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Escolarização e analfabetismo em documentos oficiais

2.2 Educação e exigências constitucionais

A Constituição de 1891250 prescreveu a cada estado a organização da instrução pública primária; e o art. 35 atribuiu ao Congresso o papel de criar de instituições de ensino superior e secundário nos estados e “[...] prover a instrução secundária do Distrito Federal”, o que o nivelava aos estados-membros. O art. 72 estabeleceu que seria “[...] leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”.251 Afora tais prescrições, a Constituição não tratou de nada mais no campo da educação. Para Gonçalves Neto e Carvalho,

[...] no que se refere à educação, essa Constituição é omissa, não avançando para além da definição do caráter leigo do ensino público e da abertura da prática educativa à iniciativa particular. Completando por seu silêncio, com a transmissão aos governos estaduais da responsabilidade por organizar e gerir a instrução pública nos seus territórios.252

Se a cada estado cabia organizar sua estrutura nos assuntos de instrução, então se pode ver aí uma descentralização da tomada de decisões relativas à educação. Como diz Primitivo Moacyr, “[...] cada estado deve, a expensas próprias, promover às necessidades do seu governo e administração, só podendo a União, prestar socorros em caso de calamidade pública, quando eles os solicitar”.253 Mais que isso, tal incumbência teve consequências: ao [...] remeter aos estados a organização e implementação da instrução, o governo central abriu mão de qualquer proposta de formação de um sistema unificado de ensino que viesse a contribuir para o desenvolvimento mais homogêneo da educação nacional”.254

250 BRASI L. Congresso Nacional. Constituição federal de 1891. Disponível em:

<http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/novoconteudo/Legislacao/Republica/Leis1891vIp980/parte- indiceb.pdf#page=7>. Acesso em: 4 jan. 2012.

251 BRASI L, 1891.

252 GONÇALVE S NET O, Wenceslau; CARVALHO, Carlos H. O nascimento da Educação Republicana.

Princípios Educacionais Nos Regulamentos de Minas Gerais e Uberabinha (MG) no Final do Século XIX. In: GAT T I JÚNIOR, Décio; I NÁCI O FI LHO, Geraldo (Org.). História da educação em perspectiva: ensino, pesquisa, produção e novas investigações. Campinas: Autores Associados; Uberlândia: ed. UFU, 2005, p. 265.

253 MOACYR, Primitivo. A instrução e a República: reformas Rivadavia e C. Maximiliano (1911–1924). Rio

de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942, p. 320, v. 4.

Como certos fundamentos sociais e valores do antigo regime permaneceram na fase inicial da República, mantiveram-se as competências na divisão das responsabilidades educacionais entre União (em âmbito federal) e estados (em âmbito municipal). Além disso, tal permanência garantia a continuidade de poderes aos mesmos grupos sociais dominantes. Com efeito, há quem veja como “[...] justificada a afirmação de que o liberalismo da constituição de 1891, também no setor do ensino, foi um liberalismo ‘negativo’ que favorecia pequena camada da sociedade brasileira”.255

Em 1892, a lei 88, de 8 de setembro e regulamentada pelo decreto 144B, reformou a instrução pública em SP, mas não sem ocasionar sua reestruturação via decreto 144A, de 30 de dezembro. Seu art. 1° prescreve a Secretaria Geral da Instrução Pública como órgão de registro burocrático submisso ao diretor-geral da Instrução Pública e dividido em três seções: “[...] a primeira seção incumbe todo o serviço relativo às escolas preliminares e complementares, a segunda o das escolas normais, ginásios e curso superior, a terceira, todo o serviço do Conselho superior, do ensino particular e da estatística escolar do Estado”.

SÃO PAULO. Curiosamente, a promulgação da primeira Constituição256 desse estado ocorreu em 1890. Com base na legislação federal, Jorge Tibiriçá convocou, via decreto 104, de 15 de dezembro, o primeiro congresso para formalizá-la e publicá-la. Tal Constituição deveria nortear a organização do estado. Como deputados e senadores estaduais eleitos não aceitaram trabalhar sob os auspícios do projeto governamental de 1890, optaram por formar uma assembleia constituinte. “Da Constituição publicada por Tibiriçá foi mantida a dualidade das Câmaras e o número de políticos do Congresso.”257 Na parte primeira (“Regime do estado”), título I (“Do estado”) do capítulo IV (“Das atribuições do Congresso”), o art. 23º prevê que caberia ao Congresso legislar “Sobre o ensino primário, secundário e superior que será livre em todos os graus”; na parte da seção terceira (“Da declaração de direitos e garantias”) se lê que “Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos, em todos os graus, e gratuito no primário”.258

A efetivação da Constituição ocorreu em 14 de julho de 1891. Na parte I (“Organização do estado”), no capítulo IV (“Atribuições do Congresso”), o art. 20º — que

255 NAGLE, 2001, p. 362–3.

256 São Paulo teve as constituições de 15 de dezembro de 1890, 14 de julho de 1891, 9 de julho de 1905, 11 de

julho de 1908, 8 de julho de 1911, 9 de julho de 1921, 8 de julho de 1929.

257 IOKOI, Zilda Márcia G. O. Legislativo na construção da República. São Paulo: Contexto; CNPq, 1990, p. 5. 258 SÃO P AULO. Assembleia Legislativa. Constituição estadual, 1890. Disponível em:

<http://www.al.sp.gov.br/doc-e-informacao/constituicoes/constituicoes-anteriores. Acesso 04/01/2012>. Acesso em: 25 maio 2011, p. 1.

atribui ao Congresso estadual o dever de fazer leis, suspendê-las, interpretá-las e revogá-las — refere-se à educação nestes termos: “Ensino primário, secundário, superior e profissional, que será em todos os graus, podendo o ensino secundário, superior e profissional ser ministrado por indivíduos ou associações, subvencionados ou não pelo Estado”.259 Na parte II (“Regime municipal”), capítulo III (“Declaração de direitos e garantias”), o item IV do art. 57° determinava que o estado não professa nem repele seita ou profissão religiosa; noutros termos, “[...] será leigo o ensino público”.

Esses dispositivos fundamentais das constituições federal e estadual exigiam, segundo Reis Filho, “[...] uma revisão da legislação do ensino, então em vigor, de modo a criar um serviço público de educação que atendesse as diretrizes do regime constitucional que se implantava”.260 Assim, em 1905, uma reforma constitucional alterou o quadro educacional previsto pela Constituição. Com a reforma, o capítulo IV (“Atribuições do Congresso) previu que “[...] ensino primário, secundário, superior e profissional, [...] será gratuito e obrigatório no primeiro e livre em todos os graus”. Entra no texto a palavra obrigatoriedade, ausente na redação de 1891. A reforma reitera a gratuidade e a possibilidade de que indivíduos ou associações com subvenções do estado (ou sem) ministrem o ensino secundário, superior e profissional. Além disso, o texto final da reforma omitiu o termo referente ao município no tocante à laicidade do ensino.

Da manutenção de gratuidade pode se inferir uma educação popular resumida: 1) ao ensino primário; 2) a poucos professores; 3) a poucas escolas normais. Mas, mesmo em número incoerente com a demanda, os educadores iniciaram imediatamente sua formação docente, inclusive no estrangeiro, na qual assimilavam métodos que privilegiassem mais a ordem e o controle disciplinar, e menos a formação de conhecimentos necessários para instruir.

P A R A N Á . Esse estado promulgou sua primeira Constituição261 em 4 de julho de 1891.262 Foi elaborada e materializada seguindo preceitos de organização que a dividiam em títulos como “Atribuições do poder legislativo”, cujo art. 15° diz que era atribuição do Congresso “[...] Regular o ensino”. A segunda Constituição (7 de abril de 1892) reiterou essa atribuição ao dizer que competia ao Congresso “[...] Legislar sobre o ensino público”;

259 SÃO P AULO. Assembleia Legislativa. Constituição estadual, 1891. Disponível em:

<http://www.al.sp.gov.br/portal/site/internet/menuitem.a5cf20fe598dde2eca76e110f20>. Acesso em: 25 maio 2011.

260 REI S FI LHO, Casemiro dos. A educação e a ilusão liberal de São Paulo. São Paulo: Cortez; Autores

Associados, 1981, p. 76.

261 P ARANÁ. Constituição de 1891. In: ARQUIVO PÚB LI CO DO P ARANÁ. Coleção de leis e

decretos do estado do Paraná, p. 234–47.

262 PARANÁ. Congresso Legislativo. Mensagem do presidente da junta do governo provisório de 25 de

enquanto o art. 125 diz que “Todos são iguais perante a lei”, em seu título VIII, e que “O ensino primário será gratuito e generalizado”.

A Constituição prescreveu ao estado matérias relativas à instrução, sobretudo sua condição de objeto de cuidados e auxílio para fazer a educação avançar. Alguns artigos sugerem a projeção dos assuntos educacionais como objeto de legislação entre 1889 e 1890.

Art. 137. Todas as instituições livres, de ensino superior, fiscalizadas pelo Estado, poderão conferir diplomas científicos e literários. Art. 139. As obras de reconhecido valor sobre educação e ensino serão publicadas por conta do Estado, e os respectivos autores terão direito aos prêmios que foram criados. Art. 149. O Estado poderá auxiliar àqueles que se propuser fundar estabelecimentos que tenham por fim amparar as crianças indigentes. Art.150. O Estado poderá auxiliar àqueles que se propuser fundar estabelecimentos de instrução superior, técnica ou profissional.263 Uma passagem de Machado e Melo sugere que havia raízes para essa preponderância da questão educacional, caso se possa considerar que no fim do período provincial era notável “[...] um aumento quantitativo do número de escolas primárias em diversas regiões do estado”. Contudo, isso não anula a constatação de estudiosos de que,

[...] embora houvesse crescimento no número de instituições de ensino primárias naquele momento, tal iniciativa esbarrava-se em problemas relacionados ao custeamento para a manutenção deste ensino. A instrução pública exigia investimentos não apenas na construção de prédios escolares, mas, em especial recursos para o funcionamento desses estabelecimentos, tais como materiais escolares e remuneração dos professores.264

De fato, as despesas com instrução incluíam material escolar. Estavam na distribuição da receita estadual 1889 e 1930. A muitas escolas, porém, faltavam recursos. (Não havia ainda o provimento das caixas escolares.) Uma medida da escassez está no fato de que “A falta de mobília e material levou os professores a comprar equipamentos para serem, mais tarde, ressarcidos pelo Estado.”265 Ainda assim, a intervenção do estado era preeminente. E envolvia, sobretudo, fundar e equipar instituições de ensino públicas para propagar a educação a toda a população.

263 PARANÁ. Constituição de 1892. In: ______. Coleção de leis e decretos. Curitiba, Arquivo Público do

Paraná, p. 30–1.

264 M ACHADO, Maria Cristina Gomes; M E LO, Cristiane Silva. A educação na legislação paranaense: a

organização do ensino primário no período de 1899–1900. Disponível em:

<http://www.sbhe.org.br/novo/congressos/cbhe6/conteudo/file/1233.doc>. Acesso em: 27 mar. 2012, p. 7.

265 OLI VEI RA, Maria Cecília Marins de. Políticas de investimentos do governo do Paraná na rede pública de

R I O G R A N D E D O N O R T E . O decreto 91, de 20 de janeiro de 1891,266 formalizou a primeira Constituição do RN, promulgada em 21 de julho daquele ano.267 O presidente do estado Manoel do Nascimento Castro Silva, bacharel e juiz de direito, afirmava a nova Carta Magna estadual como forma de assegurar a ordem e orientar o progresso do RN segundo princípios da Constituição federal de 1891. O decreto 91, de 20 de janeiro desse ano, refere-se à organização definitiva do estado, que dependia da promulgação de sua lei orgânica. A Carta estadual trouxe medidas, também, para a educação, ponderando ser importante uma lei que embasasse e moldasse sua organização e orientasse a ação do estado, via instituições republicanas, em prol da educação. No capítulo II (“Poder Legislativo”), seção 2ª (“Atribuições do Congresso”), o art. 12 diz que:

[Cabe ao RN] Legislar sobre instrução pública, tendo em vista auxiliar e desenvolver o progresso da Educação e do ensino, bem como das ciências letras e artes no Estado, instituindo, mantendo ou subvencionando escolas e qualquer outro estabelecimento de instrução secundaria profissional ou superior, gratuita nas aulas de ensino elementar e em todos os graus livre e leigo.268

Essa passagem nos sugere que haveria descentralização de competências nas esferas público-administrativas, seguindo preceitos que estabelecia a Constituição republicana, a qual incumbia o Congresso, não exclusivamente, de criar instituições de ensino superior e secundário nos estados, assim como a obrigação não privativa de “animar” o desenvolvimento das letras, das artes e da ciência. “O Sentido do Verbo ‘animar’, o caráter cioso com que os Estados se viam em sua autonomia, a necessidade de educação escolar básica como suporte de várias necessidades, enfeixavam uma realidade complexa e aberta a várias tendências”.269 Nessa lógica, ao legislar a instrução pública para assegurar e ampliar melhorias educacionais, o RN deveria, também, estimular o desenvolvimento da ciência, das letras e das artes. Entendemos que esse movimento convinha ao RN, afinal o ensino elementar foi assumido pelo estado, que consignou sua gratuidade.

A Constituição estadual destaca, no art. 50, capítulo V, que “O município è a base da organização política do Estado” e que, diz o art. 53, deverá “Criar e manter escolas de educação cívica e de instrução primária gratuita e obrigatória”. Também aí a Carta Magna

266 RIO GRANDE DO NORT E. Decreto 91, de 20 de janeiro de 1891. In: INST ITUT O HIST ÓRI C O

GEOGRÁFI CO. Coleção de leis e decretos do governo do Rio Grande do Norte. Natal, 1891, p. 129.

267 RIO GRANDE DO NORT E. Constituição política de 1891. Promulgada em 21 de julho de 1891.

Natal: Typ. do Rio Grande do Norte, 1891, p. 26. Arquivo Público do Rio Grande do Norte.

268 RIO GRANDE DO NORT E, 1891, p. 7.

269 CURY, Carlos R. J.; HORT A, José S. B.; FÁVE RO, Osmar. A relação educação–sociedade–estado pela

mediação jurídico-constitucional. In: FÁVE RO, Osmar (Org.). A educação nas constituintes brasileiras

estadual reitera os preceitos da Carta federal, sobretudo a menção ao civismo e à moral. Como diz Nagle, “[...] O Governo Federal desencadeia ampla campanha na qual se associam os “males do tempo, ao descuido com a formação moral e cívica do brasileiro”.270 Essa discussão se intensificaria nos anos 1920.

A Constituição de 7 de abril de 1892 saiu das mãos de representantes reunidos em Congresso e com poderes especiais para rever a de 1891 na tentativa de organizar um regime livre e democrático. No capítulo II (“Das atribuições do Congresso”), o art. 18 diz que compete privativamente “Legislar sobre instrução pública, tendo em vista auxiliar e desenvolver o progresso [não só] da educação e do ensino”; mas também das “[...] ciências, letras e artes do Estado, instituindo e mantendo e subvencionando escolas e outros estabelecimentos que julgar necessários” — é o que se lê no art. 20º. No capítulo V, título II (“Do município”), o art. 62 diz que “Uma lei especial regulará a organização dos Conselhos, tendo em vista as seguintes bases: § 7º Criar e manter escolas de educação cívica e instrução primária gratuita”; isto é, reitera o preceito da Constituição de 1891, mas suprime a ideia de obrigatoriedade.

Em relação ao PR e a SP, o RN singularizou sua Constituição ao propor medidas de organização dos profissionais da educação. No título III (“Disposições transitórias”), o art. 6º diz que o Congresso, conforme as condições da educação pública, reformaria a instrução sobre estas bases:

Art.6º. 1º Garantindo a inamovibilidade dos professores, que só poderão ser removidos por acesso ou pedido. 2° Estabelecendo um curso profissional de três anos anexo ao curso secundário da Ateneu, aproveitadas as cadeiras deste estabelecimento e aumentadas as que forem necessárias para complemento do ensino secundário e profissional. 3° Dispensando os professores sem concurso e os de concurso que tiverem menos de cinco anos de nomeação. Estes últimos quando se apresentando a concurso, serão em igualdade de aprovação preferida para o provimento das cadeiras. 4° Aproveitando para a nova organização da Instrução primária os professores de concurso que tiverem mais de cinco anos de nomeação, ou aposentando-os com os vencimentos correspondentes ao tempo de ensino no magistério público.271

Como se lê, a prescrição constitucional de 1892 para a educação mostra um escopo abrangente, porque inclui não só a ação dos professores, mas também — no tocante ao município — “[...] todas as orientações em relação aos profissionais da educação, ou seja, vão

270 NAGLE, 2001, p. 241.

271 RI O GRANDE DO NORT E. Constituição política de 1892. Promulgada em 7 de abril de 1892. Natal:

Typ. do Rio Grande do Norte, 1892, p. 21–2. Arquivo Público do Rio Grande do Norte. Cabe salientar que professores que não aceitassem a nova organização citada no item 4º do artigo perderiam seus direitos à aposentadoria relativa ao tempo de serviço.

desde a formação até a distribuição de aulas, deveres, direitos e ainda tratavam de questões de ordem estritamente administrativa como questões de concurso até aposentadoria da classe de professores”, como se lê no art. 6º.

A reforma constitucional mudou a ordem dos artigos da Constituição de 1891, mas não alterou a ideia apresentada nela, pois citava que a “[...] instrução secundária profissional ou superior, gratuita nas aulas de ensino elementar e em todos os graus livre e leigo”. A Constituição de 1892, no capítulo II (“Das atribuições do Congresso”), diz que cabe “Legislar sobre instrução pública, tendo em vista auxiliar e desenvolver o progresso da educação e do ensino” (art. 18). No tocante à profissão de professor, o governador estava autorizado a se aposentar com ordenado correspondente ao tempo de efetivo exercício no magistério público, sobretudo professores de ensino secundário cujas cadeiras a lei 6 de 30 de maio de 1892 suprimiu. Se essa alteração sugere a necessidade de renovar o corpo docente, a Constituição não explicitou a idade para exercer o magistério; e isso desalinhava a legislação brasileira à lógica educacional de países “cultos” que estipulam, a “professores” e “magistrados”, um “[...] limite de idade e de tempo de serviço que não pode ser ultrapassado”.272