• Nenhum resultado encontrado

Aplicação pelo Supremo Tribunal Federal – tratamento de equivalência

2.2 Decisões interpretativas condicionais

2.2.3 Aplicação pelo Supremo Tribunal Federal – tratamento de equivalência

Além dos julgados referidos no item anterior, acerca de decisões interpretativas condicionais do Supremo Tribunal Federal164, necessário observar a evolução em casos posteriores.

Alguns julgamentos destacam o juízo de acolhimento parcial de inconstitucionalidade, sem redução de texto, ao adotar interpretação conforme a Constituição. Outros sinalizam uma tendência de autonomizar a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto165

.

Entretanto, parece persistir uma inclinação por tratar de forma equivalente os casos de exclusão de determinadas hipóteses de aplicação com os de interpretação conforme a Constituição. Essa equivalência acaba por afetar, consequentemente, a identificação da natureza jurídica do julgamento.

também já decidia nesse sentido. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 297/86, j. 21.11.1986. Disponível em: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19860297.html. Acesso em: 11 ago. 2016.

163

STF – Tribunal Pleno. ADI 939-7/DF, Rel. Min. Sydney Sanches, julgado em 15.12.1993. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=266590. Acesso em: 28 out. 2013.

164

Ver item 2.2.1 acerca da Rp 948. Rel. Min. Moreira Alves, j. 27.10.1976, e item 2.2.2 sobre a Súmula 67 do STF, aprovada em 13.12.1963.

165

Gilmar Mendes aponta essa gradual autonomização no julgamento das ADIs 491 e 939, já comentadas respectivamente nos itens 2.2.1 e 2.2.2. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 530-531.

Na ADI 491 MC/AM166

, o art. 86, parágrafo único, da Constituição do Estado do Amazonas estendia aos membros do Ministério Público, através da referência de aplicação dos princípios estabelecidos no art. 64, IV a XIII, os vencimentos dos magistrados, disciplinados no art. 64, V. Reconheceu-se a inconstitucionalidade, sem redução do texto, para afastar a extensão de tal benefício remuneratório aos promotores.

O relator, Ministro Moreira Alves, afirma em seu voto que, na interpretação conforme a Constituição, há um julgamento parcialmente procedente da arguição de inconstitucionalidade. Detalha que há “declaração de inconstitucionalidade 'sem redução de texto' atacado, pois o que se reduz é o seu alcance, que fica restrito ao decorrente da interpretação admitida como constitucional”167

. Ao final, menciona que, “embora a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade 'sem redução de texto' não resulte de exclusão de aplicação dele com interpretações admissíveis, mas inconstitucionais”, naquele caso, “há identidade de razão para se adotar técnica semelhante à que decorre da 'interpretação conforme à Constituição'”168.

Na ADI 319/DF169

, o relator, ao aditar seu voto, ressaltou que, na interpretação conforme a Constituição, declara-se a inconstitucionalidade parcial do dispositivo impugnado em todos os sentidos que não aquele que a Corte entende compatível com a Carta Magna170. O Ministro Celso de Mello ainda acrescentou a exigência do quórum de maioria absoluta, “porque, na realidade, a interpretação conforme deriva do reconhecimento de uma inconstitucionalidade parcial”171

.

Em julgamento mais recente e com decisão tipicamente interpretativa, ADI 4815/DF172

, o Supremo parece manter o mesmo tratamento de equivalência entre a interpretação conforme a Constituição e a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto.

O próprio pedido inicial objetivava a declaração da inconstitucionalidade parcial,

166

STF – Tribunal Pleno. ADI-MC 491. Rel. Min. Moreira Alves, j. 13.06.1991. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=346419. Acesso em: 03 ago. 2016.

167

Trecho do voto do relator, p. 17.

168

Trecho do voto do relator, p. 17.

169

STF – Tribunal Pleno – ADI 319. Rel. Min. Moreira Alves, j. 03.03.93. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=918. Acesso em: 03 ago. 2016.

170

Aditamento do voto do relator, p. 89 do acórdão.

171

Aditamento do voto do relator, p. 89 do acórdão.

172

STF – Tribunal Pleno – ADI 4815/DF. Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 10.06.2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10162709. Acesso em: 03 ago. 2016.

sem redução de texto, dos arts. 20 e 21, do Código Civil173

, para afastar a necessidade de consentimento da pessoa biografada e coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas) quanto a obras biográficas literárias ou audiovisuais174

. Como destacou a relatora, o objeto da ação não é afastar do mundo jurídico os dispositivos legais questionados, mas a interpretação daquelas normas para se concluir a sua compatibilização com as normas constitucionais175

.

A ação foi julgada procedente para “dar interpretação conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto”, para declarar inexigível autorização de pessoa biografada ou coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de falecidos ou ausentes, relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais176

. Embora a parte dispositiva faça referência aos dois tipos de sentença interpretativa, limitou-se a declarar a inconstitucionalidade sem redução de texto para excluir a exigência de autorização do biografado ou coadjuvantes. Trata-se, na verdade, de sentença de acolhimento integral do pedido.

Rui Medeiros comenta a frequente referência à decisão interpretativa em sentido amplo, transformando-a “numa espécie de «técnica-camaleão» que muda de conteúdo e forma em face das circunstâncias”177.

Certo, porém, que a aplicação das técnicas interpretativas condicionais ou mesmo a identificação de sua natureza não dependem da denominação atribuída pelo julgador, mas

173

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

174

Além de pedido sucessivo, no mesmo sentido, limitado às pessoas públicas ou envolvidas em acontecimentos de interesse coletivo. Voto da relatora, p. 18 do acórdão.

175

Voto da relatora, p. 18 do acórdão.

176

Trecho da ementa: [...] 9. Ação direta julgada procedente para dar interpretação conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes)” (grifos no original). STF – Tribunal Pleno. ADI 4815/DF. Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 10.06.2015. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp? docTP=TP&docID=10162709. Acesso em: 03 ago. 2016.

177

MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999. p. 298.

pelo efetivo julgamento realizado. O julgado acima é exemplo disso, uma vez que não há dúvidas sobre o exclusivo juízo de acolhimento da inconstitucionalidade.

Apesar de serem espécies do mesmo gênero, decisões interpretativas condicionais, além de compartilharem a característica de exclusão de determinada interpretação inconstitucional sem modificar o texto da norma178

, são institutos distintos. A diferença reside justamente naquela componente principal do juízo de rejeição da sentença de interpretação conforme a Constituição, prevalecente sobre a orientação pela exclusão de certos sentidos inconstitucionais da norma179

. Em contrapartida, a decisão de inconstitucionalidade sem redução de texto, ainda que também seja de caráter interpretativo, trata-se de uma sentença de acolhimento, restrita a tal componente.

Gilmar Mendes, na doutrina180

, ressalta a semelhança e a proximidade do resultado prático de tais decisões, mas traça essa mesma distinção baseada no ponto central do dispositivo da decisão. Na interpretação conforme a Constituição, dogmaticamente, ocorre a declaração de que uma lei é constitucional com a interpretação que lhe é conferida pelo órgão judicial. Por outro lado, na declaração de nulidade sem redução de texto, há expressa exclusão, por inconstitucionalidade, de determinadas hipóteses de aplicação sem alterar o texto legal181.

Acrescenta que a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto é tecnicamente adequada para quando “se pretende realçar que determinada aplicação do texto normativo é inconstitucional”, além de destacar sua virtude “de maior clareza e segurança jurídica expressa na parte dispositiva da decisão”182

.

O legislador brasileiro segue essa linha da doutrina, em sentido contrário à tendência jurisprudencial do STF, ao conceder tratamento autônomo a cada uma das espécies das decisões interpretativas condicionais, com referência expressa a ambas, no art. 28, da Lei nº 9.868/99183

.

178

Repita-se trecho de Carlos Blanco: “duas faces da mesma moeda com um efeito comum: em ambos os institutos são realizadas operações interpretativas que pressupõem a não aplicação do sentido inconstitucional de uma norma”. MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2011. p. 376.

179

Ibidem, p. 379-380.

180

Na ADI 4815/DF, observa-se que não houve debate acerca da natureza da decisão interpretativa condicional.

181

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 529-530.

182

Idem.

183

Art. 28. [...] Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a

A distinção, tanto pela doutrina, quanto pelo legislador, entre tais espécies de decisão repercute inclusive no procedimento, a exemplo da necessidade, no controle difuso, da deliberação acerca da inconstitucionalidade em plenário nos juízos de acolhimento184

. A prevalência do juízo de rejeição da inconstitucionalidade na interpretação conforme a Constituição, ainda que haja juízo de valor orientativo de inconstitucionalidade na motivação, dispensa a suscitação do incidente para deliberação da matéria em plenário185

.

A correta identificação do tipo de decisão interpretativa condicional aplicada também é fundamental para a compreensão dos seus efeitos, inclusive, no que interessa ao presente trabalho, para distinguir das demais decisões intermédias, em especial, da modulação dos seus efeitos. Por isso, deve-se evitar a “técnica-camaleão”186

nas decisões interpretativas condicionais, a exemplo do tratamento equivalente conferido a suas espécies pelo STF.