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2.3 Decisões limitativas ou restritivas dos efeitos temporais

2.3.2 Decisão com efeito pro futuro

A segunda espécie de decisão limitativa representa a possibilidade de continuar aplicando a norma após ser declarada inconstitucional, ainda que durante certo prazo fixado pelo Tribunal, em virtude da suspensão, do diferimento dos efeitos típicos da decisão de acolhimento199

. Trata-se da modulação pro futuro, cujos efeitos práticos de sua aplicabilidade pelo Supremo Tribunal Federal é o objeto deste trabalho.

A Constituição austríaca adota o regime da anulabilidade e ainda prevê expressamente a possibilidade de o Tribunal Constitucional postergar o efeito da anulação da decisão de inconstitucionalidade, limitando o prazo máximo a dezoito meses200.

No Brasil, como visto, o regime de nulidade e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade são disciplinados de forma implícita na Constituição e no multicitado art. 27, da Lei nº 9.868/99201

, mas este prevê expressamente a possibilidade de modulação daqueles efeitos. Embora não haja, como na Áustria, referência expressa ao prazo futuro, nem mesmo a seu limite, a parte final daquele dispositivo permite, implicitamente, tal postergação, já que o Supremo Tribunal Federal, além de restringir os efeitos da declaração, poderá fixar seu início a partir de seu trânsito em julgado ou de “outro momento” para que a declaração de inconstitucionalidade tenha eficácia202

, observado o mesmo quórum de dois terços, e com base em razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social.

198

STF – Tribunal Pleno – ADI 3601 ED, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 09.09.2010. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=617937. Acesso em: 24 ago. 2016.

199

OTERO, Paulo. Manual de Direito Administrativo. Coimbra: Almedina, 2014, p. 570.

200

“4. A anulação entra em vigor com o expirar do dia da publicação se o tribunal constitucional não

determina um prazo para o ficar sem vigor. Esse prazo não deve exceder 18 meses” (destacou-se).

HECK, Luís Afonso. Jurisdição constitucional e legislação pertinente no Direito Comparado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 125.

201

Ver item 1.2.

202

MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p. 330-331.

O Supremo Tribunal Federal efetuou, pela primeira vez203

, a modulação pro futuro, após a vigência da Lei nº 9.868/99, em controle difuso, no RE 197917-8/SP204

. A norma municipal impugnada estabelecia onze Vereadores para o Município de Mira Estrela, que, na época, possuía menos de três mil habitantes. Decidiu-se pela inconstitucionalidade da norma municipal, uma vez que o art. 29, inciso IV, da Constituição Federal205

exige que o número de Vereadores seja proporcional à população dos Municípios, observados os limites mínimos e máximos fixados em suas alíneas206

.

A decisão implicou uma redução de onze para nove o número de Vereadores no Município de Mira Estrela. No entanto, modulou-se o efeito da decisão para a legislatura seguinte, respeitando os mandatos dos Vereadores eleitos. Realizou-se um juízo de proporcionalidade com referência expressa ao princípio da segurança jurídica, porque a imediata suspensão da norma traria instabilidade para as decisões anteriores da casa legislativa, como as leis, aprovações de contas, dentre outros, afetando inclusive as eleições, porque teria repercussão no cálculo do quociente eleitoral e partidário.

Nesse acórdão, é citada uma decisão apelativa da Alemanha, também envolvendo questão eleitoral, pela violação da igualdade diante da ausência de revisão da divisão dos distritos eleitorais, após as alterações demográficas das unidades207. O Tribunal Constitucional alemão, em maio de 1963, rejeitou a inconstitucionalidade, por não ser possível constatar tal situação na data da promulgação da lei, em 1961, para conclamar o legislador a empreender medidas necessárias à modificação dos distritos eleitorais, para reduzir a discrepância

203

A primeira ADI 3022 com modulação pro futuro, citada por Gilmar Mendes, foi julgada em 02.08.2004. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=363282. Acesso em: 15 mai. 2013. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 650; 668-671.

204

STF – Tribunal Pleno – RE 197917, Relator Min. Maurício Correa, j. em 24.03.2004. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=235847. Acesso em: 24 abr. 2013.

205

Redação originária e vigente à época do julgamento do RE 197917-8/SP do art. 29:

IV - número de Vereadores proporcional à população do Município, observados os seguintes limites: a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos Municípios de até um milhão de habitantes;

b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos Municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes;

c) mínimo de quarenta e dois e máximo de cinquenta e cinco nos Municípios de mais de cinco milhões de habitantes;

206

A redação do inciso IV, do art. 29, da Constituição Federal, foi alterado pela Emenda Constitucional nº 58/09, passando a contar com vinte e quatro alíneas com o número máximo de Vereadores de acordo com novo escalonamento com faixas bem mais reduzidas quanto número de habitantes. Apenas para ilustrar, o limite máximo de nove Vereadores, alínea “a”, agora é para Municípios de até quinze mil habitantes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 04 abr. 2016.

207

existente para patamares toleráveis, o que foi efetivado em fevereiro de 1964208 .

Apesar de ambos os julgados preservarem o mandato dos eleitos, importante registrar a diferença do exemplo alemão, por não reconhecer a inconstitucionalidade no momento da promulgação da lei impugnada, decisão de rejeição, embora visualizasse uma imperfeição decorrente da necessidade da revisão da divisão dos distritos eleitorais, apelando ao legislador para corrigi-la. Trata-se de outra decisão intermédia, decisão apelativa, que será analisada adiante209

.

No RE 197917-8/SP, a decisão foi de acolhimento da inconstitucionalidade, constatada desde a promulgação da lei, mas postergando seus efeitos anulatórios para momento posterior, a legislatura seguinte.

A exemplo do Tribunal alemão, que conclamou o legislador a empreender medidas necessárias à modificação dos distritos eleitorais, para reduzir a discrepância existente, o voto-vista do Min. Gilmar Mendes também indica que caberá ao Legislativo municipal estabelecer nova disciplina sobre a matéria, em tempo hábil para que se regule o próximo pleito eleitoral210

. No entanto, essa recomendação ao legislador não modifica sua natureza jurídica de sentença de acolhimento, repita-se, elemento diferenciador do caso alemão.

No controle concentrado, os primeiros casos em que o STF acolheu a inconstitucionalidade com a modulação pro futuro de seus efeitos foram as ADIs 3022/RS211 e 3819/MG212

, relacionadas com atuação da Defensoria Pública, e as ADIs 2.240-7/BA213 , 3.689-1/PA214

, 3.489/SC215

, 3.316-6/MT216

, 3.682/MT217

, todas relacionadas à alteração ou criação de Municípios, que serão analisadas em tópico específico, no próximo capítulo.

208

MENDES, Gilmar Ferreira. O apelo ao legislador (Appellentsheidung) na práxis da Corte Constitucional Federal Alemã. In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. XXXIII. Coimbra: Coimbra Editora, 1992. p. 282-283.

209 Ver item 2.3.4. 210

Voto Vista do Min. Gilmar Mendes, p. 39-41.

211

STF – Tribunal Pleno – ADI 3022/RS. Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. em 02.08.2004. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=363282. Acesso em: 27 out. 2013.

212

STF – Tribunal Pleno – ADI 3819/MG. Rel. Min. Eros Grau, j. em 24.10.2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=516783. Acesso em: 27 out. 2013.

213

STF – Tribunal Pleno – ADI 2240/BA. Rel. Min. Eros Grau, j. em 09.05.2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=474616. Acesso em: 27 out. 2013.

214

STF – Tribunal Pleno – ADI 3689-1/PA. Rel. Min. Eros Grau, j. em 10.05.2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=469708. Acesso em: 27 out. 2013.

215

STF – Tribunal Pleno – ADI 3489-8/SC. Rel. Min. Eros Grau, j. em 09.05.2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=474624. Acesso em: 27 out. 2013.

216

STF – Tribunal Pleno – ADI 3316-6/MT. Rel. Min. Eros Grau, j. em 09.05.2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=469700. Acesso em: 27 out. 2013.

217

STF – Tribunal Pleno – ADI 3682-3/MT. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 09.05.2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=485460. Acesso em: 27 out. 2013.