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2.2 Decisões interpretativas condicionais

2.2.1 Interpretação conforme a Constituição

A interpretação conforme a Constituição decorre de construção jurisprudencial do Tribunal alemão, ao decidir que “uma lei não é inconstitucional se uma interpretação é possível que a mantenha em harmonia com a Lei Fundamental e a lei, por essa interpretação, torne-se com sentido”136

. Em outras palavras, o Tribunal afirmou que “uma lei não deve ser declarada nula caso seja possível interpretá-la em conformidade com a Constituição”137.

No que interessa ao presente estudo, a interpretação conforme não é apenas um preceito hermenêutico, mas sim um método de fiscalização da constitucionalidade138139

. Recai sobre uma disposição dotada de uma pluralidade de significados alternativos verossímeis (inconstitucionais e constitucionais), no qual se preserva seu texto, desde que seja interpretado com um determinado sentido que respeite a Constituição, com a rejeição de dados sentidos

133

LOPES, Pedro Moniz. Sobre as sentenças de inconstitucionalidade parcial qualitativa. In: MORAIS, Carlos Blanco de et al. As sentenças intermédias da Justiça Constitucional. Lisboa: AAFDL, 2009, p. 487-488.

134

Ibidem, p. 486 e MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2011. p. 375.

135

MORAIS, op. cit., p. 376.

136

Primeira decisão tomada em 1953, embora Lenio Luiz Streck aponte uma ainda anterior, de 13.02.1952. MEYER, Emílio Peluso Neder. A decisão no controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2008. p. 41-42.

137

Ibidem, p. 42.

138

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 527-528; MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p. 379.

139

O STF assim destacou: “[...]. O princípio da interpretação conforme à Constituição (Verfassungskonforme Auslegung) é princípio que se situa no âmbito do controle da constitucionalidade, e não apenas simples regra de interpretação” (grifos no original). STF – Tribunal Pleno – Rp 1.417. Rel. Min. Moreira Alves, j. 09.12.1987. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=264125. Acesso em: 31 jul. 2016.

inconstitucionais140 .

A própria presunção de constitucionalidade induz o julgador, na dúvida, a reconhecer a constitucionalidade da norma141 142

. Mais ainda, como ressaltado pelo Tribunal alemão, a presunção de constitucionalidade não se limita à compatibilidade de uma lei com a Constituição, mas envolve “também a possibilidade de uma interpretação que torne tal norma consentânea com a Lei Maior”143

.

Assim, a interpretação conforme a Constituição pode dirimir eventual dúvida do julgador, bem como apontar que, havendo duas ou mais interpretações possíveis de uma norma, prevalecerá (dentre as constitucionais) a que se revele mais compatível com a Constituição144

, sempre com a exclusão expressa ou implícita das interpretações que a tornariam inconstitucional145

.

Apesar da discussão sobre a natureza da interpretação conforme a Constituição, observa-se que não há propriamente uma decisão de inconstitucionalidade146

. Na verdade, implica sempre um juízo de rejeição da inconstitucionalidade, pois o texto do dispositivo legal permanece intacto, com sua aplicabilidade condicionada a determinado sentido consonante com a Constituição, que integrará a parte dispositiva da decisão147

.

Todavia, há uma peculiaridade nesse juízo de rejeição, pois coexiste, no conteúdo da sentença, um juízo oculto de acolhimento, relacionado às interpretações tidas, explícita ou

140

MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2011. p. 378-380.

141

Ibidem. p. 384.

142

Gilmar Mendes afirma que a doutrina brasileira incorporou postulado do direito americano nesse mesmo sentido, sintetizado frequentemente na frase de Thomas M. Cooley: “The court, if possible, must give the

statute such a construction as will enable it to have effect”. MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 523-524.

143

MEYER, Emílio Peluso Neder. A decisão no controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2008. p. 42.

144

Quando envolve apenas a melhor das interpretações constitucionais possíveis, pode-se designar a metódica de interpretação orientada para Constituição. MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica Editora, 1999. p. 290. Também pode ser denominada por interpretação menos desconforme com a Constituição. LOPES, Pedro Moniz. Sobre as sentenças de inconstitucionalidade parcial qualitativa. In: MORAIS, op. cit., p. 501-502.

145

MENDES, op. cit., p. 523-529. SARLET, Ingo Wolfgang. In: SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 216.

146

MENDES, op. cit., p. 527-529 e STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 613.

147

implicitamente, desconformes com a Constituição148 149 .

Por outro lado, esse juízo paralelo de acolhimento certamente acaba sem alcançar todas as possíveis interpretações inconstitucionais de determinada norma, algo impossível e prejudicial para uma interpretação plural da Constituição150

. Isso não impediria um eventual questionamento acerca da inconstitucionalidade de uma outra interpretação. Aliás, possível a definição futura de outras interpretações também constitucionais, sem prejuízo da orientação traçada em julgado anterior com interpretação conforme a Constituição151

.

Em suma, nesse julgamento de conteúdo eclético, prevalece, na parte dispositiva, a componente principal de rejeição da inconstitucionalidade, “sem prejuízo de o mesmo aresto conservar, na parte da motivação, um juízo de valor orientativo que pode condicionar futuras decisões de acolhimento”152

.

O Supremo Tribunal Federal há muito emprega essa técnica. Em 1976, questionou-se o art. 156, da Constituição do Estado de Sergipe, que assegurava, a título de representação, o pagamento de um subsídio mensal e vitalício igual aos vencimentos do cargo de Desembargador do Tribunal de Justiça, cessada a investidura do cargo de Governador do Estado, a quem o tivesse exercido por mais da metade do prazo do mandato respectivo, desde que não tenha sofrido a suspensão dos direitos políticos153.

Apontavam-se duas inconstitucionalidades: a primeira pela omissão quanto à referência ao caráter permanente do exercício do cargo e a segunda por incluir a restrição do exercício por mais da metade do prazo do mandato.

A possibilidade de impor tal restrição temporal de exercício do mandato já era

148

“Embora prevaleça, a título principal e no plano da eficácia jurídica, um juízo de não inconstitucionalidade, acaba também por subsistir, paralelamente, no conteúdo da sentença, um juízo oculto de inconstitucionalidade, o qual se encontra ligado a interpretações proibidas, explícita ou implicitamente, pelo órgão máximo da Justiça Constitucional”. MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora. 2011. p. 379-380.

149

Desde logo, o recurso ao princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição envolve, nestes casos, o repúdio de uma certa interpretação da lei e, nessa medida, contém simultaneamente uma decisão de inconstitucionalidade (expressa ou tácita). MEDEIROS, Rui. A decisão de inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei. Lisboa: Universidade Católica Editora. 1999. p. 298.

150

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 529; STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão

jurídica. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 606; MEYER, Emílio Peluso Neder. A decisão no controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2008. p. 56.

151

MEYER, op. cit., p. 62.

152

MORAIS, op. cit., p. 380.

153

STF – Tribunal Pleno – Rp 948. Rel. Min. Moreira Alves, j. 27.10.1976. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=263723. Acesso em: 29 out. 2013.

pacificada no Supremo Tribunal Federal, motivo pelo qual não lhe foi dispensada maior atenção no acórdão, rejeitando-se, de plano, a inconstitucionalidade suscitada.

Quanto à omissão, decidiu-se que a interpretação da norma demonstra estar implícito o caráter permanente do exercício do cargo, ao estabelecer regra mais rigorosa do que a contida na Constituição Federal, para impedir que fosse concedido o subsídio a substituto eventual do Governador, afastando tal interpretação.

Dessa forma, deu-se interpretação conforme pela exigência implícita do exercício do cargo em caráter permanente pelo beneficiário, para julgar improcedente a representação, ao tempo em que se afastou a possibilidade de extensão da vantagem a eventual substituto.

Atualmente, a interpretação conforme a Constituição está positivada no ordenamento jurídico brasileiro, através do parágrafo único, do art. 28, da Lei nº 9.868/99, o qual, inclusive, prevê eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.

2.2.2 Decisão de inconstitucionalidade parcial qualitativa ou declaração parcial de