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APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NA NOVA ZELÂNDIA

A Nova Zelândia aparece como paradigma quanto à aplicação da Justiça Restaurativa e, não obstante haver controvérsias quanto ao seu surgimento, o Projeto Espere, implantado na Colômbia, também é um marco no surgimento do modelo restaurativo.50 Isto significa afirmar que, a partir dos resultados obtidos na comunidade Maori, que o modelo restaurativo ganhou relevância no mundo social e jurídico. Primeiramente, os jovens foram objeto do novo modelo em face do tratamento que estes recebiam das agências sociais do sistema criminal, em que reconheciam que não eram contemplados pelos modelos existentes. Segundo, pelo fato de as penas aplicadas serem totalmente injustificadas e não representarem efetivamente um resultado favorável para a comunidade e para o Estado na medida em que não adotavam nenhum processo de reinserção e reabilitação do agente infrator em seu meio social.51

50 ESPERE – Escola de Perdão e Reconciliação, funcionando em diversas áreas, através de grupos

que se reúnem com monitores treinados em universidades, com psicólogos e psiquiatras, para discutir os conflitos e promover a reconciliação entre as pessoas. E, num lugar cansado de agressões, cria territórios de paz respeitados pela maioria dos passantes. Essa é a tarefa do Padre Leonel Narváez. Mostrar os fundamentos do perdão para a paz, a fim de desarmar mãos e linguagens. Nas FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e em grupos paramilitares trabalha no desarmamento e reintegração social de jovens guerrilheiros.

51 MARSHALL, Chris; BOYACK, Jim; BOWEN, Helen. Como a justiça restaurativa assegura a boa

prática? Uma abordagem baseada em valores. In: BRASIL. Ministério da Justiça. Justiça

restaurativa: coletânea de artigos. Brasília: Ministério da Justiça; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2005. p. 267.

Assim, a partir da insatisfação dos Maori (whanau) e dos grupos tribais (hapu) surgiu a busca para a identidade e auto estima, em que a tribo dos Maoris teve papel significativo no processo de reabilitação e reintegração dos menores infratores. Ou seja, buscava-se eliminar o sentimento que a aplicação das penas provocava quando o agente infrator era jovem.52

Do sentimento da ineficácia do sistema adotado, foram desenvolvidos vários projetos e consultorias. Entretanto, a que obteve resultado positivo foi o Puau-te-

Atutu Report (Relatório Puaou-te-Atutu), de 1986, e, por conseqüência, gerou a

criação da Lei das Crianças, em 1989, lei que obriga os jovens infratores a comparecerem aos encontros restaurativos com as family group conferences (Grupos Familiares).53

É fato que a proposta gerada e os novos mecanismos trouxeram resistência, como qualquer movimento que tenha como meta mudanças no modelo existente. Contudo, com a implementação do Group Family Conference, a necessidade de estender a aplicação do modelo aos adultos gerou, no ano de 1995, o chamado grupo Oritenga.

É fato que o novo modelo, diferente do Direito Penal, traz suas singularidades que não comportam a interferência do Estado, e, o modelo desenvolvido para menores também não fugiu à regra. Mas essas diferenças são fundamentais para comprovar que nenhum sistema e/ou método é perfeito e, seguramente, qualquer proposta para sua adequação, de acordo com o modelo social, é fundamental. Conforme mencionado, o modelo restaurativo tem suas singularidades que, em sua base principiológica, manifestam-se por meio de participação, respeito, humildade, honestidade, interconexão, responsabilidade, empoderamento e esperança.

Há dados que revelam que, no sistema de justiça criminal da Nova Zelândia ocorreram mudanças significativas nos últimos 15 anos pela introdução e pelo desenvolvimento dos valores e processos da Justiça Restaurativa, tanto para os adolescentes, quanto para os adultos. É fato que, de acordo com a evolução do modelo restaurativo, as possibilidades de manutenção e, cada vez menos, a

52 MARSHALL. Chris; BOYACK, Jim; BOWEN, Helen. Como a justiça restaurativa assegura a boa

prática? uma abordagem baseada em valores. In: BRASIL. Ministério da Justiça. Justiça

restaurativa: coletânea de artigos. Brasília: Ministério da Justiça; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2005. p. 267.

interferência dos mecanismos estatais são fatores que mantêm seu conceito quanto à eficácia de sua aplicação, bem como a concepção de restauração social.54

A Justiça Restaurativa é formada por diversos valores que são fundamentais e a distinguem de outros modelos de justiça o que notadamente a diferencia e revela seu sucesso que advém de sua base.

O sucesso do modelo restaurativo Neo-zeolandê decorre da estrutura que o compõe por meio dos encontros restaurativos denominado family group conferences, que se diferencia quando os envolvidos são adultos em que o foco principal é a vítima que, voluntariamente, participa do encontro com o seu ofensor. Entretanto, na justiça dos jovens, há obrigatoriedade de seu comparecimento aos grupos FGC, que acontecem independente do comparecimento das vítimas. O tratamento se diferencia mais não perde sua eficácia e objetivo.55

No ano de 2000, foi registrado o New Zealand Restorative Justice Practice

Manual,56 que revela os elementos fundamentais dos encontros restaurativos para

adultos apresentado no mesmo ano, que a iniciativa privada patrocinou sua implementação em uma das varas locais em Auckland.57

A implementação do modelo restaurativo não foi somente de excelências. Ao contrário, quando do seu surgimento, sempre manteve-se a consciência e a necessidade de seu aprimoramento como forma de facilitar a sua aplicação. Assim, os chamados co-facilitadores, incumbidos de estimular o interrogatório, muitas vezes não eram confiáveis uns com os outros, eis que mostravam-se preocupados em revelar o que havia funcionado ao invés de efetuar uma avaliação honesta do encontro restaurativo. Ou seja, não tinham nenhum modelo em que pudessem espelhar-se e, consequentemente, avaliar a prática como boa ou má.

O governo da Nova Zelândia aprovou a legislação em referência à justiça restaurativa, fato que garantiu sua prática segura e efetiva visando assegurar a aplicação da lei restaurativa em conjunto com os Tribunais e as Juntas de

54 MAXWELL, Gabrielle. A justiça restaurativa na Nova Zelândia. In: BRASIL. Ministério da Justiça.

Justiça restaurativa: coletânea de artigos. Brasília: Ministério da Justiça; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2005. p.279-293.

55 BOWEN, Helen; BOYACK, James; HOOPER, Stephen. New Zealand restorative justice practice

manual. Auckland, New Zealand: Restorative Justice Trust, 2000. Disponível em: <http://www.restirativejustice.org.nz>. Acesso em: 10 jan. 2009.

56 Ibid. 57 Ibid.

Condicional. A publicação do Draft Principles of best practice for restorative justice

process in criminal courts, juntamente com a participação da comunidade, foi

fundamental para assegurar a prática entre seus operadores.58

Com a efetiva criação da legislação que assegurou a prática do modelo restaurativo, outras comunidades adotaram seu procedimento e, após várias discussões, o sistema da Nova Zelândia optou por um modelo que abordasse valores que definissem uma prática flexível e que fornecesse metas executáveis.

Em 2003, o governo da Nova Zelândia adotou declaração que esboça os preceitos que asseguram a aplicação da Justiça Restaurativa, baseada em princípios que se dirigem à solução dos conflitos. Consigne-se que os princípios adotados pelo modelo restaurativo são fundamentais para assegurar que os procedimentos alcancem seu objetivo, que é a composição social por intermédio das partes que, volitivamente, resolvem participar dos grupos, seja na esfera adulta ou para os infratores.

É fato que a justiça restaurativa está voltada para os valores humanos e sociais, e sua flexibilidade confere aos envolvidos a possibilidade de se interrelacionarem, independente de sua origem étnica e cultural, podendo ser empregados processos diferentes para realizar os valores restaurativos, seja na órbita privada ou pública.

O modelo restaurativo Neo-zeolandês visava, inicialmente, recuperar jovens infratores e reinseri-los em seu meio social de modo que a comunidade estivesse envolvida em todo seu processo de readaptação. Os resultados obtidos levaram sua adoção em casos para os adultos. Inicialmente, não se cogitou quais crimes ou condutas que seriam atendidas pelo novo modelo de pacificação. Como bem enfatizado por Chris Marshall “o caráter social do crime faz do processo comunitário

58 Esboço dos Princípios da Melhor Prática para Processos de Justiça Restaurativa nos Tribunais

Criminais.

NEW ZEALAND. Ministry of Justice. Draft principles of best practice for restorative justice processes in the criminal court. [S.l.: s.n.], 2003. Disponível em:

<http://www.justice.govt.nz/publications/global-publications/d/draft-principles-of-best-practice-for- restorative-justice-processes-in-the-criminal-court-discussion-paper-may-

o cenário ideal para tratar as conseqüências (e as causas) da transgressão e traçar um caminho restaurativo para frente”.59

Destaque-se que os processos da justiça restaurativa são compostos de todos os envolvidos no fato crime e membros das comunidades, seja no campo privado como público. Deste modo, não exclui o próprio Estado com seus Grupos Provedores.

Dentro dos princípios anteriormente listados, temos que outros também são fundamentais e não menos importantes, assegurando a efetiva consolidação do processo restaurativo. A abordagem principiológica revela a preocupação do Estado em não privar os envolvidos de qualquer direito estabelecido em lei. Portanto, deve o modelo restaurativo ser guiado por facilitadores competentes e imparciais, com o escopo de assegurar que o processo seja efetivo e seguro para todos os envolvidos, esforçar-se para ser inclusivo e colaborativo aberto a todas as partes pessoalmente envolvidas no ocorrido, que têm total liberdade para solucionar seus conflitos. Qualquer interferência de terceiros desafetos ao processo faz com que o procedimento não seja considerado restaurativo.

A confidencialidade também faz parte do encontro restaurativo, que visa não revelar os fatos para os não envolvidos pessoalmente no fato crime acrescentando que os envolvidos não são somente vítima e ofensor, mas as partes sociais, comunitárias e os grupos.

A identidade cultural ou espiritual não será óbice para a adoção do modelo restaurativo. Não há violação de direitos individuais e coletivos. Não há de se falar em supremacia de direitos, nem mesmo perante o Estado. Não há condenação no modelo restaurativo nos moldes do sistema retributivo. Todos os envolvidos recebem tratamento baseado na dignidade inerente. Ou seja, não há nenhum tipo de discriminação ante a ação praticada. No modelo da justiça restaurativa, não há juízo valorativo da conduta do agente.

A validação da experiência da vítima e a valoração de suas perdas ou danos, não devem ser ponderados em nenhum momento no procedimento restaurativo. O

59 MARSHALL, Chris; BOYACK, Jim; BOWEN, Helen. Como a justiça restaurativa assegura a boa

prática? Uma abordagem baseada em valores. In: BRASIL. Ministério da justiça. Justiça

restaurativa: coletânea de artigos. Brasília: Ministério da Justiça; Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2005. p. 272.

injusto praticado à vítima não deve ser reconhecido, e a vítima absolvida de qualquer culpa injustificada pelo acontecido.

No campo das obrigações do infrator, estas devem ser identificadas e afirmadas perante toda comunidade. O agente infrator não deve ser compelido a aceitar as condições e obrigações que lhe serão impostas. Ao contrário, o processo deve propiciar ao agente infrator opções sem constrangimento.

O escopo principal da justiça restaurativa é a obtenção de resultados que atendam a vítima e o ofensor sem distinção. E o Estado não pode ser excluído deste modelo, quando, em crimes econômicos, for vítima.

Não há valoração no modelo restaurativo. A reconciliação deve buscar a reintegração do agente infrator no seu meio social, de modo que a vítima e a coletividade sintam-se seguros e não ocorram rotulações tanto no aspecto vítima como infrator.

Por fim, o modelo restaurativo aplicado na Nova Zelândia, bem como nos demais países que o adotam, não é substituto da justiça retributiva, mas um mecanismo que visa à composição, restauração diante da situação apresentada em cada caso in concreto. Ou seja, vítima e ofensor têm a liberdade de buscar a composição de seus conflitos auxiliados pela estrutura estatal, que não se utiliza dos mecanismos retributivos adotados por cada unidade nacional.

Cabe frisar que a base principiológica da justiça restaurativa é todo alicerce que assegura as partes envolvidas, bem como o respeito aos procedimentos adotados. Não há violações de direitos, seja no campo individual ou coletivo, como anteriormente afirmado.

Os envolvidos têm compromisso com o resultado, tendo em vista que todos, indistintamente, devem respeito mútuo, encampam a confiança e a boa-fé que é inerente do processo restaurativo.

Diante dos princípios e da carga que o procedimento restaurativo propõe em face das condutas delitivas, não haverá nenhuma ofensa aos seus primados se os crimes econômicos ferem abarcados por seus procedimentos.

Observe-se que a Nova Zelândia busca, por meio de tratados e convenções, a adoção de mecanismos que de em continuidade ao combate à criminalidade, seja

no âmbito interno como no externo, e os crimes econômicos seguramente estão entre aqueles que merecem tratamento.

Em 2005, no 11º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, realizado em Bangkok (Tailândia), o diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça, Antenor Madruga, que integrou a delegação brasileira, enfatizou a necessidade de adoção de mecanismos que visem ao combate à criminalidade organizada. Dentre elas, ficaram estabelecidas algumas metas e a parceira do Brasil com a Nova Zelândia visando à cooperação internacional nas ações contra o crime organizado.

E, dentro deste contexto, o modelo restaurativo se mostra como mais um elemento para compor as relações sociais, seja no campo interno como no externo, pois a criminalidade nos dias atuais não ser mais nacional, mas transnacional e a cooperação entre os Estados ser fundamental para o combate ao crime, especialmente o crime organizado. Soma-se a isso o entendimento de que o modelo restaurativo é aplicado na Nova Zelândia a qualquer caso desde que a vítima e o ofensor queiram. O Estado, como vítima, não fica excluído dessa possibilidade.

Os Estados mergulham, nos dias atuais, num problema cuja solução parece cada dia mais difícil e, notadamente, exige a contribuição de todos os povos, tendo em vista a criminalidade ser transnacional, ou seja, ultrapassar as fronteiras dos territórios. Consequentemente, faz com que todos, ainda que indiretamente, sofram com as ações delitivas dos agentes dos crimes desta natureza.

O custo social oriundo do resultado dos crimes econômicos não invalida a aplicação do modelo restaurativo. Ao contrário, força para que bens que possivelmente não serão recuperados possam ser objeto no momento da composição. Portanto, o escopo do modelo restaurativo é evitar novos delitos e assegurar que a vítima não tenha sentimento de impunidade. Nestes casos, nem o Estado está imune.

Portanto, embora não existam dados concretos sobre a aplicação do modelo restaurativo nos crimes econômicos, é fato que a Justiça Restaurativa é uma forte aliada para combater e garantir a eficácia do Estado frente a tais ações delitiva.

sobretudo quando o país adota como regra os mecanismos de pacificação social sob a ótica do que dispôs a Organização das Nações Unidas em 2002.