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Capítulo III A ESTRUTURA HISTÓRICA E SOCIOLÓGICA DA CRITICA

3.2 O direito e a justiça no Israel Antigo e Monárquico

3.2.2 A justiça retributiva em Israel

A prática da justiça retributiva está presente no Antigo Testamento, assim como no ambiente religioso do mundo antigo. Além disso, não há dúvida de que o termo justiça, tal como é usado no mundo contemporâneo, geralmente refere-se à justiça retributiva, como ao zelo generalizado difundido pela “lei e pela ordem”.

Contudo, tanto a justiça distributiva como a retributiva podem ser encontradas nos textos relacionados à Israel. Em qualquer caso, o que parece é que não existe ambiguidade alguma. Portanto, os textos israelitas fundamentais estão relacionados com a revolução mosaica. Porém, no javismo encontramos a prática da justiça distributiva e do direito.

Além disso, na crítica social de Jeremias, o rei (

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) Jeoaquim está totalmente contra a prática da justiça distributiva em Israel, dentro desta perspectiva o monarca tem o dever de beneficiar o que está sendo necessitado e cumprir o direito (

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) e a justiça (

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) na sociedade de Judá. A população tem os seus devidos direitos como cidadãos, e principalmente o povo que ele está responsável.

Sendo assim, percebemos que as palavras hebraicas justiça (

qd,c,

) e direito (

jP'v.mi

), apresentam diversos significados como justiça, retidão, bom comportamento, lealdade, integridade e caridade. Na análise semântica do capítulo anterior pôde-se notar que o rei Jeoaquim está desassociado a todos os significados que nos apresentam acima. Isto obviamente não é bom para um rei, porque quando um rei não cumpre a justiça e o direito este rei está contra YHWH (o Deus que instituiu tais leis na sociedade israelita)470.

Em geral, os intérpretes do Antigo Testamento sempre procuravam a precisão em sua formulação do texto, e certamente serão percebidos em termos de uma justiça que é menos difícil e exigente, é claro, principalmente com aqueles que possuíam o poder, a propriedade e o bem-estar de forma desumana471. Marx nos relata que a prática da justiça para aqueles que estão no poder não é cobrada, na verdade, aqueles que estão no poder utilizam da argumentação de fazer justiça, para oprimir e extorquir a população em troca de trabalho escravo (Jr 22,13-14; 15-16; 17)472.

É importante não conceber o compromisso de YHWH com a justiça distributiva como algo romântico, mesmo que se encontre no centro do testemunho israelita acerca do vosso Deus. No Antigo Testamento, nem todos por todas as partes estão entusiasmados com o tema da justiça distributiva. A justiça distributiva é tomada a sério com a prática do Jubileu473 e é intrinsecamente desestabilizadora do statu quo, uma vez que significa colocar em perigo os interesses adquiridos.

Não é surpresa que aqueles que se beneficiam do status quo, são privilegiados pela estrutura política, econômica e legal no mundo antigo, na verdade é o centro das atenções, porém, estão contra YHWH e suas leis. Acreditamos que a manutenção da "ordem", isto é, da ordem na sociedade de Judá, seja uma função fundamental de

470 Cf. MAIA, Maria. O exercício da justiça e a prática da religião em Israel. (Dissertação de Mestrado).

Universidade Católica de Pernambuco. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião. Recife: 2008, p. 95.

471 Cf. MIRANDA, P. José. Marx y La Bíblia – Crítica a La Filosofia de la opresión. Salamanca:

Ediciones Sígueme, 1972, p. 156-160.

472 Ibid., 1972., p. 161-162.

473Cf. USSHER, James. The Annals of the World. O jubileu, na Torá, é o ano seguinte a uma "semana de semanas" de anos. Assim como o sábado é o descanso semanal das pessoas e dos animais, a terra também tem o seu sábado: seis anos são para a semeadura, mas o sétimo ano é de descanso. Após sete períodos de sete anos, o quinquagésimo ano é santificado - este é o ano do jubileu.

YHWH, é provável que este interesse social se reflita nas tradições da Sabedoria e de Provérbios.

Parece plausível compreender as restrições conhecidas pelos profetas primitivos contra os excessos em tensão com as tradições reais, as quais parecem justificar o acúmulo de ganhos de capital, e isto é o que encontramos no reinado de Jeoaquim (609- 598 a.C), através da opressão ele acumula o capital para construir o seu palácio (Jr 22,13-14) 474 e se beneficia da opressão contra o inocente (

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)475.

Portanto, por sua vez, a sociedade israelita como qualquer outra sociedade, estava profundamente sobrecarregada pela opressão (

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) constante de Jeoaquim, entre os que têm como (o rei), que vivia tranquilamente, porém, os que não tinham absolutamente nada (o pobre e necessitado) que viviam sobre extorsão (

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)476 diariamente pelo rei Jeoaquim.

No entanto, um estudo aprofundado da temática da justiça no Antigo Testamento tem reconhecimento com o realismo social, que tanto os defensores da justiça distributiva como os de ordem estão presentes e se manifestam na comunidade. Ambos revindicam em seu depoimento teológico que YHWH os apoia477.

Dificilmente pode-se duvidar que os seguidores da justiça distributiva ocupam uma posição central no testemunho teológico de Israel, de maneira que, o javismo canônico e a justiça distributiva são certamente uma recomendação fundamental.

Por sua vez, reconhecendo que tanto a justiça e a ordem estão presentes no texto como afirmações teológicas, pode sugerir que há grande risco de um compromisso geral sobre o testemunho de Israel com a justiça como um programa essencial de YHWH.

No entanto, é importante fazer o julgamento quando a tradição israelita se coloca junto com as grandes tradições clássicas da filosofia grega, a justiça é claramente uma preocupação judia e javista. Portanto, enquanto muitos gregos estabelecem incessantemente a ordem478 o rei Jeoaquim estabelece a desordem.

474 Cf. MIRANDA, 1972., p. 165-167.

475 Cf. HOLLADAY, L. William. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida

Nova, 2010, p. 347.

476 Cf. HOLLADAY, L. William. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida

Nova, 2010, p. 304.

477 Cf. BRUEGGEMANN, Walter. Teologia Del Antiguo Testamento – Um juicio a Yahvé. Testimonio,

Disputa e Defesa. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2007, p. 775.

Nenhum conceito filosófico na verdade (na tradição grega) é javista pela justiça distributiva, e antecipa que a presente ordem social é colocada em ameaça, isto se dá por uma ordem justa que promete viver em benefício de todos os membros da comunidade de Judá. Assim, o recurso à ordem nos textos dos reis de Judá e da sabedoria de Israel não deve ser exagerada, pois quando contrastada com os textos gregos sobre a temática da justiça e de tradição israelita é considerada estranha quanto insistente neste ponto479.

Dessa maneira, há algo revolucionário, transformador e subversivo em relação ao testemunho de Israel. Sem dúvida, como afirma Gottwald480, grande parte desta inclinação tem um impulso e caráter sociológico. Por sua vez, ele também reconhece a posição sociológica que na qual possui um contraponto teológico, e Israel não tem nenhum problema, em última instância, na hora de situar o fundamento desta posição da justiça revolucionária em caráter de YHWH481.

É de fundamental importância para Israel a justiça, pois ela está enraizada na própria natureza de YHWH, com isso podemos advertir uma nota peculiar da franqueza de Israel e sua relação com YHWH. É indiscutível que as narrativas e os cânticos

celebrem a justiça de YHWH, porém, nestas narrativas é afirmado que YHWH “ama a

justiça” (Salmos 99,4; Isaías 61,8).

Pode-se dizer que, está afirmação não é contestada por ninguém, isto porque Israel depende muito de YHWH, mas não quer compromisso com ele. No entanto, Israel é realista e honesto sobre a situação de sua vida. Eles sabem muito bem que a vida não é exatamente como se cumprisse a justiça e a vontade soberana de YHWH. Esse realismo e esta franqueza que evocam em Israel, no que foi finalmente chamado de teodicéia482.

Por isso devemos classificar o que este tema justiça significa em Israel, na tradição filosófica da teodicéia desde Crenshaw483 e esta também entendida como uma empresa explicativa onde busca justificar os caminhos de YHWH com o homem

(humanidade).

479 Cf. FRYE, N. The Critical Path: Na Essay on the social contexto f literary cristicism. Bloomington:

1971, p. 334-337.

480 Cf. GOTTWALD, Norman K. As Tribos de YAHWEH – Uma Sociologia da Religião de Israel liberto

(1250-1050 a.C). 2º ed. São Paulo: Paulus, 2004, p. 596-607.

481 Ibid., 2004., 608. 482 Ibid., 2004., 609-613.

Como percebemos em Israel o que é chamado de teodicéia não há explicação, mas sim protesto. Ao reconhecer que o mundo é injusto, Israel não tem interesse em discutir ou justificar desculpas para exonerar a YHWH ou protegê-lo de críticas por não conseguir endireitar o mundo. Ao invés disso, Israel se apresenta a si mesmo, nos textos da teodicéia como o grande advogado e o defensor da justiça, por esse motivo há descrença na justiça de YHWH484.

De fato que os textos mais óbvios sobre esta temática são: (Jr 12,1-3; Jo 21,7), Israel expressa sua irritação com YHWH, considerando que esta atitude é apresentada também nos textos de salmos de lamentação e no poema de Jó. Assim, YHWH é atacado por não praticar o direito e a justiça com aqueles que estão comprometidos explicitamente por meio de juramento485.

Neste ponto Israel faz a distinção entre YHWH e a realidade da justiça, mesmo que esperássemos que YHWH fosse o último e a justiça à penúltima, em algumas das manifestações mais desesperadas de Israel a questão é invertida e o que vemos é a justiça apresentada como a última e YHWH como o agente da justiça que é criticado pelo fracasso.

Ou seja, Israel está ciente de que em YHWH há algo mais do que a justiça, o que há é a santidade e simplesmente uma irritabilidade sensivelmente caprichosa. Certas vezes Israel está maravilhado e mostra diferença a essa incrível irrevogabilidade de YHWH486.

Por outro lado, nos textos de protesto Israel não tem tempo e não mostra nenhum interesse por está dimensão anárquica e irresponsável de YHWH. O fato é que Israel parece valorizar mais a justiça do que o próprio YHWH.

Israel não está preparado em mostrar legalidade, mas, comprometido com o bem-estar material e concreto. Sendo assim, o próprio caráter de YHWH fará Israel desistir da sua posição de bem-estar na terra. Assim, YHWH no céu deve cumprir com o seu programa de xalom na terra.

484 Cf. BRUEGGEMANN, Walter. Teologia Del Antiguo Testamento – Um juicio a Yahvé. Testimonio,

Disputa e Defesa. Salamanca: Ediciones Sígueme, 2007, p. 777.

485 Ibid., 1983., p. 124-125. 486 Ibid., 2007., p. 778.

Inclusive esta curiosa inversão sobre a justiça tem soado com estranheza e foi interpretado por Derrida487, este autor é conhecido principalmente como o “pai da

desconstrução da justiça” relacionada à YHWH. Este tema é definido suficientemente na crítica profética dos profetas no século VIII ao VI a.C.

É claro que a desconstrução de Derrida488 constitui o direito e a justiça como uma iconoclastia israelita. Por esta razão, o autor define uma posição pela “indesconstrutibilidade da justiça”.

Não se trata simplesmente de uma verdade trivial, a justiça se trata de uma verdade tipicamente israelita. E com esta formulação o autor apela novamente ao núcleo da revolução mosaica, que, no final voltam-se novamente as questões da justiça relacionadas à YHWH489.

Nesta perspectiva, quando usamos o termo verdade na justiça logo entendemos que esta afirmação inclui muitos componentes a favor de determinados interesses sociais, e em relação ao testemunho do Antigo Testamento, o tema da justiça está relacionado com aqueles que estão sofrendo injustiça pelos (reis) que estão no poder (como Jeoaquim).

Ao mesmo tempo, não cabe duvidar-nos que nenhum desses componentes o incomoda ou afeta a afirmação fundamental feita em relação à YHWH e ao futuro da terra e principalmente do povo de Judá.

Por outro lado, a justiça e o direito em nosso texto em primeiro lugar no (v.13) refere-se negativamente ao governo opressor de Jeoaquim e em segundo lugar no (v.15) refere-se a uma crítica que Jeremias faz a Josias, esta crítica refere-se diretamente ao rei, porque o mesmo não se preocupava com o âmbito social, a sua preocupação esta voltada para a sua própria reforma religiosa.

Sendo assim, para termos uma ideia mais completa da extensão do significado destas palavras (

jP'v.mi

) direito e (

qd,c,

) justiça, precisamos dramatizar. O direito é a

487 Cf. DERRIDA, J. Fuerza de la ley. El fundamento místico de la autoridade en Israel. 4º ed. Madrid:

1997, p. 36.

488 Ibid., 1997., p. 37. 489 Ibid., 1997., p. 38.

justiça comum, ele é decorrente do julgamento que é realizado no tribunal composto por seres humanos. Quanto à justiça, é a luta que se equipara a ação divina490.

Por fim, para o rei, o exercício da justiça e do direito não se restringe apenas ao poder judicial. Em Israel ou em Judá, como em todas as monarquias orientais, não existe separação entre poder legislativo, executivo e judicial, o que acontece é que o rei governa e julga indistintamente, entende-se que “governar” significava construir uma sociedade segundo a justiça, garantindo a plenitude da vida ao seu povo, e é justamente isto que o rei Jeoaquim (

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), não está fazendo para o bem-estar da população de Judá, que era de praticar a justiça e o direito.