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Capítulo 2. Capitalismo neoliberal e trotskismo no Brasil

2. O neoliberalismo no Brasil

O período que antecede a implantação do modelo neoliberal no Brasil é caracterizado por uma forte intervenção estatal na economia. Podemos dizer que, entre os anos 30 e a década de 1990, ocorreu o desenvolvimentismo brasileiro: o desenvolvimento industrial e da economia como um todo, a criação de algumas leis de proteção ao trabalhador, o surgimento de alguns direitos sociais.

O início da industrialização nacional se deu com o período populista brasileiro. Apoiando-se nos interesses da burguesia e no apelo direto à classe trabalhadora, os governos populistas puderam fazer avançar a industrialização acompanhada de direitos sociais mínimos.48 Dentre os motivos que explicam esse processo estariam: a composição de um novo e complexo bloco no poder oriundo da Revolução de 1930, o ascenso do movimento popular e a existência de uma situação favorável no plano internacional, marcada pelos conflitos interimperialistas.

A partir do início dos anos 60, há uma guinada na cena política brasileira rumo a um regime autoritário. A burguesia nacional coloca-se contra o governo João Goulart, que é, então, derrubado por um golpe militar. A partir de 1964, passa a vigorar no país uma ditadura militar que, à sua maneira, repressora e

48 Sobre a implantação dos direitos sociais no país ver: Wanderley Guilherme dos Santos,

autoritária, põe fim no período do populismo, reprime o movimento popular e dá vazão a uma nova impulsão ao desenvolvimentismo.

A ditadura militar liquidou o populismo, mas continuou mantendo a intervenção econômica do Estado com vistas ao crescimento e à diversificação do parque industrial. A partir dessa política, pôde-se observar os maiores anos de crescimento do capitalismo brasileiro, caracterizados por “milagre econômico”. O período do “milagre” teve vida curta, perdurando de 1967 a 1973. Foi um misto de prosperidade e, ao mesmo tempo, repressão política sobre os trabalhadores e todos que se opunham ao regime. Entretanto, não foi um crescimento equânime, aumentando ainda mais o legado da concentração de renda: combinava altas taxas de lucros para as empresas capitalistas com baixos salários pagos à classe trabalhadora.

A economia brasileira viveria, após os anos do “milagre”, uma situação de profunda recessão. A conjuntura internacional é marcada por um declínio nos lucros dos países centrais que leva à união de suas burguesias em torno do neoliberalismo.49 Como mostra disso, há uma pressão, decorrente do governo norte-americano Reagan, pela liberação do comércio exterior e pela privatização das empresas estatais dos países da periferia. Começava a ficar evidente que toda a burguesia dos países centrais unia-se em torno do neoliberalismo para

49 A média das taxas de lucro do setor privado dos principais países do capitalismo central (dentre

Estados Unidos, França, Alemanha e Reino Unido), que no final dos anos 60 representava um total de 20% sobre o capital fixo, caiu a uma taxa próxima de 12% entre os anos de 1982 e 1983. Como mostram Gérard Duménil e Dominique Lévy, depois da metade dos anos 80, correspondentes à implantação do modelo neoliberal em diversos países, essa tendência de queda da taxa de lucro inverteu-se voltando a apresentar índices significativos. Cf. “Sortie de crise, menaces de crise et

lançar uma cruzada contra os direitos dos trabalhadores de seus países e contra o desenvolvimento tecnológico e o direito dos trabalhadores dos países da periferia.

Dentre outros motivos que possibilitaram a implantação do modelo neoliberal está a ausência de conflitos militares diretos entre as potências imperialistas e a crise da União Soviética, deixando os Estados Unidos como única superpotência do globo, enfraquecendo os partidos de esquerda e colocando o movimento operário em uma posição defensiva.

Como exemplo do enfraquecimento dos partidos de esquerda, alguns dos principais partidos trabalhistas e socialistas passaram a levantar bandeiras da burguesia conservadora de seus países. Sob a roupagem da “centro-esquerda”, vimos o Partido Trabalhista, na Inglaterra, o Partido Socialista Francês, entre outros, defenderem bandeiras neoliberais, mitigadas no que ficou conhecido por “terceira via”. O próprio Partido dos Trabalhadores, ao longo da década de 1990, progressivamente abrandou seu programa social-democrata e passou a assimilar elementos do discurso neoliberal, construindo uma proposta social-liberal que reservava, ainda, a continuidade de algumas políticas sociais.50

No plano interno, teríamos uma forte recessão econômica acompanhada de uma alta inflação. Nos países latino-americanos, a debilidade política, advinda da

nouveau capitalisme”, em François Chesnais et. al., Une nouvelle phase du capitalisme?. Paris, Syllepse, 2001 (Collection Seminaire marxiste. Enjeux contemporains).

50 Cf. Danilo Enrico Martuscelli, A posição do Partido dos Trabalhadores diante da ofensiva

neoliberal. Relatório final de Iniciação Científica, IFCH-Unicamp, 2001. Ver também Andriei C. G.

Gutierrez, Danilo E. Martuscelli e Fernando Ferrone Côrrea. ”PSTU diante do capitalismo neoliberal”, em Armando Boito (org.), “Dossiê: neoliberalismo e lutas sociais no Brasil”, Em revista

ruptura da frente populista, e a crise da dívida externa também influiriam no processo de implantação do modelo neoliberal na região.

A implantação do neoliberalismo no Brasil deu-se tardiamente. Graças à atuação da burguesia industrial e à resistência operária e popular, foi só na década de 1990 que o neoliberalismo conseguiu, através do governo Collor, dar os primeiros passos em nosso país.

No Governo Sarney, ainda havia inúmeros representantes da burguesia industrial que defendiam o protecionismo do modelo desenvolvimentista. Mas Collor conseguiu unir todos os setores da burguesia em torno do neoliberalismo. Ele agregou os votos da burguesia – devido à polarização das eleições presidenciais de 1989, cujo adversário era Lula – e os votos dos estratos de baixa renda. Logrou uma campanha vitoriosa aproveitando-se do vácuo deixado pelo Estado desenvolvimentista e opondo toda a parcela da população desamparada pelos direitos trabalhistas aos “privilégios” dos trabalhadores do setor formal, como também opôs ambos contra os “marajás” do serviço público.

Assim, com a eleição de Collor, toda a frente burguesa conservadora se posicionou na ofensiva. Era necessário, ainda, o enfraquecimento do movimento sindical para se consolidar a implantação do modelo neoliberal. Collor, então, a partir de uma abertura desenfreada da economia, fez cair a produção, o salário e os empregos.51

51 Indicadores Desep. Edição do Departamento de Estudos Socioeconômicos e Políticos da CUT.

São Paulo, 1994, pp. 38-39. Apud: Andréia Galvão, Neoliberalismo e reforma trabalhista no Brasil. Tese de Doutorado. Campinas, Unicamp, 2003.

Foi também no seu governo, que se iniciou o “programa de desestatização”, nome dado pelo governo ao processo de privatização das empresas públicas. Seguindo a cartilha neoliberal, Collor entregava as empresas estatais brasileiras ao capital privado, como forma de acabar com a “corrupção” e a “ineficiência” dessas empresas. Em troca, seu governo recebia “moedas podres”, isto é, títulos da dívida pública que perdiam seu valor no mercado, mas que continuavam ativos frente ao governo brasileiro.

Com o impeachment de Collor, assume o vice-presidente Itamar Franco. Será em seu governo que o modelo neoliberal conquista sua maior vitória no Brasil: o fim da inflação. Inicia-se, então, uma nova fase de estabilidade monetária. O motivo: a implantação de uma nova moeda, o Real.52 O então ministro da fazenda, Fernando Henrique Cardoso, levaria os créditos pela implantação do Real.

Aproveitando-se do impacto que o Real obteve entre as massas – pois punha fim à inflação e iludia as camadas populares de terem tido uma melhora no seu poder de compra53–, pôde Fernando Henrique Cardoso eleger-se presidente. Em torno de sua campanha uniram-se todas as forças burguesas conservadoras.

52 Vale ressaltar que o Plano Real apoiou-se em outra moeda “forte” (o dólar) como forma de

restaurar a sua credibilidade. Isso ficou conhecido como “âncora cambial”, ou seja, o dólar serviu como uma âncora para que o real não visse seu valor desandar com o processo inflacionário. Mas a contrapartida da desinflação era o alto endividamento do setor público, pois para manter a nova moeda atrativa ao capital externo, o governo tinha que recorrer constantemente à uma alta taxa de juros. Cf. Luiz Gonzaga Belluzzo e Júlio Gomes de Almeida. Depois da queda: a economia brasileira da crise da dívida aos impasses do Real. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.

53 Devemos relativizar a questão da melhoria do poder de compra das massas populares no início

da implantação do plano real e o seu papel como motor do desenvolvimento econômico. Ao contrário, foram os crediários que deram um impulso inicial à economia, redundando, posteriormente, numa crise do endividamento popular, seguida por uma onda geral de inadimplências.

Se, durante o governo Collor iniciou-se a implantação do modelo neoliberal no Brasil, foi durante o governo de Fernando Henrique Cardoso que suas principais políticas foram implantadas. Enquanto que Collor abriu a economia e iniciou o programa de privatizações, Fernando Henrique Cardoso ampliou as privatizações,54 desregulamentou o mercado de trabalho e ainda avançou as “reformas” administrativa e previdenciária.

Em relação às questões monetárias, o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998) foi marcado pela opção da manutenção do câmbio sobrevalorizado. Esta valorização cambial, cuja principal função foi a garantia da reeleição do presidente – haja vista o impacto inicial que o real provocou nas classes populares ao acabar com a inflação –, desequilibrou a balança comercial55 e afetou a indústria nacional. Logo após a crise asiática, em 1997, o governo decidiu aumentar ainda mais a taxa de juros (Selic) para continuar mantendo o país atrativo para os capitais externos (diga-se especulativos) e para conter o consumo interno e frear a inflação. Esse misto de juros altos e câmbio valorizado afetou diretamente a economia: o nível do câmbio prejudicava as exportações e os altos juros, por sua vez, contribuíam para a redução da produção e do consumo internos, freando a economia e gerando desemprego.

54 Os governos de Fernando Collor e Itamar Franco concentraram as privatizações nos setores de

siderurgia e petroquímica, enquanto que Fernando Henrique Cardoso, privatizou empresas telefônicas e de energia elétrica, bancos, ferrovias, entre outros.

55 Segundo dados do Dieese, a balança comercial brasileira apresentou déficit a partir de 1995, só

vindo a apresentar bons resultados em 2001. Em Dieese, A situação do trabalho no Brasil. São Paulo, Dieese, 2001. Apud: Andréia Galvão, ibidem.

Muito embora o primeiro governo Fernando Henrique Cardoso tenha aumentado o desemprego e a precarização do trabalho56 (decorrentes da entrada maciça de importações e pelo seu impacto na indústria nacional), conseguiu reeleger-se em 1998, no primeiro turno.

De forma parecida, porém não idêntica, o Real também teve uma participação no processo eleitoral de 1998. Desde 1995, com a crise econômica mexicana, vinha ocorrendo uma redução da liquidez de capitais externos destinados aos países emergentes. Esse processo foi fortalecido ainda mais com a seqüência das crises econômicas asiática (em 1997) e russa (em 1998). Precisávamos da entrada de capital para sanar o déficit na balança de pagamentos e com o Real sobrevalorizado tornava-se impossível um saldo positivo na balança comercial (a partir do aumento das exportações). A desvalorização do Real nessa conjuntura, às vésperas da eleição, poderia significar um perigo à reeleição de Fernando Henrique Cardoso. O governo colocou-se, então, frente ao processo eleitoral como sendo “o mais preparado para encarar a crise econômica internacional”. Ele não optou pela desvalorização do real. Ao contrário, manteve a imagem do “Real forte”, jogando a culpa da crise econômica interna (que era derivada da política econômica) na situação internacional.

Pode-se dizer que a reeleição de Fernando Henrique Cardoso custou muito caro ao país. Foram gatos em torno de 45 bilhões de dólares para manter a ilusão

56 Cf. Márcio Pochmann, O movimento de desestruturação do mercado de trabalho brasileiro nos

do “Real forte”. Somente no mês de setembro, de 1998, foram gatos 20 bilhões de dólares das reservas cambiais na tentativa de conter a fuga de capitais.57

O Fundo Monetário Internacional também interviria nesse processo. Como as divisas da reserva cambial do Brasil sozinhas não cobriam a sede de juros dos capitais especulativos, para evitar a crise monetária e a previsível moratória, o governo Fernando Henrique Cardoso aceitou a “ajuda” do fundo. A contrapartida aos empréstimos financeiros do Fundo Monetário Internacional consistiria na realização de um forte reajuste fiscal e na aceitação de fazer superávites primários para honrar os juros do compromisso firmado.58

Com a reeleição garantida, ocorreu uma maxi-desvalorização do Real na primeira quinzena de janeiro de 1999. Como grande parte dos contratos firmados estavam em dólar, a desvalorização cambial somada à política de juros altos fizeram com que aumentasse a dívida externa. Observamos, assim, a dívida pública saltar de R$ 388,7 bilhões, em dezembro de 1998, para R$ 500,8 bilhões em fevereiro de 1999.59

57 Cf. Luiz Gonzaga Belluzzo e Júlio Gomes de Almeida, op. cit., pp. 397-398. 58 Segundo Belluzzo e Almeida:

“O governo se propunha a um forte reajuste. Com a economia em recessão, juros muito altos incidentes sobre a dívida pública e continuidade da sobrevalorização cambial, estabeleceu como meta, para 1999, reduzir à metade o déficit nominal de 8% do PIB, em um ajuste de R$ 28 bilhões. Os aumentos dos impostos – CPMF, o imposto sobre o cheque, subindo de 0,20% para 0,38%, e Cofins, a contribuição social incidente sobre o faturamento, com aumento de um ponto percentual, de 2% para 3% - contribuiriam com pouco menos da metade do ajuste; os cortes de gastos somariam R$ 8,7 bilhões e R$ 6 bilhões viriam da área da previdência, em que era previsto um aumento de contribuição de aposentados civis e públicos. Isso, adicionado a um esforço fiscal também dos estados e municípios, asseguraria em 1999 um superávit primário de 2,6% do PIB (2,8% no ano de 2000 e 3% em 2001), necessário para cobrir parcela dos 6,5% estimados como a conta de juros.” Ibidem, pp. 399-400.

59 Cf. José Eustáquio Diniz Alves e Fábio Faversani. Análise de conjuntura: globalização e o

A partir de então, o país passou a realizar a contenção dos gastos públicos, na forma de superávites primários, como maneira de conseguir rolar os papéis da dívida pública, comprometendo investimentos importantes como, por exemplo, aqueles destinados para a manutenção da infra-estrutura,60 da educação, da saúde,61 da seguridade social. Em contraste com o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, que tinha por principal manancial de arrecadação os leilões de privatização das empresas públicas, o “contingenciamento” de gastos passou – juntamente com a alta carga tributária – a ser a principal fonte de recursos do seu segundo governo: “economizou” 2,6% do PIB em 1999; 2,8% em 2000; 3% em 2001 e 3,5% em 2002. Assim, conseguia o governo honrar seus compromisso com o Fundo Monetário Internacional, como também lograva, apoiando-se em altas taxas de juros, manter a “confiança” dos investidores externos na “solidez” da economia brasileira.

60 Pode-se dizer que a falta de chuvas não foi a única vilã do “apagão” de 2001, que obrigou vários

estados brasileiros a ficarem na escuridão. A crise energética desse ano esteve diretamente relacionada à falta de investimentos no setor elétrico.

61 Basta lembrarmos os constantes surtos de contaminação da dengue nos últimos anos da gestão

de Fernando Henrique Cardoso, doença até então controlada e que refletiu o pouco caso do governo com a saúde preventiva.