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2.3 Decisões limitativas ou restritivas dos efeitos temporais

2.3.3 Declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade

A terceira espécie de decisão limitativa é a declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade ou sem efeito ablativo ou ainda sem produção de efeitos. Desenvolvida pela jurisprudência da Corte Constitucional alemã, foi incorporada à lei daquele Tribunal, também denominada de decisão de incompatibilidade218

ou desconformidade219 .

Inicialmente, foi utilizada para solucionar a inconstitucionalidade da exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade e, posteriormente, aplicada também nos casos de inconstitucionalidade por omissão e de lacunas jurídicas ameaçadoras220

.

Imagine-se uma norma que concede vantagens ou benefícios a certa categoria ou grupo de pessoas, sem contemplar outros que se encontram na mesma situação, em clara violação ao princípio da igualdade221

.

A tradicional declaração de nulidade com a cassação da norma inconstitucional, além de não resolver a violação ao direito do grupo indevidamente excluído, prejudicaria quem tivesse sido legitimamente contemplado e, até mesmo, inviabilizaria a pretensão daqueles ao suprimir do ordenamento jurídico o fundamento da desigualdade222

. Por outro lado, a extensão do direito ao grupo excluído suscita o problema de o Poder Judiciário conceder diretamente o benefício, sem prévia decisão legislativa e previsão orçamentária223

.

A solução apresentada pelo Supremo Tribunal Federal tem sido, a exemplo da posição do Tribunal Constitucional alemão224

, reconhecer a inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, mas sem declarar a nulidade da norma. Por exemplo, o Supremo

218

MEYER, Emílio Peluso Neder. A decisão no controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2008. p. 132-138.

219

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 766.

220

MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999. p. 678; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 590-596; 632-633; STRECK, op. cit., p. 766; MEYER, op. cit., p. 133-134.

221

SARLET, Ingo Wolfgang. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 538-539.

222

MENDES, op. cit., p. 593.

223

SARLET, op. cit., p. 538-539.

224

Tribunal Federal já se manifestou no caso de aumento previsto para determinados servidores, matéria já objeto da Súmula 339: “Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legisladora, aumentar vencimentos de servidores públicos, sob fundamento de isonomia”225

. No entanto, a norma reconhecida como inconstitucional fica com sua vigência suspensa, assim como os demais processos com litígios nela fundados226

, até que haja a solução da desigualdade pelo legislador, porque a inconstitucionalidade decorre da omissão deste em contemplar aqueles que se encontram na mesma situação.

Considerando que também há entendimento pela aplicação provisória da norma declarada inconstitucional, ainda que restrita aos “casos em que surgisse um 'vácuo jurídico' intolerante para a ordem constitucional”227

, o pronunciamento explícito, na decisão de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, acerca de tal suspensão contribui para eliminar incertezas228

da norma a ser aplicada entre o julgamento e a atuação do legislador229 . Essa decisão não interfere na liberdade de conformação do legislador para solucionar a lesão ao princípio da isonomia, seja através da supressão do próprio benefício, da inclusão dos grupos discriminados ou ainda da elaboração de nova regra sobre a questão, observado aquele princípio230

.

Trata-se, então, de uma decisão de acolhimento da inconstitucionalidade, em que a norma não é retirada do ordenamento jurídico, sob a justificativa de que sua ausência

225

STF – Tribunal Pleno – Súmula 339. Aprovada na sessão plenária de 13.12.1963. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_301_400. Acesso em: 28 out. 2013.

226

“Em qualquer caso, a ideia de 'suspensão' parece ter-se consolidado, já que, no caso de ser proferida uma decisão positiva de inconstitucionalidade desta natureza, todos os tribunais que se ocupem do litígio devem suster a aplicação da norma e suspender o processo, até que ocorra um intervenção tempestiva do legislador, a quem o Tribunal Constitucional acaba por apelar”. MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2011. p. 325. Também favorável à suspensão STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 766.

227

Emílio Meyer, embora contrário, noticia uma superação do entendimento inicial da Corte Constitucional alemã. MEYER, Emílio Peluso Neder. A decisão no controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2008. p. 134-135. Gilmar Mendes também aponta que, “em determinados casos, a aplicação excepcional da lei inconstitucional traduz exigência do próprio ordenamento constitucional”. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1433.

228

Em especial, por não se desconhecer o entendimento acerca da possibilidade, ainda que em casos excepcionais à regra geral da suspensão, da continuação da aplicação da norma declarada inconstitucional sem pronúncia de nulidade, como defendido por Gilmar Mendes. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de

constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 639.

229

Lenio Streck destaca que esse pronunciamento do Tribunal tem sido cada vez mais frequente. STRECK, op. cit., p. 766.

230

acarretaria maiores danos do que sua permanência, apesar de seu vício, porém sua aplicabilidade fica suspensa até que o legislador solucione a inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal.

Ressalta-se que não se confunde com a modulação pro futuro, hipótese em que, apesar de também haver o reconhecimento judicial do vício e a permanência da norma no ordenamento jurídico, mitigam-se os efeitos temporais para preservar sua vigência com a postergação da nulidade e/ou do efeito paralisante da decisão de inconstitucionalidade para determinado prazo ou momento estabelecido na decisão.

Portanto, ao contrário da modulação pro futuro, na decisão de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, embora permaneça vigente a norma declarada inconstitucional, sua aplicabilidade fica suspensa até que o legislador solucione aquele vício.