• Nenhum resultado encontrado

3.4 Preenchimento dos conceitos indeterminados no juízo de proporcionalidade

3.4.4 Alguns julgados do STF de modulação pro futuro

3.4.4.2 Inconstitucionalidade formal da criação de Municípios

A Constituição Federal estabeleceu, no art. 18, § 4º, após a Emenda Constitucional nº 15/96, que a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios, além de outros requisitos, como consulta prévia às populações dos Municípios envolvidos, após estudo de viabilidade Municipal, só poderiam ocorrer no período definido por Lei

462

Complementar Federal.

Diante da ausência daquela Lei Complementar Federal, a inconstitucionalidade formal das leis estaduais que criaram ou modificaram Municípios foram sistematicamente impugnadas e declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, nas ADIs, 2.240- 7/BA463

, 3.689-1/PA464

, 3.489/SC465

, 3.316-6/MT466

e 3.682/MT467

, julgadas nos dias 09 e 10 de maio de 2007.

O caso paradigma foi a ADI 2.40-7/BA, que tratava sobre a criação do Município de Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, com uma série de vícios, por não observar a proibição de ser criado em ano eleitoral, pela ausência de Lei Complementar Federal fixando o período para tal criação, pelo plebiscito não ter alcançado a totalidade dos municípios e pela publicação intempestiva dos estudos de viabilidade.

Também caso de criação do Município de Santo Antônio do Leste, no Mato Grosso, na ADI 3.316-6/MT, enquanto as ADIs 3489 e 3689 versavam sobre alterações territoriais decorrentes de desmembramento e incorporação. Já a ADI 3682/MT trata de ação direta de inconstitucionalidade por omissão, onde foi declarado o estado de mora em que se encontrava o Congresso Nacional e estabeleceu prazo razoável de dezoito meses para cumprir seu dever constitucional, devendo ser contempladas as situações imperfeitas decorrentes do estado de inconstitucionalidade gerado pela omissão.

Quanto à inconstitucionalidade formal das leis estaduais, diante da inexistência da Lei Complementar Federal, quando impugnadas, como se observa do caso paradigma, já tinha ocorrido efetivamente a criação do Município que assumiu existência de fato, com eleição de seus respectivos representantes do Executivo e Legislativo, elaboração de leis, atos administrativos e várias relações jurídicas por ele firmadas. Decidiu-se que o princípio da segurança jurídica prospera em benefício da preservação do Município, face o princípio da continuidade do Estado.

Assim, declarou-se a inconstitucionalidade das respectivas leis estadual sem

463

STF – Tribunal Pleno – ADI 2240/BA. Rel. Min. Eros Grau, j. em 09.05.2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=474616. Acesso em: 27 out. 2013.

464

STF – Tribunal Pleno – ADI 3689-1/PA. Rel. Min. Eros Grau, j. em 10.05.2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=469708. Acesso em: 27 out. 2013.

465

STF – Tribunal Pleno – ADI 3489-8/SC. Rel. Min. Eros Grau, j. em 09.05.2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=474624. Acesso em: 27 out. 2013.

466

STF – Tribunal Pleno – ADI 3316-6/MT. Rel. Min. Eros Grau, j. em 09.05.2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=469700. Acesso em: 27 out. 2013.

467

STF – Tribunal Pleno – ADI 3682-3/MT. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 09.05.2007. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=485460. Acesso em: 27 out. 2013.

pronúncia de nulidade, pelo prazo de 24 meses. A fixação desse prazo levou em consideração que já havia decisão daquela Corte no MI nº 725, em que foi determinado que o Congresso Nacional editasse a Lei Complementar Federal referida no § 4º, do art. 18, no prazo de dezoito meses, devendo ainda reconhecer a existência consolidada dos Municípios criados ou modificados.

Duas questões podem ser extraídas desse julgamento. A primeira delas diz respeito à natureza da decisão, considerando as distinções traçadas no capítulo 2468

. O Supremo Tribunal Federal expressamente declara a norma inconstitucional sem pronúncia de nulidade, ao tempo em que conclama o legislador para suprir sua omissão e editar a Lei Complementar Federal, condição, a partir de 1996, para qualquer criação ou modificação dos Municípios. Considerou-se, neste trabalho, que a decisão apelativa propriamente dita seria apenas a que implique juízo de rejeição de inconstitucionalidade, bem como que o apelo ao legislador pode ocorrer em outros tipos de sentença, sem que isso modifique sua natureza. Trata-se, então, do caso em análise, pois efetivamente foi detectada a inconstitucionalidade atual, apesar de diferir seu efeito para outro momento, a fim de que haja tempo hábil para o legislador, até então omisso, disciplinar a matéria.

A outra questão é referente à efetiva utilidade do apelo judicial ao legislador, como critica, em 2012, Álvaro Ricardo de Souza Cruz, por tal decisão ter criado o primeiro “Município putativo” do Brasil e não ter alcançado seu objetivo, uma vez que, apesar do prazo de dois anos, passaram-se cerca de cinco anos e não tinha havido a efetiva disciplina sobre a matéria469

.

No prazo determinado, de fato, limitou-se o legislador a promulgar uma Emenda Constitucional nº 57/2008, restrita à convalidação de todos os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramentos de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos da respectiva legislação estadual à época470

. Aliás, comando que também integra o acórdão, quando determinou que o legislador deveria reconhecer a existência consolidada dos Municípios criados ou modificados e, nessa medida, foi atendido.

468

Ver item 2.3.3 e 2.3.4.

469

CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza; MEYER, Emílio Peluso Neder; RODRIGUES, Eder Bomfim. Desafios

contemporâneos do controle de constitucionalidade no Brasil. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012. p. 38-

43.

470

Emenda Constitucional nº 57, de 18 de dezembro de 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc/emc57.htm. Acesso em: 30 jan.2015.

O Supremo Tribunal Federal também já teve oportunidade de se manifestar sobre a matéria, em 2014, na ADI 4992/RO471

, diante da Lei do Estado de Rondônia nº 2.264/2010 que criou o Município de Extrema de Rondônia, posterior inclusive ao período previsto na EC nº 57/2008.

Destaca-se do voto do relator a existência de dezenas de projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional, desde 1996, inclusive com aprovação de um deles, vetado, em 2003, pelo Presidente da República472

. Acrescenta ainda que a modulação pro futuro adotada nos casos acima não mais encontra guarida, por entender que a EC nº 57/2008 tornou clara a proibição da criação de novas municipalidades até o advento da Lei Complementar Federal473

. Finaliza, citando várias ações em que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade das leis estaduais instituidoras de novos municípios após a EC nº 15/96474

, inclusive com a concessão de medida cautelar para suspender a vigência da lei impugnada475

.

Registra-se que, em agosto de 2014, houve mais um Projeto de Lei sobre a matéria aprovado, mas também vetado integralmente pela Presidente da República476

, o que, de certa forma, demonstra uma mudança do cenário de omissão do legislador, que dormitava com dezenas de projetos de lei, mas, posteriormente, ao menos dois deles foram aprovados, mas vetadas integralmente pelo Presidente da República sem que tivesse sido derrubado.

Diante desse cenário complexo, o maior risco seria a perpetuação de contínuas modulações pro futuro todas as vezes em que o legislador estadual pretendesse criar novos municípios, sem a observância da autorização por Lei Complementar Federal imposta no art. 18, § 4º, da Constituição Federal, a partir da Emenda Constitucional nº 15/96, pois sempre haveria consolidação da situação fática. Se assim ocorresse, de fato, haveria uma inversão da lógica, passando a modulação a ser a regra.

Além da materialização da falta de interesse na autorização da criação de novos municípios, seja pela EC nº 57/2008, seja pelos vetos aos projetos de lei aprovados, numa

471

STF – Tribunal Pleno – ADI 4992/RO. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 11.09.2014. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=7207856. Acesso em: 10 jun. 2016.

472

Voto do relator, p. 9 do acórdão.

473

Voto do relator, p. 9-10 do acórdão.

474

Voto do relator, p. 10-11 do acórdão.

475

STF – Tribunal Pleno – ADI 4992 MC/RO. Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 26.06.2013. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5265763. Acesso em: 10 jun. 2016.

476

Mensagem nº 250, de 26 de agosto de 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/2014/Msg/Vet/VET-250.htm. Acesso em: 10 jun.2016.

comparação do paradigma da Bahia e o julgamento mais recente, observa-se uma atuação mais célere neste último, com a imediata suspensão da Lei impugnada, evitando-se a consolidação de atos que pudessem justificar uma modulação posterior. O decurso de mais de seis anos naquele primeiro caso foi o principal fator a ensejar a modulação dos efeitos, que não existiria se tivesse sido concedida liminar para suspender os efeitos do município então recém-criado.