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Diferenças e similitudes na organização da escola primária

3.1 Escolas primárias paulistas

3.1.2 Grupos escolares

Em 26 de julho de 1894,423 o decreto estadual 248 formalizou o surgimento dos grupos escolares, em São Paulo. O art. 81 diz que, onde, “[...] em virtude de densidade da população, houver mais de uma escola no raio fixado para a obrigatoriedade [...]”, as autoridades encarregadas poderiam fazer funcionar, “[...] em um só prédio para esse fim construído ou adaptado [...], o ‘Grupo Escolar’”. Segundo Antunha, esta foi “[...] a criação mais feliz de toda a reforma do ensino”.424 O decreto ainda classificou as outras escolas preliminares, no art. 14: “[...] cada escola, conforme sua categoria terá uma tabuleta com um dos seguintes dísticos em letras legíveis à distancia: Escola pública para meninos. Escola pública para meninas. Escola pública mista”. Também determinou “[...] os dois tipos principais de estabelecimento de ensino, a escola isolada e o grupo escolar, que constituirão até os nossos dias a base de nosso sistema de educação primária”.425

Mensagem do presidente Bernardino Campos diz que:

A prática confirma a grande utilidade da reunião das escolas em um só prédio com as devidas acomodações, móveis, utensílios e livros subordinados ao mesmo regime, sob zelosa direção, divididos os alunos em classes, segundo a aptidão e capacidade, e correlativamente aproveitada á cooperação dos professores. Por isso tem sido reunidas escolas em grupos em muitos municípios do Estado. Não podendo desde logo levar o melhoramento a todos, têm o Governo operado dentro das verbas do orçamento, atendendo as Câmaras que se mostram compenetradas da vantagem da instituição, dispostas a apresentar-lhe auxílios, oferecendo prédios apropriados ou contribuindo com parte da soma precisa para a construção; conforma-se assim a administração com o preceito legal e espera ver dentro em pouco transformado o ensino público em todo o Estado, segundo a melhor orientação.426

A concretização dos grupos escolares, como salienta a mensagem, ganhou centralidade, a ponto de ser conformada, já nos ordenamentos da lei 169, de 7 de agosto de 1893, como local específico e adequado a uma educação, também, específica. Segundo mensagem de Francisco de Paula Rodrigues, “[...] continuavam a produzir magníficos resultados, o número crescente de alunos que todos os anos concorrem à sua matrícula e o empenho louvável com que os poderes municipais solicitam a instalação de novos grupos provam sua excelência”.427

423 SÃO P AULO. Coleção de leis e decretos. Arquivo Público, 1894, p. 183. 424 ANT UNHA, 1976, p. 65.

425 ANT UNHA, 1976, p. 65.

426 SÃO P AULO. Congresso Legislativo. Mensagem do presidente Bernardino de Campos de 7 de abril de

1 8 9 5. Disponível em: <http://www.crl.edu.brazil.br>. Acesso em: 25 abr. 2010, p. 43.

427 SÃO P AULO. Congresso Legislativo. Mensagem do presidente Francisco de Paula Rodrigues Alves de 7

Em 1900, o governo recebeu oferta de prédios de municípios e auxílios de particulares para instalar 11 grupos escolares. Mensagem428 de 1901 deixa entrever a contribuição do poder público ao subvencionar a instalação deles nos municípios. Das 2.558 escolas criadas, 534 eram providas e atendiam 15.551 alunos. Subjacente a esses números estava a transferência de escolas provisórias — 547 — para as câmaras municipais por força da lei 686, de 16 de setembro de 1899. Os 11 grupos absorveram as escolas isoladas locais. Em 1902, surgiram mais 6. Agora, somavam 58, quase o dobro do que havia em 1896, 29. Em mensagem, o presidente Fernando Prestes de Albuquerque disse que 1.156 escolas estavam providas em 1899 e com frequência média de 22.671 alunos de ambos os sexos. “Foi suspenso o exercício de 82 escolas por falta de freqüência legal; pelo mesmo motivo foram dissolvidos os grupos escolares de Ubatuba, Cananéia, Bananal e S. José dos Campos, que não correspondiam aos sacrifícios feitos pelo Estado com a sua manutenção.”429

Quanto à constituição do trabalho pedagógico nos grupos escolares e implantação desse modelo de escola, Saviani esclarece que

[...] por um lado a graduação do ensino levava a uma mais eficiente divisão do trabalho escolar ao formar classes com alunos do mesmo nível de aprendizagem430

[...] E essa homogeneização do ensino possibilita um melhor rendimento escolar. Mas por outro lado, essa forma de organização conduzia, também, a mais refinados mecanismos de seleção, com altos padrões de exigência escolar.431

No âmbito das instituições escolares, a formação ou reunião de escolas ou grupos se apresentou como indicador da modernização educacional nacional e paulista. Os grupos apresentavam as características da escola graduada,432 isto é, de uma nova organização da escola tida como mais eficiente para selecionar e formar a elite — não só paulista, mas também paranaense e potiguar. Segundo Costa,

428 SÃO P AULO,1901. Disponível em: <http://www.crl.edu.brazil.br>. Acesso em: 25 abr. 2010, p. 17. 429 SÃO P AULO, 1899, p. 7.

430SAVIANI,Dermeval. História das idéias pedagógicas no Brasil. 2. ed. Campinas: Autores Associados, 2008, p. 175. 431 SAVI ANI, 2008, p. 175.

432 Para dirimir possíveis dúvidas, cabe diferenciar graduação escolar de escola graduada: a graduação é pré-

implantação dos sistemas nacionais de ensino e alude à segmentação vertical do sistema escolar em cursos, níveis, classe, seção ou divisão — cf. FRAGO, A. Viñao. Fracasan las reformas educativas. La resposta de um historiador. Revista Brasileira da História da Educação. A educação no Brasil: história e historiografia. Campinas: São Paulo: SBHE, 2001. (Coleção Memória da Educação). Sistemas educativos, culturas escolares y

reformas: continuidades y cãmbios, Madrid: Closas–Orcoyen. A escola graduada é um modelo organizativo nos

moldes dos colégios de ensino secundário (com vários professores e um diretor) para difundir o ensino primário público — cf. SOUZA, 2009.

A reunião das escolas isoladas em um mesmo período, subordinadas a um só regime, sob uma única direção, divididos os alunos em classes, segundo o adiantamento, e correlatamente aproveitada a cooperação dos professores, revela-se, na pratica, de indiscutível utilidade na organização e expansão do ensino primário, e representava um progresso extraordinário em relação ás escolas isoladas.433

Tidos como inovação educacional e expansão da escola primária, os grupos escolares dão uma medida de sua ampliação pela desaceleração da criação de escolas isoladas — vistas como símbolo de um passado a ser ultrapassado, senão esquecido. Também moldaram práticas e criaram símbolos escolares e afirmaram uma forma escolar que devia começar pela produção de um lugar mais apropriado. Um lugar para a educação; para o grupo escolar como “instrumento” do progresso e de mudança; como aparelho propulsor da transformação. Segundo Faria Filho:

Os grupos escolares e seu processo de organização significavam, portanto, não apenas uma nova forma de organizar a educação, mas fundamentalmente, uma estratégia de atuação no campo do educativo escolar, moldando práticas, legitimando competências, propondo metodologias, enfim, impondo uma outra prática pedagógica e social dos profissionais do ensino através da produção e divulgação de novas representações escolares.434

Faria Filho aponta a criação dos grupos escolares como nova reorganização da educação primária, algo que se encaixava no desenvolvimento, na estratégia, na forma e no conteúdo da instrução pública. Daí a importância de correlacionar informações sobre sua disseminação e mostrar sua consolidação via matrícula, pois tais grupos passaram não só a abarcar uma maioria expressiva de crianças em idade escolar, mas ainda a se expandir: em 1896, havia 29; em 1899, 32; em 1920, 195; em 1924, 200; em 1929, 297 (10,24 vezes mais que em 1896). Convém esclarecer que, durante a vigência da lei 1.750, o ritmo de criação de grupos escolares foi de cinco unidades em quatro anos. A matrícula atingiu os menores números na década de 20: no ano de 1920, somavam 120.527; em 1921, 115.614 (diferença porcentual de –4,24% de um ano para outro); em 1922, 113.212 (queda de –2,12%); em 1923, 93.716 (queda de 20,80%). A Tabela 15 mostra a queda como constante durante a implantação da lei 1.750.

433 COST A, 1983, p. 117.

TABELA 15

Matrículas no curso primário de São Paulo (1909–29)435

A N O E S C O LA S E S T AD U A IS E S C O LA S M U N IC IP A IS E S C O LA S P AR T IC U LA R E S 1909 80.469 13.561 28.648 1910 99.203 10.178436 36.786 1918 167.989 12.464 61.369 1919 254.109437 15.246 69.318 1924 248.493438 11.593 68.061 1925 275.013439 12.638 51.004 1926 280.697 12.308 51.974 1927 292.415 11.284 61.705 1928440 345.490 11.430 77.682 1929 388.418 15.702 92.484

Segundo Antunha, “[...] na verdade os grupos escolares foram os estabelecimentos que maiores modificações sofreram com a Reforma. [...] profundas mudanças em sua própria organização”.441 A reforma não só determinou a idade escolar obrigatória de 9–10 anos, mas também deu pouco tempo para que os grupos se ajustassem às exigências da lei, reduziu o tempo do curso primário para dois anos e transformou classes de 3º e 4° anos em classes de curso médio. O período 1921–4 na tabela anterior mostra interrupção na criação de grupos escolares e redução do número de matrículas no curso preliminar de 1° e 2° anos. Ainda 1925, após o decreto 3.858, de 11 de junho,442 houve outra reforma: da lei 2.095, de 24 de dezembro; embora aprovasse esse decreto, retomou o crescimento dos grupos escolares e de suas matrículas.

O crescimento de matrículas nos grupos escolares justificava a política educacional, como se lê em mensagem do presidente Domingos Corrêa de Moraes: “As escolas públicas do Estado tem funcionado regularmente. Atendendo às necessidades mais imperiosas do ensino o Governo mandou instalar durante o período que relato, seis novos grupos escolares”.443 As matrículas e os grupos aumentaram de novo entre 1924 e 1929: de 110.951 passaram a

435 Fonte: dados advindos de mensagens dos presidentes de São Paulo — 1890–1930. Disponíveis em:

<http://www.crl.edu.brazil.br>.

436 Para os dados referentes às escolas municipais e particulares, ver: COSTA, 1983, p. 72.

437 SÃO P AULO. Mensagem do presidente Washington Luis Pereira de Sousa 14 de julho de 1920.

Disponíveis em: <http://www.crl.edu.brazil.br>. Acesso em: 25 abr. 2010, p. 56.

438 SÃO P AULO, 1927, p. 11. 439 SÃO P AULO, 1927, p.12. 440 SÃO P AULO, 1930, p. 209–10. 441 ANT UNHA, 1976, p. 193.

442 SÃO P AULO. Decreto 3.858, de 11 de junho de 1925. Disponível em:

<http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/1925%20n.3.858.%2011.06.1925.htm>. Acesso em: 27 mar. 2012.

443 SÃO P AULO. Congresso Legislativo. Mensagem do presidente Domingos Corrêa de Moraes de 1º de julho

162.750 em 1925 — 31,82% de crescimento ante o total de matriculados de 1899: 10.469. Em 1929, essa diferença sobe a 94,52%. Para Antunha, a “[...] nova legislação [...] [e] a criação de numerosos grupos escolares, com um grande aumento de classes e das matrículas”, contribuíram para a situação de 1925.444