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O questionamento da inconstitucionalidade de uma norma enseja, em regra, um resultado positivo ou negativo114

, isto é, um juízo de inconstitucionalidade ou um juízo de não inconstitucionalidade, em alguns países115

, até mesmo de constitucionalidade116 .

As decisões de acolhimento da inconstitucionalidade suscitada, com o efeito regra, no caso do Brasil e de Portugal117

, de declaração de nulidade e retroativo são denominadas de decisões simples. Por sua vez, o juízo negativo de desconformidade com a Constituição implica a decisão também simples de rejeição118

.

Por outro lado, todas as demais decisões, enquanto alternativas que se afastam da dicotomia das decisões simples de acolhimento ou de rejeição (inconstitucionalidade ou de não inconstitucionalidade), podem ser qualificadas como intermédias119

.

Ainda que não haja consenso nos ordenamentos jurídicos acerca da identificação das sentenças qualificadas como intermédias, além da localização topográfica entre as decisões simples de acolhimento e de rejeição, destaca-se o ponto comum de temperar ou modelar o conteúdo ou os efeitos das normas julgadas inconstitucionais para adotar, no presente estudo, uma acepção ampla deste tipo de sentença120

.

114

MIRANDA, Jorge. Os tipos de decisões na fiscalização da constitucionalidade. Separata de Estudos em homenagem ao Professor Inocêncio Galvão Telles, v. 1. Coimbra: Almedina, 2002. p. 801.

115

Em alguns países, como na Alemanha e no Brasil, admite-se a declaração de constitucionalidade como resultado negativo do questionamento de inconstitucionalidade. Ibidem, p. 812.

116 No Brasil, há o juízo de constitucionalidade, previsto no caso de procedência da ADC – ação declaratória de

constitucionalidade (art. 102, I, a, da CF/88, inserido pela EC nº 3/93, alterado pela EC nº 45/04, disciplinada pela Lei nº 9.868/99), possibilitando aos legitimados, perante o STF, em controle concentrado, a defesa da presunção de constitucionalidade da norma promulgada, através do combate à controvérsia judicial decorrente de generalizadas decisões de inconstitucionalidade no controle difuso. Da mesma forma, a improcedência da ação direta de inconstitucionalidade enseja o juízo de constitucionalidade (arts. 23 e 24, da Lei nº 9.868/99), tratando a ADI e a ADC como ações de natureza dúplice. MENDES, Gilmar Ferreira.

Controle de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva,

2012. p. 489-490.

117

Ver item 1.2.1 e 1.2.2.

118

MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p. 261.

119

“A pouco e pouco, desenvolveu-se a técnica das sentenças intermédias que não se reconduzem ao modelo binário inconstitucionalidade/constitucionalidade”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito

Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 957.

120

Demonstrou-se acima121

a possibilidade de mitigação dos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade, independentemente da teoria adotada pelo ordenamento, nulidade ou anulabilidade, diante da insuficiência dos efeitos próprios de cada um desses sistemas.

Além da mitigação dos efeitos temporais, existem decisões que modelam o sentido da norma. Através de técnicas decisórias, solucionam o vício da lei, como em algumas violações ao princípio da igualdade e nos casos de inconstitucionalidade por omissão parcial do legislador122

.

Evidenciam outras possibilidades de julgamento pelas Cortes Constitucionais, seja por afastar o desvalor da inconstitucionalidade de determinado sentido da norma (interpretação conforme a Constituição e constitucionalidade provisória), seja por limitar o valor jurídico da nulidade do ato inconstitucional (declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade e declaração de inconstitucionalidade parcial qualitativa ou sem redução de texto)123.

Nesses casos, busca-se preservar a norma com ajustes interpretativos e exclusão de tudo que possa conduzi-la à inconstitucionalidade, ou ainda, nas hipóteses em que se reconhece tal vício, limite-se o valor jurídico do ato inconstitucional. Pode-se dizer que, de certa forma, encontra-se ao dispor do julgador o próprio regime da nulidade.

Se há essa disponibilidade para o julgador e considerando que a destruição de efeitos

ordens jurídicas estrangeiras escolhidas como base de comparação no presente excurso despontam

entendimentos restritivos (que circunscrevem as sentenças intermédias às decisões aditivas, ou estas conjuntamente com as decisões interpretativas), os quais se contrapõem a concepções mais latas (que nelas também incluem as sentenças que modulam os efeitos temporais da respectiva eficácia sancionatória e, por consequência, os efeitos válidos da norma sindicada. O Direito positivo e a prática jurisprudencial obrigam- nos a acolher uma acepção ampla deste tipo de sentença”. MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça

Constitucional. Tomo II. O direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p.

262-265.

121

Ver item 1.1.

122

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: ADI, ADC e ADO: comentários à Lei n. 9.868/99. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 520-523; 629-642.

123

“A decisão de limitação de efeitos revela, por si só, que a decisão de inconstitucionalidade não constitui uma realidade simples e unitária, havendo diversos tipos de decisões de inconstitucionalidade. É certo que, em alguns casos, como nas decisões de inconstitucionalidade parcial e nas decisões interpretativas, o alcance restrito da decisão de inconstitucionalidade decorrer do juízo de invalidade se reportar, não já ao acto normativo in totum, mas sim tão-somente a alguns dos seus preceitos, a uma parte do seu conteúdo dispositivo ou, no âmbito da interpretação conforme à Constituição, ao resultado que se pode extrair de uma das interpretações possíveis do preceito normativo. Noutros casos, porém, como sucede nas decisões

modificativas, as decisões de inconstitucionalidade apresentam uma dimensão manipulativa”. MEDEIROS,

Rui. In: MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 852-853.

é apenas uma consequência daquele desvalor da norma inconstitucional, pelo menos, em tese, reafirma-se a possibilidade excepcional da limitação dos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade, a fim de que seja dotada de mais ou menos retroatividade, a depender do caso concreto, e, eventualmente, de postergá-la, ao menos, seus efeitos paralisante e sancionatório.

Portanto essas espécies de decisões, grosso modo, manipulativas ou intermédias ou atípicas, determinam a “modelação do sentido ou dos efeitos da norma submetida a julgamento”124

. Devem ser identificadas para viabilizar uma sistematização do presente estudo, em especial, para uma comparação com a modulação pro futuro, seja pelos pontos em comum, seja por suas distinções.

Isso permitirá uma melhor análise de casos concretos, de julgados do Supremo Tribunal Federal, até mesmo acerca da natureza jurídica do julgamento, independentemente da denominação atribuída pelo Tribunal, ou ainda pela possibilidade de se obter o mesmo resultado prático, através de uma outra espécie de sentença intermédia, às vezes, menos controversa.

Diante dessa visão mais ampla do conceito de decisões intermédias, sem ignorar a variação de sua classificação, na linha de Jorge Miranda125 Carlos Blanco de Morais126 e Emílio Meyer127, adotar-se-ão, no presente estudo, as seguintes modalidades: as decisões

124

“Em sentido lato, e abarcando apenas as decisões desta natureza existentes na ordem jurídica portuguesa, as sentenças manipulativas consistem em decisões jurisdicionais que determinam a modelação do sentido ou

dos efeitos da norma submetida a julgamento” (itálicos no original). MORAIS, Carlos Blanco de. Justiça Constitucional. Tomo II. O direito do contencioso constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2011. p.

261.

125

Jorge Miranda adota a seguinte classificação das decisões ditas (não com todo o rigor) intermédias: - decisões interpretativas; - decisões limitativas – “limitativas de efeitos da decisão de inconstitucionalidade ou até da própria inconstitucionalidade”; - “decisões aditivas ou modificativas, quando, considerando inconstitucional o entendimento da norma seu objecto só com certo conteúdo ou alcance, lhe acrescentam (e, por conseguinte, modificam-na) um segmento que permite a sua subsistência à luz da Constituição”. MIRANDA, Jorge. Os

tipos de decisões na fiscalização da constitucionalidade. Separata de Estudos em homenagem ao Professor

Inocêncio Galvão Telles, v. 01, 2002. Coimbra: Almedina, 2002. p. 801-802.

126

Indica que possuem o mesmo denominador: “as sentenças restritiva dos efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade”; “as sentenças interpretativas condicionais e, ainda, os arestos portadores de efeitos aditivos”. MORAIS, op. cit., p. 261-262.

127

“Levando, pois, em conta a prática jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, enfrentar-se-á, nesse trabalho, as seguintes modalidades de decisão: - sentenças interpretativas: interpretação conforme a Constituição e a declaração de nulidade parcial sem redução de texto; - sentenças modificativas, nas espécies aditivas e substitutivas; - sentenças transitivas: aqui incluídas as sentenças de modulação temporal, é dizer, a declaração de inconstitucionalidade de caráter restritivo ou limitativo, no dizer de Mendes, a declaração de

inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade e o apelo ao legislador (declaração de constitucionalidade

e a 'lei ainda constitucional')”. MEYER, Emílio Peluso Neder. A decisão no controle de constitucionalidade. São Paulo: Método, 2008. p. 40.

interpretativas condicionais (interpretação conforme a Constituição e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto); as decisões limitativas ou transitivas ou restritivas de efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade; e as decisões aditivas ou modificativas.

As decisões apelativas, embora sejam de rejeição da inconstitucionalidade com recomendação ao legislador para modificar ou substituir a norma, serão examinadas juntamente com as decisões limitativas restritivas de efeitos temporais da decisão de inconstitucionalidade, por se encontrarem, na expressão de Jorge Miranda, na “zona de fronteira”128

.