia-se um novo oráculo223 contendo a primeira
crítica social a um rei de Judá (Jeoaquim) com a expressão
qd<c,ê-al{B.( ‘Atybe hn<ÜBo yAhå
“Ai daquele que constrói a sua casa sem justiça”. No início do verso (v.13) podemos observar uma crítica contendo “ameaça” contra o rei. Há uma interrupção com o que foi dito anteriormente e trata-se de um novo momento (o início de nova perícope).
A expressão
yAhå
(hoy, ai!), no verso 13, indica uma mudança de tempo (a crítica social e o grito contra o rei Jeoaquim) com o conteúdo da ameaça, e isto evidencia que a culpa, saiu um tanto quanto extensa: “v. 13-14, 15-16, 17, 18-19”.Obviamente que na crítica social está presente a prática da justiça
qd<c,,
(tsedeq). O rei não cumpria esta prática na sociedade de Judá. Desta forma, após Jeremias desmoralizar a atividade de construção junto ao palácio (casa) como antissocial (v.13), o profeta continuava descrevendo a ambição que este rei tinha em relação ao luxo (v.14).De um modo geral, os exegetas concordam com essa delimitação. Duhm224, Dias225, Westermann226, Schwantes227 e Sicre228, por exemplo, assumem-na. Os biblistas enfatizam o uso da expressão
yAhå
(hoy, “ai!”) “ameaça” e “denúncia” marca inicio e fim da crítica social, caracterizando a continuidade e descontinuidade da perícope anterior (22,10-12), e esta continuidade estão diretamente relacionadas com o texto anterior, principalmente devido o uso da expressãohw"hy>û-rm;a'( hkoå yKiä
“Eis! Assim disse YHWH” (v.6,11); e descontinuidade, pois há uma mudança de assunto e de linguagem.Em relação ao encerramento da perícope no v.19, os autores enfatizam a repetição da expressão hebraica no v.18
yAhå
(hoy, “ai!”), mas com outra conotação, a de lamento fúnebre.Sendo assim, em Jr. 22,20, inicia-se uma nova perícope com uma mudança de assunto. Porém, ainda que tenha mudança na temática a partir do v.20, para Diaz229 o
223 Neste verso 13, levanta-se a hipótese que o dito tenha sido dirigido aos destinatários olho no olho... in:
(WESTERMANN, Claus, 1980, p.90-91).
224 Duhm, 1901, p.174-179. 225 Diaz, 1988, p.535-537. 226 Westermann, 1980, p.93-94. 227 Schwantes, 2013, p.141-144.
228 SICRE, José Luiz Diaz, 2011, p.460-471.
229 ALONSO SCHÖKEL, Luis e SICRE DIAZ, José Luis. L. Isaías e Jeremias – Profetas I. São Paulo:
oráculo de 22,20-23 pode ser lido como uma continuação ou variação do oráculo anterior contra Jerusalém (21,13).
Contudo, está evidente que a partir de 22,20 temos uma mudança de linguagem e de conteúdo. Os temas centrais da perícope (22,20-23) são: o Líbano, os cedros e os amantes.
Harrison230 e House231 seguem a mesma delimitação dos outros autores acima citados, com o enquadramento da perícope como uma das subunidades literárias do bloco 21-24, a saber, 22,13-19.
Assumimos, portanto, a proposta de Duhm, Westermann, Sicre e Schwantes para a delimitação da perícope, tendo como ponto fundamental a expressão hebraica
yAhå
(hoy, “ai!”) “ameaça e denuncia” no v.13; e sua repetição no v.18yAhå
(hoy, “ai!”), ainda que aqui denote um lamento fúnebre.Subtende-se que o texto de Jr 22,13-19 está bem delimitado e literariamente conectado com as perícopes ao seu redor, mostrando que forma um todo com a unidade maior (Jr 21-24). Esta unidade de sentido, delimitada de 22,13-19, apresenta repetições de vários termos e sinônimos que mantém coesa a perícope.
Na expressão hebraica
yAhå
(hoy, “ai!”) “ameaça”, “denuncia” e “lamentação”, (vv.13-18), notamos cinco ocorrências, e elas não indicam duas críticas sociais diferentes, mas ressaltam a relevância das palavras proferidas. Isso se deve aos conteúdos decorrentes da crítica socialyAhå
(hoy, “ai!”) “daquele que edifica a sua casa sem justiça”.Os versículos 13a-14 tratam de acusação do profeta em apontar que o rei estava tratando os trabalhadores como escravos particulares,
~N"ëxi dboå[]y:
“trabalham sem pagamento”.Em seguida os versículos 15-16, apresentam uma inserção feita pelos deuteronomistas, e segundo Westermann232, para deturpar totalmente a crítica social de Jeremias, mas, mesmo assim existem algumas palavras que dão sentido à crítica de
230 Cf. HARRISON, K. R. Jeremiah and Lamentations, an Introduction and Commentarary. Londres:
Tyndale, 1990, p.92.
231 Cf. HOUSE, Paul R. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida, 2005, p.398. 232 WESTERMANN., 1980, p.94
Jeremias, como por exemplo:
%l{êm.ti(h]
“reinarás”;hr<äx]t;m
“competes”;ht'ªv'w> lk;äa'
aAlôh] ^ybiøa'
“teu pai não comeu e bebeu”;ynIï['-!yDI !D"±
“julgou o julgamento do oprimido/pobre” (as cinco ocorrências que resulta na crítica socialyAh
nos vv.13-18), ainda que a primeira resulte em ameaça e a última em lamento, ambas ressaltam a crítica social, porém, cada uma em um aspecto.Neste sentido, o fio condutor da perícope é a crítica social (22,13-19). Para isso temos no v.13a