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Capítulo 1. A tradição teórica trotskista

3. Apontamentos críticos sobre o programa trotskista

O programa trotskista, da forma como é elaborado no Programa de

Transição, pode apresentar alguns problemas quando aplicado numa situação

concreta. Pretendemos indicar aqui dois desdobramentos que podem ocorrer na sua aplicação prática.

Como vimos, o caráter do programa trotskista está dado pela teoria da revolução permanente. É um programa que concebe o processo revolucionário como algo sem etapas distintas. As revoluções burguesa e socialista, para Trotsky, não têm uma separação definida, estariam contidas num processo indiferenciado: o processo da “revolução permanente”.

A não separação das etapas – entre etapas mínimas (concretizáveis em um reduzido espaço de tempo) e máximas (o objetivo final, que é a sociedade sem classes) –, a não delimitação clara entre diferentes objetivos, induz o programa trotskista a apresentar alguns problemas no que tange à sua aplicação prática. A composição das reivindicações transitórias evidenciam esta afirmação. No item anterior, apresentamos de um modo indicativo que Trotsky aglutina num mesmo conjunto reivindicações capitalistas (às quais seriam atribuídas um caráter transitório) e palavras-de-ordem revolucionárias (a constituição de milícias operárias).

Esse aspecto do programa trotskista pode desdobrar-se no estímulo a uma prática estritamente sindical (tradeunionista) envolta em um discurso socialista. Uma corrente ou partido, de inspiração trotskista, que privilegie as reivindicações transitórias, em sentido estrito, presentes no Programa de Transição poderá, por conceber tais reivindicações como um passo que obrigatoriamente leva ao socialismo, atribuir a elas um poder e uma importância que não têm e, assim, acomodar-se numa prática sindicalista. O programa trotskista permite que se pratique tradeunionismo imaginando-se fazer luta socialista. Este é o primeiro desdobramento que pode resultar da aplicação prática do programa trotskista.

Há, porém, um segundo desdobramento que está diretamente relacionado com a avaliação estrutural implícita que o programa traz consigo. Ao atrelar a eficácia de seu programa à avaliação de que houvesse uma crise estrutural do capitalismo, o trotskismo restringe a atuação prática dos seus partidários em situações de ofensiva burguesa e de estabilidade do capitalismo.

Como sabemos, a tática para concretizar a revolução permanente corresponde às reivindicações transitórias. Por sua vez, a eficácia das reivindicações transitórias estaria fundamentada na crença da existência de uma crise estrutural das forças produtivas do sistema capitalista, crise esta que ocorreria em escala mundial.

Mas, quais são as características que, para Trotsky, permitiriam falar em uma situação pré-revolucinária?

Para responder esta questão, voltaremos à conjuntura histórica na qual o programa foi formulado. Para Trotsky, a crise econômica que antecedia a Segunda Guerra Mundial não seria uma simples crise econômica passageira. Ele concebe essa crise como sendo uma crise na estrutura do capitalismo. O sistema teria chegado ao seu limite e a guerra era um exemplo disso. Sua sobrevivência só podia se dar através da super-exploração dos trabalhadores. Consequentemente, Trotsky avaliava que essa situação aguçava cada vez mais a contradição fundamental da formação social capitalista: a contradição capital- trabalho.

Quando Trotsky fala, no seu Programa de Transição, que “em todos os países, os proletários se mostram dispostos à revolução”, ele está pensando sim no aguçamento desta contradição. O que quer dizer isto? Quer dizer que, para Trotsky, havendo uma acentuação da contradição capital-trabalho, temos uma situação pré-revolucionária. Dentro dessa perspectiva, ele permanece no economicismo ao identificar uma situação pré-revolucionária como sendo resultante direta do estado das forças produtivas. Cria uma armadilha para aqueles que se propõem a levar adiante uma prática revolucionária baseada no seu Programa de Transição. Dizemos isto porque o programa trotskista, em qualquer situação que não seja revolucionária, engessa a prática revolucionária: uma tentativa de análise de um determinado período histórico da luta de classes – dentro do período que caracteriza a formação social capitalista –, que se paute, de antemão, pelo programa trotskista, está predeterminada a considerar a situação como sendo pré-revolucionária. Isto traz implicações diretas à prática política e à

política de alianças das organizações trotskistas. Por exemplo, em uma situação de ofensiva do capital e de recuo do movimento operário, qualquer organização trotskista terá dificuldades em explicar teóricamente uma aliança com setores que não sejam das camadas populares. Poderão reconhecer a situação de recuo em que se encontram, mas manterão a convicção de que se encontram numa situação pré-revolucionária. Isto é um paradoxo que Nicos Poulantzas já havia percebido.27

Mas para entender melhor esta questão, é necessário, antes de tudo, uma incursão nas concepções de cunho teórico.

27 Nicos Poulantzas, ao falar da posição trotskista face ao fascismo, escreveu:

“...tudo se passa como se a própria noção de revolução permanente, aposta ao catastrofismo economicista de Trotsky (ver tese da paralisação do desenvolvimento das forças produtivas com o imperialismo, tese que ele sempre defendeu), não lhe permitisse reconhecer a existência de etapas, no sentido rigoroso do termo, na luta de classes. Revolução parece significar, para Trotsky, iminência sempre presente da revolução – o que dá resultados bastante paradoxais: caracterizar uma etapa como defensiva não impede Trotsky de, ao mesmo tempo, constantemente esperar o ressurgimento, quase metafísico, de uma situação revolucionária ofensiva, a qualquer

instante, no interior dessa etapa. A caracterização, por Trotsky, da ‘era da revolução’ como a da

‘revolução permanente’ parece abolir para ele o tempo, no sentido de que não pode fundamentar uma periodização. Para dar só um exemplo: depois de 1930, acontece muitas vezes que Trotsky fale, em relação à Alemanha, de etapa defensiva e de refluxo, o que de forma alguma o impede, na sua previsão do fascismo, de o considerar como uma resposta à ofensiva da classe operária – situação revolucionária.” Em Nicos Poulantzas, Fascismo e Ditadura. São Paulo, Martins Fontes, 1978, nota 11, pp. 87-88 (grifos do autor).