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APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NA INGLATERRA

Forçoso reconhecer que o modelo de justiça restaurativa é fato e, em que pese não haver muitos dados que realmente comprovem sua eficácia, é certo que a maioria dos países já adota e buscam, por intermédio de seus procedimentos, a solução dos litígios, tanto na órbita cível como no plano penal. Assim, a Inglaterra vem se posicionando em decorrência do aumento da criminalidade e das possibilidades de reação social frente aos novos modelos de pacificação social. Em julho de 2002, autoridades inglesas assumiram que:

As prisões podem cumprir um papel importante na punição de infratores e na proteção do público, mas é um recurso muito caro que deve ser empregado com foco nos perigosos e seriamente contumazes infratores. É imperativo que tenhamos um sistema correcional que puna, mas que também reduza as taxas de reincidência através da reabilitação do infrator e de sua reintegração à comunidade.60

Portanto, se curvam ao entendimento de que novos modelos têm que estar presentes. Daí a necessidade de se evitar a reincidência e reintegrar o agente efetivamente, visando reduzir a criminalidade, seja territorial como extraterritorial.

Os dados do encarceramento na Inglaterra revelam que o modelo retributivo aplicado não atende ao escopo social e penal. E, outros países, tais como Alemanha, Canadá, por perceberem que o modelo atual não corresponde à realidade social e punitiva, se curvaram igualmente às novas possibilidades de composição.

A Alemanha reduziu sua massa carcerária, o que não reduziu sua dinâmica criminógena. São as políticas criminais e sociais que apontam para as novas alternativas para a grande maioria dos delitos.

O Canadá reconhece o modelo restaurativo e o aplica. Isso tem gerado, substancialmente, dados positivos, pois a população o aderiu e reconhece esse novo modelo de composição social como mecanismo de pacificação.

60 UNITED KINGDON. Criminal justice system. Justice for all. London: Criminal Justice System,

2002. Disponível em:

<http://www.cjsonline.gov.uk/downloads/application/pdf/CJS%20White%20Paper%20- %20Justice%20For%20All.pdf>. Acesso em: 10 set. 2009.

Para as autoridades inglesas, a Justiça Restaurativa apresenta-se como mais um mecanismo de combate à criminalidade. Resta consignar que, embora não tenham pesquisas ainda consideráveis e dados que revelem os fatores que elevam a criminalidade, alguns dados, tais como escolaridade e desestabilização social e familiar demonstram que, na Inglaterra, os fatores estão aliados seguramente aspectos sociais.61

A respeito de tal colocação, é imperioso apresentarmos dados que revelam o perfil da população carcerária na Inglaterra e no País de Gales, os quais revelam que a maioria dos crimes comuns estão vinculados a pessoas de baixa escolaridade e baixa renda, diferentemente dos agentes dos crimes econômicos, que, em sua grande maioria, são pessoas que se valem do seu poder aquisitivo, do cargo que ocupam e/ou das informações privilegiadas que têm.

Dados extraídos do Justice for All informam que 65% dos presos estão em um nível de operações matemáticas igual ou inferior ao de uma criança de 11 anos, contra 23% dos cidadãos em liberdade;62

Para o estágio de leitura, 48% dos presos estão naquele nível, contra uma média de 21% na população;

52% por cento dos homens presos e 72% por cento das mulheres presas não possuem qualquer qualificação profissional, contra 15% por cento da população que enfrenta o mesmo problema;

32% por cento dos condenados à prisão eram moradores de rua e 67% por cento estavam desempregados antes de serem presos (para um índice de 5% por cento de desemprego no conjunto da população);

Cerca de 70 % por cento dos presos sofre de algum tipo de transtorno mental (na população esta taxa é de 5% para homens e 2% por cento para mulheres);

Mais de 50% por cento das mulheres presas foram vítimas de violência doméstica (o dobro da taxa para o conjunto das mulheres nos dois países);

61 UNITED KINGDON. Criminal Justice System. Restorative justice: the g

overnment‟s strategy. London: Criminal Justice System, 2003. Disponível em: <http://www.homeoffice.gov.uk/documents/rj- strategy-consult.pdf?view=Binary>. Acesso em: 11 set. 2009.

62 UNITED KINGDON. Criminal Justice System. Justice for all. London: Criminal Justice System,

2002. Disponível em:

<http://www.cjsonline.gov.uk/downloads/application/pdf/CJS%20White%20Paper%20- %20Justice%20For%20All.pdf>. Acesso em: 10 set. 2009.

Pelo menos 1/3 das presas sofreram abuso sexual e 38% por cento delas consumiam álcool de forma abusiva antes da prisão.

Portanto, são fatores que marcam o condenado comum e nos apontam que os criminosos de colarinho branco são agentes de características diferenciadas por sua própria natureza. Ou seja, passam longe do perfil do indivíduo comum o que obviamente, não o exclui da rotulação da lei.

Os crimes econômicos marcam o final do século XX e, certamente será o incômodo do século XXI. O advento da globalização e sua repercussão nas relações comerciais ampliadas, os capitais sendo transferidos com a velocidade da internet, seguramente fazem com que as relações se fragilizem e abram fendas para novos tipos de crimes do colarinho branco.

O poder hegemônico da globalização e sua consequente sedução facilitaram as relações e, por conseguinte, trouxeram fragilidade para as nações em vista das relações efêmeras e superficiais e, muitas vezes, em face da volatilidade dos capitais.

Eugenio Raul Zaffaroni definiu como “poder planetário” os efeitos da globalização, como forma de poder e pensamento único existente, como discurso de legitimação de uma nova ordem internacional, de um novo modelo social. Pós- moderno e contemporâneo, apresenta-se numa relação de um poder geral e outro particular:

El fenómeno general es la globalización. Pero globalización es una expressión ambigua, porque se emplea tanto para designar el hecho de poder mismo como también la ideologia que pretende lagitimarlo. Es indispensable no confundir ambos conceptos y, por ello, preferimos illamar globalización al hecho de poder en sí mismo, y denominar fundamentalismo de mercado o pensamiento únicoa la ideologia legitimante. En este entendimiento, la globalización no es un discurso, sino nada menos que un nuevo momento de poder planetario. Se trata de una realidad de poder que ilegó y que, como las anteriores, no es reversible. La revolución mercantil y el colonialismo (siglos XV y XVI), la revolución industrial y el neocolonialismo (siglos XVIII y XIX) y la revolución teconológica y la globalización (siglo XX), son tres momentos de poder planetario.63

No Brasil, não há dados que revelem a relação escolaridade e crime. No entanto, no ano de 1997, foi realizada uma pesquisa no Complexo Penitenciário da Papuda, em que se identificou que três, entre quatro presos, não concluíram o

63 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda de legitimidade do sistema

penal. Tradução por Vânia Romano Pedrosa; Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro: Revan, 1991.

primeiro grau e que apenas 7% deles tinham alcançado o nível médio ou mais. E a reincidência é fato.64

Em artigo publicado por Ary Gláucio Soares, no Correio Braziliense, enfatiza- se que:

Os jovens com baixa escolaridade são também o agrupamento onde mais se concentram as taxas de vitimização por homicídio no Brasil, uma curva que, entretanto, cai muito acentuadamente para aqueles que terminam o Ensino Fundamental (1ª a 8ª série). Assim, enquanto nos EUA os efeitos de prevenção parecem se afirmar com mais nitidez a partir da formatura no 2º grau, no Brasil eles já se fazem sentir com muito destaque entre os que conseguem terminar o ciclo básico de estudos: Os pontos de inflexão da relação entre educação e crime não são fixos e sim contexto-dependentes. O crime e a violência respondem mais ao lugar que cada nível educacional ocupa no sistema social e menos ao nível absoluto de desenvolvimento cognitivo médio de cada ciclo.65

Destarte, os dados quanto à escolaridade e ao grupo social são fatores que revelam a necessidade de um modelo que atenda não só o aspecto punitivo como o aspecto social. O modelo restaurativo aplicado na Inglaterra guarda quase as mesmas características do modelo da Nova Zelândia, apenas com algumas singularidades em face de seus aspectos sociais, morais, legais e jurídicos.

Marshall, listou cinco objetivos básicos para o sucesso de uma abordagem restaurativa:66

(1) Atender às necessidades das vítimas;

(2) Prevenir a reincidência através da integração do ofensor à comunidade;

(3) Habilitar os autores para que assumam a responsabilidade por suas ações;

(4) Recriar condições para que as comunidades possam apoiar as vítimas, reabilitar os autores, prevenindo crimes futuros; e,

(5) Evitar a escalada dos mecanismos processuais penais e, assim, seus custos e demoras.

E, no prefácio do “Restorative Justice: the government’s strategy”, o governo britânico cita a frase de um ofensor a respeito de sua experiência em uma conferência restaurativa, em que revela a importância do modelo para as partes: “A

64 SOARES, Gláucio Ary Dillon. Quando o caro sai barato. Correio Braziliense, 08 mar. 2007. 65 Ibid.

principal lição que eu aprendi sobre eu mesmo foi que meu crime afetou todos os envolvidos – ele veio a ser mais do que 10 crimes, porque todas as pessoas foram afetadas”.67

Portanto, o modelo restaurativo desenvolvido na Inglaterra abarca crimes de qualquer natureza, até os mais graves. A vítima é que determinará as possibilidades de reparação e perdão. E toda a comunidade, partes envolvidas estarão comprometidas com o resultado obtido.

Assim, o modelo restaurativo aplicado na Inglaterra visa não somente a reparação material, mas busca reparar os relacionamentos e a confiança que foram rompidos com o crime,68 o que, possivelmente, pode ser alcançado quando o sujeito passivo for o Estado e o crime tipificado como crime econômico.

Notadamente alguns crimes, por sua própria natureza, merecem um tratamento mais recrudescedor e, portanto, o Estado tem ao seu dispor o mecanismo de coerção que é a pena, que igualmente deverá ser justificada obedecendo aos princípios de um Estado Democrático de Direito.