• Nenhum resultado encontrado

Apontamentos do contexto social, político e econômico de SP, PR e RN

Escolarização e analfabetismo em documentos oficiais

2.1 Apontamentos do contexto social, político e econômico de SP, PR e RN

Comumente referido como país essencialmente agrícola na Primeira República, o Brasil precisava produzir cada vez mais produtos de consumo suscetíveis de obter mercados externos. Nesse contexto — diz Sodré —, ascendeu o café, graças à grande disponibilidade de terras, às exigências monetárias fracas e à elevação dos preços no mercado mundial. Produto-chave da exportação, era produzido pela oligarquia latifundiária, que não só predominou na Primeira República, assim como se endividou externamente. A produção seguia “[...] uma economia dependente, cuja dependência ficava definida, através dos seguintes fatores: concentração da produção em produtos primários, destinados a mercados externos”;232 também dependia da importação de manufaturados, além de tender acentuadamente à política de empréstimos para saldar contas comerciais externas oriundas de deficit na balança de trocas. Economicamente dominante, a força do café se manifestava, por exemplo, no poder político, isto é, nos mecanismos de manutenção e continuidade de privilégios.

S Ã O P A U L O . Dos três estados aqui considerados, SP ostentava índices mais elevados de desenvolvimento social, econômico e político. Localizado ao sul da região Sudeste, o estado se limita com Minas Gerais ao norte e nordeste, Paraná ao sul, Rio de Janeiro ao norte e Mato Grosso do Sul ao oeste, além do oceano Atlântico a sudeste. Dos 248.808 quilômetros quadrados de área (2,91% do país), 4.971,0469 são de perímetro urbano. Durante a Primeira República, a população cresceu significativamente (TAB. 1).

TABELA 1

Crescimento populacional de São Paulo — 1890–1930233

A N O M U N IC ÍP IO D E S Ã O P A U L O R E G IÃ O M E TR O P O L IT A N A E S T AD O

População Taxa234 de

crescimento* População crescimento Taxa de População crescimento Taxa de 1890 64.934 14,0% — — 1.384.753 5,1% 1900 239.820 4,5% — — 2.282.279 3,6% 1920 579.033 4,2% — — 4.592.188 2,3%

232 SODRÉ, Nelson W. Brasil. Radiografia de um modelo. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 46–8. 233 Fonte: dados advindos de BRASI L. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/IBGE . Censos

demográficos 1 8 9 0 – 1 9 2 0. Disponível em:

<http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/tabelas/pop_brasil.php. Acesso em: 12 jan. 2012.

*Taxa de crescimento geográfico anual

Entre 1889 e 1930, a cidade de São Paulo passou de centro regional a metrópole nacional, sobretudo via industrialização. Em 1928, sua população atingiu um milhão de habitantes. O crescimento maior ocorreu nos anos 1890, quando sua população dobrou. Com o crescimento econômico e populacional, estavam implicadas a política café com leite e a imigração de europeus e asiáticos. No fim do século, o estado liderava a produção e exportação cafeeira. Os cafeicultores do oeste estavam politicamente organizados no Partido Republicano Paulista, de tendências ideológicas diversas, pois eram distintos os motivos que levavam seus integrantes a engrossar as fileiras republicanas; assim como era diferente o modo como pensavam em conduzir o fim da monarquia e estabelecer o regime republicano.

A liderança econômica e política “[...] repercutiu também no campo educacional. Como potência da produção e exportação de café, SP desenvolveu sua educação mediante uma legislação para o processo de institucionalização da escola primária pública graduada e não graduada. “O investimento público na difusão e modernização do ensino primário e normal tornou o ‘aparelho escolar’ de São Paulo uma referencia nacional”;235 a tal ponto que, na Primeira República, o estado “exportou” o grupo escolar para estados como o PR.

P A R A N Á . Nesse estado, a República apresentou uma situação diferenciada na organização política da província, que passou condição de estado em 17 de novembro de 1889.236 A população no início da colonização incluía originários de grupos distintos de imigrantes que rumaram para o Sul, sobretudo poloneses, holandeses e italianos. Negros e mulatos — diz Maria Cristina G. Machado e Cristiane Silva Melo —“[...] constituíam-se em um número reduzido em função de o Paraná ter sido elevado à categoria de Província independente da Província de São Paulo em 1853, após a proibição do tráfico de escravos”.237

A economia nos primórdios da proclamação da República se fundamentava no trabalho agrícola, sobretudo a extração de erva-mate.238 Como matéria-prima de um processo elementar de industrialização, ela embasou a economia do estado até os anos 20, mesmo ante a concorrência com o Paraguai, segundo diz Ruy Christovam Wachowicz.

235 SOUZA, 2012, p. 28.

236 CAMARGO, João B. de. História do Paraná: a República — 1889–2002. Maringá: Maranata, 2006, p. 21. 237 M ACHADO, Maria C. G.; ME LO, Cristiane S. A educação na legislação paranaense: a organização do

ensino primário no período de 1899–1900. Disponível em:

<http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe6/conteudo/file/1233.doc>. Acesso em: 27 mar. 2012, p. 2.

238 Nativa das florestas regionais, a erva-mate passou a ser consumida bebida pelos índios paranaenses. Como

estes lhe atribuíam o poder de descontrolar as emoções, os jesuítas a chamaram de erva do diabo e proibiram seu consumo. W ACHOWI CZ, Ruy C. História do Paraná. 2. ed. Ponta Grossa: ed. UEPG, 2010, p. 154–6.

A exploração do mate fez surgir no Paraná um certo bem-estar e confiança no futuro, chegando a formar no interior uma classe média, composta de produtores, os quais, devido à posição conquistada na sociedade, vão exercer forte influencia na política local. No início da industrialização do produto, a mão de obra utilizada era predominantemente escrava. Mais tarde, com a chegada de numerosos contingentes imigratórios e a complexidade crescente de sua industrialização, passou-se a exigir nas fábricas a presença de indivíduos alfabetizados. Desta forma, a mão de obra livre acabou substituindo a escrava nesse ramo da produção.239

O primeiro governo republicano paranaense criou escolas e cadeiras de instrução primária. “Embora houvesse no Estado, nos anos finais do período provincial, um aumento significativo no número de escolas primárias, tal quantidade ainda apresentava-se pouco suficiente para o atendimento de extensa parcela da população.”240 Esse nível educacional era alvo de investimentos dos governos estaduais, isto é, de um movimento que enfrentava dificuldades de ordem nacional para educar com qualidade toda a população; e a ele subjaziam não só a circulação de ideias sobre instrução pública em solo paranaense — em especial a resolução do problema do analfabetismo; mas também a disseminação de ideais de civilidade e progresso e de ampliação e reorganização do ensino.

Mais que instrução pública apta a suprir a demanda da população em idade escolar — sobretudo com a intensificação da urbanização e o aumento populacional —, era preciso pensar em alternativas para civilizar as crianças a fim de que se tornassem cidadãs. Eis por que cabe dizer que a escolarização era componente-chave não só do desenvolvimento social, mas também da consolidação de uma ideia de cidadania, sem falar da assimilação cultural entre imigrantes e da preparação para o trabalho. Schelbauer endossa essas ideias:

A escola passa a ser vista como a instituição responsável pela formação do sentimento de cidadania necessário para colocar o País rumo ao progresso e a consolidação de democracia, nos moldes dos países civilizados. Pois, se antes, numa visão quase consensual dos homens da época, o atraso em que o País se encontrava era atribuído à escravidão, com a sua abolição definitiva, esse passa a ser atribuído à educação, por não cumprir ou cumprir precariamente seu papel social.241

No início da federalização — Salienta Oliveira —, o PR “Contou com variada legislação de ensino, com o objetivo de difundir as escolas primárias”,242 pois a educação fora objeto de preocupação de vários governadores na Primeira República. A precariedade da instrução permeou relatórios ministeriais, discursos parlamentares, falas de educadores e a

239 WACHOWI CZ, 2010, p. 56. 240 M ACHADO; ME LO, 20 12.

241 SCHE LB AUE R, Analete R. Idéias que não se realizam: o debate sobre a educação do povo no Brasil de

1870 a 1914. Maringá: ed. UEM, 1998, p. 64.

242 OLIVEI RA, Maria Cecília M de. Ensino primário no Paraná durante a Primeira República. 1994. 310 f.

imprensa. Via-se a padronização e divulgação do ensino como condição de ordem, integridade nacional, civilização e desenvolvimento, que pressupunham formar as classes populares: ofertar o máximo possível de instrução ao máximo possível de pessoas em condições de recebê-la. Esse desejo fortalecia a noção de educação como amenização das dificuldades sociais — embora parcial, mas relevante.

R I O G R A N D E D O N O R T E . Após a declaração de independência do Brasil, em 1822, o RN se tornou província. Em 15 de novembro de 1889, o país adotou o regime político republicano, e essa província se tornou estado, cujo primeiro governador — Pedro de Albuquerque Maranhão — fora nomeado em 19 de novembro e cujos limites têm o oceano Atlântico ao norte e a leste; a Paraíba ao sul e o Ceará a oeste. Dividido em 167 municípios, tem superfície de 52.796,791 quilômetros quadrados; ou seja, ocupa 3,42% do território nordestino e 0,62% do brasileiro. O desenvolvimento da capital, Natal, seguiu o rio Potengi, cujas margens abrigavam o

Cais do Porto e a Estrada de Ferro, os armazéns de compra e venda de açúcar e algodão para exportação e o Palácio do Governo, com a instalação de incipientes indústrias, escritórios de firmas inglesas e americanas, bancos e hotéis, ainda no Império, o foco de desenvolvimento muda-se para a Cidade Alta, como é ainda conhecida.243

Com essa localização geográfica — um vértice da América do Sul —, o RN é uma das “esquinas” do continente, além de ser a porção brasileira mais próxima da Europa e da África. Não por acaso navios de rotas internacionais atracaram periodicamente no porto de Natal para se reabastecerem de água potável, trazendo novidades dos grandes centros europeus em forma de impressos, dentre outros artefatos que suscitavam a curiosidade e o interesse. Alguns navios trouxeram portugueses; outros, africanos. Da França e da Holanda, trouxeram invasores.244

A origem do povo potiguar está na união entre negros, portugueses e indígenas. Lusitanos e ameríndios se concentraram na capital, enquanto o interior recebeu acentuadamente os holandeses. Além disso, muitas pessoas de outros estados se mudaram para o RN, sobretudo gente de áreas da fronteira com a Paraíba. (A tabela a seguir resume o aumento da população, recenseada desde 1890.) No início da colonização, “[...] o povoamento do Sertão foi feito por sesmeiros no século XVII, com base na concessão das terras onde instalaram suas fazendas de gado”.245

243 PINHEI RO, Rosa A. Educação e modernização em Henrique Cipriano Natal: ed. UFRN, 2005, p. 75–6. 244 LYRA, Tavares de. História do Rio Grande do Norte. 3. ed. Natal: ed. UFRN, 2008, p. 67.

Após findar a subordinação ao governo da Bahia, o RN passou a se subordinar à capitania de Pernambuco. No início do século XX, o estado adotou medidas de grandes centros avançados para reformular seu espaço urbano. “[...] o crescimento demográfico demandava urbanização, higienização e disciplinamento da cidade.”246

Em 1909, o sistema bancário se firmou na capital, para suprir a demanda de uma economia movida pela produção agrícola, pecuária e pesqueira. A cana-de-açúcar, sobretudo, alimentava o setor industrial — leiam-se engenhos produtores de açúcar mascavo e aguardente. “Os engenhos de Cunhaú e Ferreiro Torto eram os primeiros lugares para onde iam os escravos vindos de Pernambuco”,247 dos quais muitos iam para outros engenhos e alguns fugiam rumo ao interior, onde se tornavam vaqueiros, contadores aclamados e meeiros da produção. Havia ainda a indústria têxtil, alimentada pelos descaroçadores de algodão. Ainda assim, o setor industrial era pouco relevante na economia potiguar, como noutros estados; mas era mais relevante que o do Piauí e do Maranhão.

De 1889 a 1930, o estado ficou sob o jugo da oligarquia: consolidou-se em meio a uma sociedade que entrava no capitalismo urbano-industrial sem um poder central e com “[...] um ordenamento político cultural nacional, com a implantação de um universo cognitivo modernizante, que, em última instância, no projeto republicano libertaria o Brasil de seus resquícios rurais e coloniais”.248 A representação política estava nos partidos liberal e conservador. Como nenhum tinha unidade ideológica interna, as divergências abriam a guarda a campanhas contra a monarquia, como a dos jornais A Gazeta de Natal — contrapropaganda para conservadores — e Correio de Natal — contrapropaganda para liberais.

TABELA 2

Crescimento populacional do Rio Grande do Norte

(1890–1920)249 CE NSO POPULAÇÃO 1890 268.273 1900 274.317 1920 537.135 246 PINHEI RO, 2005, p. 75. 247 PINHEI RO, 2005, p. 74. 248 PINHEI RO, 2005, p. 74.

249 Fonte: IBGE . Censo demográfico do Rio Grande do Norte, 1890–1940. Tabela 1.4 População nos censos

demográficos de 1872/2000, segundo as grandes regiões e as unidades da federação. Disponível em:

<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/sinopse_preliminar/Censo2000sinopse.pdf>. Acesso em: 1º fev. 2012.

Assim como SP e PR, o RN buscava ampliar a instrução do povo, mas ainda seguia o regulamento 32, de 11 de janeiro de 1887, que regia a Diretoria Geral da Instrução Pública. Uma medida imediata foi institucionalizar a escola primária transformando-a em matéria constitucional.