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3.4 Preenchimento dos conceitos indeterminados no juízo de proporcionalidade

3.4.3 Modulação pro futuro

3.4.3.2 Vazio jurídico ou lacuna jurídica ameaçadora

A principal hipótese a justificar a modulação pro futuro é no caso das leis que promovem um ideal constitucional estabelecido por um princípio e que pode ser concretizado

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Emílio Meyer, embora contrário, noticia uma superação do entendimento inicial da Corte Constitucional alemã. MEYER, Emílio Peluso Neder. A decisão no controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2008, p. 134-135. Gilmar Mendes também aponta que, “em determinados casos, a aplicação excepcional da lei inconstitucional traduz exigência do próprio ordenamento constitucional”. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1433.

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Rui Medeiros é crítico da decisão de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, por não implicar um invalidação por continuar a produzir indefinidamente efeitos no futuro. MEDEIROS, Rui. A decisão de

inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa:

Universidade Católica Editora, 1999. p. 733-734.

436

OTERO, Paulo. Manual de Direito Administrativo. Coimbra: Almedina, 2014. p. 542-543.

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de forma gradual438

ou discriminatória439

. Isso porque a declaração de inconstitucionalidade com efeitos típicos, paralisação imediata da eficácia e expulsão da norma do ordenamento, é capaz de acarretar uma situação ainda mais afastada da vontade constitucional, causando uma minimização, “em vez de levar a uma otimização na concretização daquela vontade”440

. Provocaria um “vazio jurídico”441

ou “lacuna jurídica ameaçadora”442

, ao retirar aquele direito de concretização de princípio constitucional, ensejando um “caos jurídico”443

.

Como ressalta Rui Medeiros, “não havendo possibilidade de lançar mão da interpretação conforme a Constituição ou de uma decisão modificativa, resta ao juiz constitucional a alternativa da fixação de um prazo dentro do qual o legislador deve produzir nova legislação”444

. Diante do juízo de proporcionalidade, a modulação pro futuro só será adotada quando demonstrar, dentre as aptas, a medida menos gravosa, menos restritiva445

. Dessa forma, como sugerido na modulação pretérita, a segurança jurídica aparece como filtro para identificação daquele interesse constitucional promovido pela norma viciada, impondo, através dessa sobreposição ou co-incidência, a adoção de uma medida de transição,

vacatio sententia446

, até a completa cessação da eficácia daquela norma, isto é, sua expulsão do ordenamento.

Tratando-se de medida excepcional, a Constituição somente suporta como solução provisória447. Na Áustria, a própria Constituição estabeleceu o prazo de dezoito meses. A ausência de previsão de prazo, ainda que em norma infraconstitucional, como no Brasil, não significa a possibilidade de perdurar indefinidamente, pois afetaria a primazia da Constituição, ao deixar de ser uma situação de excepcional tolerância em prol de outro interesse constitucional, até se sanar aquele vício, para se transformar numa autorização direta para perdurar a violação detectada.

438

ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. 2ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012. p. 547.

439

MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999. p. 726.

440

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 570 e 598.

441

MEDEIROS, op. cit., p. 726.

442

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 570 e 598.

443

Idem.

444

MEDEIROS, op. cit., p. 726.

445

Ver item 3.4.

446

MEDEIROS, op. cit., p. 725.

447

MEDEIROS, Rui in MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 850.

Ao tempo em que o prazo pretende assegurar a provisoriedade da modulação pro

futuro, de forma alguma poderá representar uma obrigatoriedade de esgotá-lo, capaz de

blindar a lei inconstitucional da atuação do legislador, suscetível, inclusive, de alteração da conjuntura política, a depender do prazo fixado e do momento eleitoral.

O que se quer demonstrar é que a norma inconstitucional com eficácia diferida não está imune à atuação do legislador, que poderá revogá-la a qualquer momento e, diante da segurança jurídica detectada, instituir nova disciplina sobre aquele direito sem a inconstitucionalidade anterior448

. Afinal, não se pode atribuir maior valor à norma inconstitucional manipulada para o futuro do que à própria norma constitucional, motivo pelo qual ambas são passíveis da livre atuação do legislador para promover nova disciplina, antecipando a solução do problema da inconstitucionalidade tolerada.

O objetivo do prazo fixado na modulação pro futuro, como destacado por Rui Medeiros, nada mais é do que permitir que o legislador aprove, em tempo hábil, uma norma substitutiva conforme com a Constituição e, por isso, representa apenas o prazo máximo de manutenção da norma, sem afetar o dever de o legislador aprovar a nova legislação no mais curto espaço de tempo possível, cuja vigência revogará a viciada449

.

Em outras palavras, o Judiciário não pode impedir o Legislativo de sanar a inconstitucionalidade reconhecida judicialmente, mas, ao contrário, deve estimular sua atuação para disciplina/conformação futura. Não deixaria de ser uma forma de o Poder Legislativo balancear ou mesmo impedir a atuação do Poder Judiciário, por eliminar a necessidade da adoção da medida excepcional de modulação pro futuro.

Ao fazer um apanhado quantitativo dos casos de modulação pelo Tribunal Constitucional de Portugal, entre 1983 e 1997, Rui Medeiros aponta ainda o não conhecimento de pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, quando a norma já tenha sido revogada, sob o fundamento de que eventual controle de constitucionalidade não poderia exceder os efeitos da revogação450

. No que interessa ao

448

Carlos Blanco de Morais, ao defender que a administração e os outros tribunais não estão obrigados a aplicar a norma inconstitucional num determinado sentido, fruto de sentença intermédia, explicita o limite dos efeitos dessa decisão até “o momento em que o legislador intervenha” ou a sanção produza efeitos. (negritou-se). MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p. 293.

449

Comentário de Rui Medeiros em nota de rodapé nº 938. MEDEIROS, Rui in MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 732.

450

MEDEIROS, Rui in MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 689.

presente tópico, independe da tolerância desse entendimento com a preservação dos atos pretéritos, pois o que se constata é que, de fato, o Judiciário em nada poderá atuar para o futuro se a norma já tiver sido revogada ao tempo do julgamento.

Algo semelhante se extrai do RE 122.202/MG451

, em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu permanecer íntegra a nova disciplina da matéria por lei revogadora da declarada inconstitucional, bem como, de forma pedagógica, explicitou que, apesar da jurisprudência pela desnecessidade de devolução da vantagem no período de validade inquestionada da lei de origem, não deve ser paga após a declaração de inconstitucionalidade.

Em resumo, mesmo não se constituindo um controle sobre as decisões judiciais, a postura do Legislativo pode contribuir para uma maior ou menor atuação do Judiciário na modulação pro futuro, pois, mesmo nos casos em que optar por tal medida excepcional, somente terá eficácia até a nova disciplina legal, após livre conformação do legislador para solucionar o vício já detectado. Assim, a lentidão do legislador em corrigir as inconstitucionalidades detectadas acabará por aumentar os casos de decisões com modulação

pro futuro e a proliferação destas aumentará ainda mais o dever de atuação do legislador.

Uma rápida atuação do Judiciário, após provocação também célere, pode afastar a necessidade de qualquer tipo de modulação, ainda mais pro futuro. Imagine-se uma lei cuja inconstitucionalidade já tenha sido impugnada durante a vacatio legis452, nenhuma situação estará concretizada se o Judiciário atuar, ainda que cautelarmente, para suspender a eficácia da norma com a posterior estabilização com o julgamento definitivo.

Outro caso em que tem ocorrido a modulação pro futuro é quando a declaração de inconstitucionalidade afeta o equilíbrio entre as receitas e despesas orçamentárias, hipótese, inclusive, que justificou o primeiro caso de modulação futura em Portugal e também ocorre no Brasil, com severas críticas dos tributaristas, sob o argumento de que a modulação deve tutelar o indivíduo e não o Estado (nota Ana Ávila até na conclusão).

451

STF – Segunda Turma – RE 122202-6/MG, rel. Min. Francisco Rezek, j. 10.08.1993. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=207468. Acesso em: 15 abr.2016.

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BARBOSA SOBRINHO, Osório Silva. Comentários à Lei n. 9.868/99 – processo do controle concentrado