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Estado, federalismo e educação: princípios da organização política educacional

1.3 Brasil republicano

1.3.3 Federalismo no Brasil

Também aqui a etimologia pode ser útil para compreender o sentido de federação e federalismo. Segundo Carlos Roberto Jamil Cury, “[...] Federação provém do latim foedus-

eris,109 que significa contrato, aliança, união ato de unir-se por aliança e também se fiar,

confiar-se, acreditar”.110 Se assim o for, a definição de federação movimenta a ideia de agrupamento de estados soberanos para defesa e ataque sem que a União disponha de poderes autônomos sobre cidadãos soberanos. No caso de federalismo — esclarece Ivo Coser —, a

107 FAUST O, 2004, p. 196.

108 A aliança se refere a acordo feito entre Minas Gerais e São Paulo para se manterem no poder; em suma,

tratava-se de sempre elegerem um político de cada estado. Tal acordo se respaldava em forças sociais que se “[...] compõem das diversas oligarquias regionais, onde a oligarquia paulista exerce uma função hegemônica, a partir da aliança básica com a oligarquia mineira. Os atritos ocorrem seja nas relações entre os dois grandes aliados e as oligarquias de segunda grandeza, seja no interior da própria aliança. Afinal, a crise de hegemonia no fim dos anos vinte se abre sob forma de um desajuste entre SP e MG, cujo alcance se trata ainda de definir em toda sua extensão. Por sua vez, a dependência não é sinônimo de submissão ao pólo externo”. FAUST O, 2004, p. 195.

109 Não confundir com foedus, a, um, que significa sujo, fedido, malcheiroso. CURY, C. R. J. A questão

federativa e a educação escolar. In: OLI VEI RA, R. P.; SANT ANA, W. (Org.). Educação e federalismo no

Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: UNE SCO, 2010, p. 152.

etimologia “[...] também aponta para a aliança de Estados independentes”.111 Se o Estado federal tem características que o distinguem de outros tipos de Estado, devemos presumir que apresente certo caráter federal aos comportamentos de quem vive nesse Estado.

Nessa lógica, no pensamento político no Brasil,

[...] entendia[-se] a idéia de federalismo como arranjo constitucional no qual as províncias poderiam velar pelos seus interesses. [...]. A idéia de que o federalismo era um arranjo institucional, que permitia às províncias cuidarem dos seus “negócios internos” está na raiz do movimento republicano que eclodiu na província do Rio Grande do Sul. No cerne desse movimento, estão a situação econômica da província e a instalação com a centralização de poderes nas mãos do presidente da província, nomeado pelo poder central.112

Como se lê, a ideia de federação supunha autonomia das províncias para administrar assuntos internos como o controle de impostos. Esse pensamento federalista via a descentralização como favorável ao clima de competição entre as províncias, o que, em certos limites, poderia traduzir um elemento de progresso. A questão federativa — salienta Cury — “[...] sempre esteve na linha de frente dos debates [...]”; mais que isso, impôs-se “[...] antes mesmo da transição da cultura centralizada e centralista da Monarquia para a descentralização federativa da República”.113 Do ponto de vista educacional na descentralização da reforma do Estado, a trajetória histórica retrata uma transição de cultura que o Império via como unitária e centralizadora e que a República legitima como descentralização federada. No dizer de Cury, em sua organização política, o Estado pode assumir várias formas de se fazer presente em seu território como “[...] guardião dos interesses maiores e gerais, acima das dimensões privadas e dos interesses particulares”.114

A federação se fez presente na história com os anseios de republicanos como Rui Barbosa em intervenção na constituinte: daí certa forma de entender a questão federativa naquele momento à luz da Constituição de 1891, cujo art. 1° foi emendado quando o governo publicou o decreto 510, de 22/6/1890.115 Do ponto de vista legal, a nação deveria adotar a República federativa como forma de governo — proclamado pelo decreto 1, de 15 de novembro de 1889 — e que se constitui “[...] por união perpétua e indissolúvel das suas

111 COSE R, I. Federal/federalismo. FE RE S JÚNIOR, J. (Org.). Léxico da história dos conceitos políticos do

Brasil. Belo Horizonte: ed. UFM G, 2009, p. 98.

112 COSE R, 2009, p. 108–9.

113 CURY, C. R. J. Legislação educacional brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002, p. 46.

114 CURY, C. R. J. República, educação, cidadania: tensões e conflitos. Cadernos de História da Educação,

Uberlândia, v. 9, n. 1, jan./jun. 2010, p. 32. Disponível em:

<http://www.seer.ufu.br/index.php/che/article/viewFile/7450/4780>. Acesso em: 12 fev. 2 012.

115 CURY, C. R. J. Cidadania republicana e educação: governo provisório do mal. Deodoro e congresso

antigas províncias, em Estados Unidos do Brazil”.116 A Constituição assinalava o desejo de dominar e ter o poder, que passou a ter nova nomenclatura, pelo art. 1°, que se refere à nação brasileira, a um novo contexto, à instância a que foi dada mais autonomia sob os auspícios do povo, que validou tal poder básico. Conforme Benedito Silva,117 estabelecia-se um Estado nacional que adotava República federativa como sistema de governo; noutros termos, por meio de seus constituintes, o Brasil homologava e legitimava a República. Eis por que há quem diga que os “[...] estados membros [da federação] são sucessores das províncias imperiais e estas, das capitanias hereditárias instituídas por D. João III para colonizar, por meio de uma administração descentralizada, o imenso território sob seu domínio”.118

Segundo Amaro Cavalcanti, a nação passava subitamente do Estado simples, unitário, monárquico em que se achava organizada, “havia mais de dois terços do século, e funcionando sob o regime parlamentar, para o sistema composto, e o mais descentralizado de todos: o Estado-Federal ou a República federativa presidencial”.119

Transitar, assim, de um processo de cultura centralizadora e centralista para um momento de descentralização federada impôs aos estados adquirirem, promoverem e criarem uma cultura federada. Esse processo foi de encontro ao poder da União. Segundo Coser:

[...] federalismo apresenta-se como um sistema de governo no qual o poder é dividido entre o governo central (a União) e os governos regionais. O federalismo é definido, na sua acepção positiva, como um meio termo entre um governo unitário, com os poderes exclusivamente concentrados na União.120

Na federação, o governo central tem poder sobre os cidadãos de cada estado que compõem a União. Mas essa ação não foi acordada pelos estados como no Estado unitário, cujo governo central federal é anterior e superior às instâncias locais e cujas relações de poder obedecem a uma lógica hierárquica e “piramidal”. As federações fortificam os princípios de autonomia dos governadores e de compartilhamento da legitimidade e do processo decisório entre entes federados do poder local estadual. “[...] na verdade, semelhante divisão não importa, de certo, uma partilha da soberania, ela envolve, e nem poderia deixar de envolver,

116 BRASI L. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, decretada e promulgada pelo Congresso

Nacional Constituinte 1891, publicação original em 24 /2/1891, p. 1.

117 SI LVA, B. (Coord.) Dicionário de ciências sociais. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas. Instituto de

Documentação, 1986, p. 470.

118 SI LVA, 1986, p. 470.

119 CAVALCANT I, Amaro. 1849–1922. Regime Federativo e a República brasileira. Brasília: ed. UnB,

1983, p. 124.

coparticipação dos Estados particulares no exercício da mesma”.121 Assim, essa perspectiva permite ver o federalismo no plural, em duas formas, segundo Duverger:

Federalismo interno, para o qual o Estado federal consiste em dar organização política aos quadros intermediários, às regiões e províncias, constituídas em verdadeiros Estados no seio do próprio Estado; federalismo internacional, que pretende agrupar Estados-nações em comunidades mais amplas.122

Consolidar a nova estrutura da República federativa demandou esforço, pois não foi a ação tranquila e simples que aparentava ser. Segundo Cury,123 a elaboração do texto final da Constituição de 1891 exigiu definir o estabelecimento — como documento oficial — da forma prescrita da redação que motivou emendas distintas, conflitos e polêmicas presentes e inseridas na constituinte que resultasse na versão final do texto (vide seu artigo 1°). Essa Carta contém disposições para reestruturar o governo sob o novo regime e prescrever a intervenção da União nos estados para, segundo o art.6º, “[...] repelir invasão estrangeira ou de um Estado em outro, manter a forma republicana federativa, restabelecer a ordem e a tranqüilidade nos Estados, à requisição dos respectivos governos; assegurar a execução das leis e sentenças federais”.124

A questão substancial concernente à organização dos estados — questão discutida por Rosa Maria Godoy Silveira125 — alude ao o Título II da Constituição de 1891. Embora esta prescreva a cada estado uma “[...] Constituição e leis próprias”, estas deveriam ser “[...] fiéis aos princípios constitucionais da União”, visíveis no artigo 63; o artigo 64, por usa vez, reservou aos estados minas e terras devolutas em seus respectivos territórios. Talvez por isso Annibal Freire da Fonseca tenha argumentado que o regime federativo republicano “[...] repousa sobre a união de coletividades organizadas politicamente, sob uma autoridade geral, com poderes também próprios, exercendo-se automaticamente, desde que não colidam com os princípios cardeais estabelecidos na Constituição Federal”.126

Como se pode deduzir, a passagem das províncias à condição de estados gerou polêmica, visto que a revolução arranjada em nome da federação apresentava um lado da situação a ser definida: a organização estadual. O modelo deu soberania à União e autonomia

121 CAVALCANT I, 1983, p. 74.

122 DUVE RGE R, M. Intitutions politiques et droit constitutionnel. In: SI LVA, 1986, p. 469. 123 CURY, 2001, p. 141–2.

124 BRASI L. Constituição federal de 1891. p. 1. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/atividade-

legislativa/legislacao/Constituicoes_Brasileiras/anteriores.html>. Acesso em: 9 jan. 2012.

125 SI LVEI RA, Rosa Maria Godoy. Republicanismo e federalismo: um estudo da implantação da República

Brasileira (1889–1902). Brasília: Senado Federal, 1978, p. 62.

126 FONSECA, Aníbal Freire. O Poder Executivo na República brasileira: biblioteca do pensamento político

aos estados, sobretudo em volta da divisão da renda dos impostos, da unidade ou dualidade da magistratura e da representação no Congresso. “[...] era clara a idéia de federação com maior autonomia dos Estados face ao que vigeu no Império, a versão jurídica que materializava esta idéia foi objeto de grandes polemicas”.127 Os protestos indicavam um anseio que ia além da mudança de monarquia — centralizadora — para a federação — autonomista; enquanto a nova organização dos estados motivava o debate sobre soberania e autonomia, que Cury apresenta no contexto em que José Hygino Pereira, aliado de Amaro Cavalcanti e até de Rui Barbosa, afirmou os estados como unidades autônomas, mas não soberanas.

José Hygino marcou posição e posição bem clara a favor de divisão de competências sob o regime de soberania nacional. Em discurso de 5/1/18 91 vai fazer a defesa da magistratura sob a forma de unidade, tal como o Governo Provisório a havia colocado no anteprojeto sem ser desfigurada pelas emendas. Para isto, o constituinte pernambucano fará importante e erudita argumentação em torno da definição da Federação, Confederação e regime unitário.128

Nesse entendimento, a federação deteria o poder soberano e os estados receberiam da União o poder autonômico, porém subordinado. Se assim o for, então seria plausível dizer que não havia uma maneira única de orientar as federações; ora, mesmo outros países federativos têm heterogeneidades históricas, daí que as soluções precisam se adequar às especificidades de cada estado federado. Numa palavra, o regime federativo pressupõe diversidade.

Segundo Willian Anderson, federalismo é um sistema político cujos princípios fundamentais supõem

Defende[r] ou estabelece[r] um governo central para todo o país e determinados governos regionais autônomos (estados, províncias, lander, cantões) para as demais unidades territoriais; distribui[r] os poderes e funções do governo entre os governos central e regionais; atribui[r] às unidades regionais um conjunto de direitos e deveres; autoriza[r] os governos de ambos os níveis a legislar, tributar e agir diretamente sobre o povo; e fornece[r vários mecanismos e procedimentos para a resolução dos conflitos e disputas entre os governos central e regionais, bem como entre duas ou mais unidades regionais.129

Como governo central, o federalismo prevê o Estado federal, que tem competência sobre os territórios da federação, e a união dos estados, a quem são distribuídos poderes, funções, competências, direitos e deveres: atributos para essenciais construir sua autonomia e constituir seu poder.

127 CURY, 2001, p. 142.

128 CURY, 2001, p. 143.

129 WILLI AN, A. Federalismo. In: SI LVA, B. (Coord.). Dicionário de ciências sociais. Rio de Janeiro:

Até aqui vimos que a federalização da República brasileira não ficou isenta de controvérsias, em meios às quais o poder municipal foi soberano, pois províncias afastadas da metrópole buscavam se emancipar, fomentadas por um anseio local que germinava no interior dos cidadãos. Imbuído de princípios liberalistas, o governante mudou as formas de distribuir a autoridade política; tal procedimento compunha a vontade de consolidar o novo regime. Como afirma Cury,

Havia que incorporar o imenso território, sobretudo os Sertões à comunhão nacional e, quando preciso, defendê-la. [...] os Sertões, mais do que um espaço geográfico consignado, tem o sentido de interior, de afastado das urbes, estes símbolos de novos comportamentos civilizados.130

Para serem bem-sucedidos, a defesa e o estabelecimento de um governo central dividido entre governos provinciais/estaduais exigiam o que Fernando Luiz Abrucio131 chama de elementos essenciais: “[...] a compatibilização entre autonomia e interdependência dos entes, o que supõe a existência de pelo menos dois níveis de governo autônomos e a necessidade de cooperação intergovernamental e de ações voltadas à integração nacional”;132 isto é, a existência de um sistema federal que difundisse o poder entre um governo comum e governos constituintes mediante um acordo que não pode ser modificado pelo processo legislativo ordinário; em segundo lugar, a garantia dos “[...] direitos federativos, por intermédio da Constituição e de sua interpretação, normalmente feita por cortes constitucionais, além de ter como objetivo a garantia da diversidade sociocultural”.133

Nessa lógica, devem-se instituir arenas institucionais que garantam aos governos federal e subnacionais três fatores: representação política, controle mútuo entre eles e espaços públicos para deliberar e negociar. Como vários problemas de ação coletiva não podem ser resolvidos por um só nível governamental — central e unitário —, a atuação desenvolvida pelo federalismo tem de ser montada para garantir a coordenação entre todos os estados territoriais. Assim, a opção pelo federalismo significava um movimento complexo do processo decisório e da legitimação, visto que crescia o número de representantes e as dificuldades. Tal conformação institucional contém potencialidades democráticas como a aproximação dos governos de suas comunidades na forma de descentralização, o respeito às

130 CURY, 2010, p. 34.

131 AB RUCI O, L. F. A dinâmica federativa da educação brasileira: diagnóstico e propostas de

aperfeiçoamento. In: OLIVEIRA, R. P.; SANT ANA. W. (Org.). Educação e federalismo no Brasil: combater as desigualdades, garantir a diversidade. Brasília: UNE SCO, 2010, p. 42.

132 AB RUCIO, 2010, p. 42. 133 AB RUCIO, 2010, p. 42.

peculiaridades de cada região e a adoção do princípio da barganha e negociação como balizador do processo político. Segundo Vitor Nunes Leal,

Se o federalismo tem como princípio básico a descentralização (política e administrativa), seria perfeitamente lógico entender a descentralização à esfera municipal. Não faltaria, aliás, na Constituinte, e ainda mais tarde, quem sustentasse que o município está para o Estado na mesma relação em que este se encontra para com a União.134

Essa passagem deixa entrever que o federalismo passa a existir na confluência de um fato político com uma circunstância econômica. Tal fato seria o federalismo republicano em lugar do centralismo imperial; ou seja, o governador de estado em lugar do presidente de Província. Homem de confiança do ministério no Império, o presidente não tinha domínio próprio — podia ser substituído a qualquer momento — nem condições de construir suas bases de poder na Província — alheio que era, muitas vezes, ao objeto de sua presidência; no máximo, podia preparar sua eleição para deputado ou senador.

Essa forma proposta de Estado poderia impor dificuldades como conciliar interesses locais (estaduais e municipais) com interesses gerais e a necessidade de coordenar esforços distintos numa mesma política. Daí a presença de “[...] dispositivos imperiais que transferiam aos Estados e municípios a responsabilidade pela educação fundamental do povo” como iniciativas do governo provisório da República, conforme esclarecem Inácio Filho e Silva.135 Como muitas vezes a dinâmica da federação mostra pouca clareza na responsabilidade dos governantes e na concorrência desmedida entre os níveis de governos, “[...] era, pois, conveniente armar o Estado dos elementos necessários para, no âmbito da administração dos municípios fazer prevalecer os interesses gerais sobre os interesses locais”.136

A federação republicana tinha como meta central repassar o poder de autogoverno aos estados, enquanto os municípios se tornavam fragilizados e dependentes dos governos estaduais, quiçá por que esse federalismo, em suas origens, tenha sido centrífugo, sem que houvesse uma proposta de nação e interdependência de outras partes. No dizer de Inácio Filho e Silva, “O federalismo, resultante da dispersão geográfica, levou ao nascimento de poderes locais, aliados à grande propriedade, fortalecendo um sistema baseado nos domínios

134 LE AL, V. N. Coronelismo, enxada e voto. O município e o regime representativo no Brasil. 3. ed. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 98.

135 INÁCI O FI LHO, G.; SI LVA, M. A. Reformas educacionais durante a Primeira República no Brasil

(1889–1930). In: SAVI ANI, D. (Org.). Estado e políticas educacionais na história da educação brasileira. Vitória: ed. UFE S, 2011, p. 228.

familiares e sociais”.137 Como se pode deduzir, a defesa da União, embora fosse “[...] atenuada pelos estados como “autônomos” e portadores de “poderes públicos” ora era taxada de saudosismo monárquico, ora era vista como caminho do “Socialismo”, regime desejado por sujeitos adjetivados de “petroleiros”.138

Nesses termos, a atribuição de mais competência, autonomia e recursos tributários aos estados supunha que, quando o federalismo aumentasse os encargos dos estados, estes não teriam como se manter, sobretudo porque a federação lhes subtrairia rendas de importação como impostos de consumo.

Defensor extremado do federalismo, Júlio de Castilhos, segundo Cury,139 além de apontar a necessidade de acompanhar os meios necessários para a despesa dos estados, indicou três soluções: 1) a União calcular “[...] sua despesa geral, dando aos Estados a incumbência de concorrerem para fazer face a Ella [...]”; 2) a União buscar “[...] seus recursos nas mesmas fontes onde os Estados forem hauril-os [...]”; 3) a União reservar “[...] para si certas fontes da receita, deixando para os Estados todas as mais”.140 Se a primeira foi tida como inoportuna e a segunda, indesejável e perigosa, a terceira foi vista como desejável e oportuna; mas, ao se unir à segunda, incluiria a possibilidade de tributação cumulativa, o que a tornaria “anárquica, antifederativa”. Daí a crítica de Castilhos à forma de distribuir a renda: “[...] a Constituinte realiza a partilha do leão, tomando para a União as fontes mais produtivas, deixando aos Estados as que menos rendem, e ainda acrescente; sobre todas as mais matérias a União e os Estados podem tributar cumulativamente”.141 Assim, se os encargos ficariam submetidos aos Estados, então restaria a terceira solução como mais apropriada.

Já Amaro Cavalcanti afirma que, uma vez elevadas à categoria de estados federados, as províncias teriam suas despesas aumentadas necessariamente; e para cobri-las o expediente ou “remédio” único, possível nas circunstâncias, “[...] seria aquinhoá-las do melhor modo, por uma nova divisão de rendas públicas, desfalcando, porventura, a própria União, cujas condições financeiras de então aparentavam, verdade seja dita, senão prosperidade, ao menos, uma certa bastança de recursos”.142

137 INÁCIO FI LHO; SI LVA, 2011, p. 227. 138 CURY, 2001, p. 151.

139 CURY, C. R. J. Cidadania, República e educação: governo provisório do mal. Deodoro e congresso

constituinte de 1890–1891. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p. 157.

140 BRAZI L. Annaes da Câmara dos Senhores Senadores. Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro: Imprensa

Nacional, 1891, p. 182–3, I vol.

141 BRAZI L, 1891, p. 185. 142 CAVALCANT I, 1983, p. 273.

No federalismo, o governo central — o Estado federal — tem competência sobre os territórios da federação e sobre a União — os estados unificados —, aos quais são distribuídos os poderes, as funções e as competências, os direitos e deveres, que constroem, assim, sua autonomia e seu poder.

Segundo Bobbio, organizar o Estado supõe enfrentar o problema da centralização — força “[...] autoritária e governativa — e da descentralização — força “[...] liberal e constitucional”.143 Com efeito, esses atributos definidores se aplicam ao contexto europeu, mas no cenário brasileiro tais categorias se estabeleceriam segundo variações peculiares, isto é, conforme características que variam de país para país e das quais se revestem os governos locais quanto à natureza de seus poderes e suas funções, à estrutura orgânica e às formas de controle a que estão sujeitos. Há, porém, um denominador comum: a função que lhes é atribuída como ferramenta de descentralização e centralização governamental — portanto, de presença do poder público em todos os rincões de cada país.

Se a centralização política assume um centro único e se faz prevalecer na esfera territorial, a descentralização possibilita a autonomia dos estados e sua independência. Mais que isso, segundo Bobbio, “[...] a descentralização implica a existência de uma pluralidade de