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Capítulo III A ESTRUTURA HISTÓRICA E SOCIOLÓGICA DA CRITICA

3.3 A justiça social no Antigo Testamento

Por isso podemos compreender que a temática da justiça social é de suma importância para entendermos melhor o ambiente da crítica social em Jeremias. Porém, o reino da justiça constitui um dos objetos essenciais de todos os sistemas morais que atingiram certo grau de evolução. Esta observação de ordem geral aplica-se especialmente ao judaísmo, que como sabemos, atribui importância primordial a justiça social491.

É necessário esclarecer que na época dos profetas como Jeremias, o problema da justiça social veio à tona com vigor e cuidado, representando a prefiguração do que viria a ser na continuidade da história do povo judeu492. Os profetas não paravam de exigir com veemência a obediência aos mandamentos da caridade e de luta social em favor dos

pobres (

!Ayb.a,

)493, e erguiam-se com energia contra os ricos e poderosos.

Todavia, ninguém dentre eles fez campeão de ideal democrático. Conforme o povo pensava logo eles tinham a necessidade de serem guiados, e o que em primeiro lugar levavam em conta eram as qualidades do guia. Contudo, nenhum deles invocou o direito da revolta das massas oprimidas pelos poderosos494.

490 Cf. SIQUEIRA, Tércio Machado. Conhecer a Deus é praticar a justiça (Jr 22,13-19). Estudos

Bíblicos, nº 14, Petrópolis: Vozes, 1987, p. 15.

491 Cf. EPSZTEIN, Léon. A justiça social no antigo oriente médio e o povo da Bíblia. São Paulo:

Paulinas, 1990, p. 12.

492 Ibid., 1990., p. 13.

493 Cf. HOLLADAY, L. William. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida

Nova, 2010, p. 2.

Os profetas denunciavam veementes as injustiças sociais (como Jeremias), denunciavam a escravidão por causa de dividas, denunciavam os abusos e opressões por parte dos monarcas e as prescrições destinadas a proteger o pobre e necessitado era porque tais atos constituía uma ruptura da aliança com YHWH.

Sendo assim, não convém esquecer de que se porventura os profetas não fazem política, suas exigências referem-se aos domínios sociais, políticos e econômicos, quanto os da religião495. O tema da justiça social de Jeremias esta focado na ordem interna de Judá, que era corrupta e que seria destruída totalmente pela Neobabilônia. A liderança (rei Jeoaquim) precisava se arrepender e praticar a justiça social e que durante muito tempo havia sido violada496.

Dentro desta perspectiva, os profetas nunca se preocupavam com o “sentido” do mundo e da vida. Porém, seu horizonte limita-se estritamente a este mundo. Aos insucessos e desgraças do presente, eles opõem a esperança do futuro, quando o povo e seus dirigentes se voltarem para a prática da justiça social em Israel.

No entanto, Israel deveria ser governado nos parâmetros da justiça. Mas, em relação ao rei Jeoaquim (609-598 a.C), isto nunca aconteceu. A promessa dos profetas diz respeito ao porvir político terrestre e não a vida transcendente497.

Os profetas hebreus tiveram seus predecessores, eles não foram criados em bloco, são herdeiros de uma longa tradição e trazem a marca de seus antepassados. Mas se os primeiros profetas proclamavam acima de tudo a onipotência de YHWH e postulavam às exigências culturais, seus sucessores (como Jeremias) insistiam especialmente no fato de que a verdadeira justiça social com YHWH deve traduzir por atos como: denuncia aos monarcas, degradação social, exploração ao pobre, condenação contra o sistema e pelos funcionários injustiçados498.

O profeta Jeremias pode ser considerado como um reformador social, porque ele protestou com veemência contra os abusos e as injustiças do rei Jeoaquim em Judá. Podemos assim afirmar que Jeremias possuía uma concepção unitária dos fatos sociais e procurava a síntese da ética entre os monarcas, em especial Jeoaquim.

495 Cf. CERESKO, Anthony R. Introdução ao Antigo Testamento; numa perspectiva libertadora. São

Paulo: Paulus, 1996, p. 14.

496 Cf. GOTTWALD, Norman K. Introdução Socioliterária à Bíblia Hebraica. São Paulo: Paulinas,

1988, p. 372-372.

497 Cf. . EPSZTEIN, Léon. A justiça social no antigo oriente médio e o povo da Bíblia. São Paulo:

Paulinas, 1990, p. 77-78.

É evidente que para Jeremias o social em sua mensagem não é apenas um epifenômeno499 da moral, os crimes sociais segundo o profeta se tornam também como

pecados religiosos. A época na qual vivia era um momento de crise política e econômica. Contudo, as críticas de Jeremias focalizam a injustiça social500.

Alguns profetas como Jeremias, Sofonias e Habacuque, pertenciam ao último terço do século VII a.C. e estavam de frente com as injustiças sociais praticadas pelos monarcas. Eles insurgem com veemência contra o que passa em volta deles, e a justiça é o principal remédio que preconiza.

Conseguimos analisar suas indagações tendo uma pequena mostra como, por exemplo, o profeta Sofonias que condena a corrupção em Jerusalém. Habacuque que se lamentava pela opressão do fraco pelo forte, e da violação do direito501. E Jeremias que foi o primeiro profeta que criticou um rei de Judá, que oprimia o pobre e o necessitado. Nesse contexto, o profeta Jeremias denunciou os desmandos sociais, econômicos e políticos, vigentes no reinado de Jeoaquim, o período do seu reinado era caracterizado por uma instabilidade na condição política de Judá.

É notório que o conteúdo de denuncia da justiça social na mensagem de Jeremias é plausível, o profeta em sua crítica social apresenta uma síntese da situação reinante em seu tempo como: exploração contra os trabalhadores, injustiça, sangue inocente derramado, opressão, extorsão e desrespeito com a sociedade de Judá.

Esses termos descrevem uma situação marcada pelas relações desiguais, onde pessoas e um rei déspota governam, através da dominação e da exploração, frequentemente estes termos são usados para descrever uma situação marcada por profunda injustiça e opressão de ordem social502.

No entanto, por sua vez, a justiça social no contexto do Antigo Testamento, pode ser definida como a atitude de garantir a cada pessoa aquilo que lhe é devido por lei (no caso do Antigo Testamento, os direitos que a Torah confere aos israelitas, tais como: direito à propriedade, à liberdade e etc.), velando em particular pelos fracos, ou seja, por

499 Fenômeno que é um subproduto ocasional de outro, sobre o qual não exerce qualquer influência, e do

qual é dependente.

500 Cf. . EPSZTEIN, 1990., p. 113-114. 501 Ibid., 1990., p. 120-121.

502 BUCK, F. La sagrada escritura: texto y comentário “Antigo Testamento”. (Vol. 6). Madrid:

aqueles que não têm voz ativa. O que contraria esse princípio é caracterizado como injustiça social503.

A mensagem de Jeremias deixa transparecer a situação econômica em Judá, enquanto isso o monarca dominante (Jeoaquim) espolia o pobre (

!Ayb.a,

) e oprimia as pessoas mais carentes da população, os necessitados.

Como mencionado anteriormente, os próprios termos utilizados para descrever a situação presente “opressão e extorsão” são fortes indícios que apontam para uma situação de jugo, de exploração e de opressão interna, por Jeoaquim e seus súditos504.

No entanto, a sociedade dessa época é caracteristicamente agrária, pois esse é o contexto socioeconômico que marcou e foi instaurada na nação de Israel a partir da conquista de Canaã, se consolidou definitivamente com o surgimento e a consolidação do regime monárquico.

Vejamos que, os problemas de opressão e de extorsão, é primariamente o reflexo de uma administração preocupada com a elite em detrimento da população que vive diariamente oprimida pelo rei505.

Por outro lado, a presença de uma classe dominadora e de outra classe dos dominados (explorados) pode ser claramente notada em nossa perícope (Jr 22,13-19)506, onde o profeta registra uma série de “ai” (

yAhå

) contra o dominador.

Ademais, a alusão ao rei Jeoaquim507 que há no texto de Jeremias pode ser um indício do contexto cultural da época. Porém, como citado anteriormente, os “ai” (

yAhå

) são parte do conteúdo de denúncia profética contra o monarca opressor.

Portanto é perfeitamente aceitável a afirmação de que a crítica social de Jeremias demonstra, ainda que de forma indireta, a situação de insatisfação geral em que se encontraram os oprimidos na sociedade de sua época508.

A narrativa de Jeremias faz clara alusão à repressão jurídica. O direito e a

justiça, que deveriam estar disponíveis a todo o povo, encontram-se a serviço do rei

503 Cf. SANTOS, Jeová Rodrigues dos. Justiça e realidade social no livro de Habacuque: A fidelidade do

justo frente à injustiça social. (Dissertação de Mestrado). Universidade Católica de Goiás. Departamento

de Filosofia e Teologia. Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Goiânia, 2009, p. 116.

504 Cf. SICRE, José Luiz Diaz. Profetismo em Israel: O profeta, Os profetas, A mensagem. 3º ed.

Petrópolis: Vozes, 2008, p. 162-164.

505 Ibid., 2009., 119.

506 Cf. BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. 7º ed. São Paulo: Perspectiva, 2011, p.

257-258.

507 Cf. GUNNEWEG, J. H. Antonius. História de Israel. São Paulo: Teológica/Loyola, 2005, p. 198. 508 Cf. WILSON, Robert R. Profecia e Sociedade no Antigo Israel. 2º ed. São Paulo: Targumim/Paulus,

dominador, ou seja, o monarca e a elite ligada ao palácio. O profeta, diante desse contexto, torna-se a porta voz do povo explorado diante de YHWH509.

Logo, os interesses defendidos na crítica social de Jeremias, referiam-se à busca do direito e do exercício da justiça social em favor dos pobres e marginalizados. O conflito central da mensagem profética trata da injustiça social caracterizada pela opressão e pela extorsão que o monarca (Jeoaquim) castigava o próximo, e também a grande maioria oprimida que estava no centro da sociedade de Judá510.

Por fim, os conflitos podiam ser vistos a partir dos mecanismos de opressão usados pelo monarca (Jeoaquim), tais como: a cobrança de tributos abusivos e o trabalho forçado, YHWH estava do lado do trabalhador que neste contexto é o necessitado, o pobre, o oprimido, o injustiçado e o espoliado. Assim, é com a classe oprimida que YHWH se identificava, e é para ela e a partir dela que Ele manifestava a sua compaixão e implantava a sua justiça511.