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O trotskismo e o capitalismo neoliberal no Brasil : Democracia Socialista, PSTU e O Trabalho - uma analise das campanhas eleitorais de 1998 e 2002

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Academic year: 2021

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Andriei da Cunha Guerrero Gutierrez

O trotskismo e o capitalismo neoliberal no Brasil:

Democracia Socialista, PSTU e O Trabalho – uma

análise das campanhas eleitorais de 1998 e 2002

Dissertação de Mestrado em Ciência Política apresentada ao Departamento de Ciência Política, sob orientação do Prof. Dr. Armando Boito Jr.

Versão final da dissertação de mestrado, apresentada à Comissão Julgadora em 8 de novembro de 2004.

Banca:

Prof. Dr. Armando Boito Jr. (Orientador)

Prof. Dr. Osvaldo Luis Angel Coggiola (Dep. de História – USP)

Prof. Dr. Caio Navarro de Toledo (Dep. de Ciência Política – Unicamp)

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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA DO IFCH – UNICAMP

Guerrero Gutierrez, Andriei da Cunha G937t O trotskismo e o capitalismo neoliberal no Brasil: Democracia

Socialista, PSTU e O Trabalho - uma análise das campanhas eleitorais de 1998 e 2002 / Andriei da Cunha Guerrero Gutierrez. - - Campinas, SP : [s.n.], 2004.

Orientador: Armando Boito Júnior.

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

1. Trotskismo. 2. Neoliberalismo. 3. Brasil – Política e governo , 1990-2002. I. Boito Júnior, Armando. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título.

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Agradecimentos

Antes de adentrar na dissertação, gostaria de externar alguns agradecimentos.

Sem dúvidas, não estaria tendo esta oportunidade, de acesso à universidade e de estudo, se não fosse a existência da universidade pública gratuita brasileira. Foi graças à Universidade Estadual de Campinas e a toda uma estrutura, tal como a Moradia Estudantil, o Restaurante Universitário, etc. que, a despeito das dificuldades financeiras, consegui chegar até aqui.

Durante quase toda a minha trajetória universitária, tive o privilégio de poder contar com um orientador excepcional. Desde os anos de iniciação científica até o mestrado, o professor Armando Boito mostrou-se muito atencioso, paciente, prestativo e, principalmente, preocupado com a minha formação acadêmica. Sem o apoio deste professor, sem dúvidas, esta dissertação não se concretizaria. Desde a preparação do projeto de mestrado, até a redação final da dissertação, contei com seus conselhos, críticas e “puxões de orelha” que foram fundamentais para a consecução deste texto final. Acima de tudo, ganhei um grande amigo.

Devo registrar aqui o meu agradecimento ao professor Décio Saes, que leu o projeto de pesquisa e deu conselhos que foram fundamentais na condução da pesquisa.

Agradeço também Angela Lazagna e Danilo Enrico Martuscelli, que leram atentamente o texto final e fizeram críticas pertinentes. Contudo, vale ressaltar que

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a permanência de qualquer erro no texto deve-se ou à minha negligência, ou à simples teimosia. Ao Danilo, colega de graduação e mestrado, companheiro de discussões, fica registrada a minha gratidão pela amizade e fraternidade.

Esta dissertação também tem uma dívida junto ao Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) da Unicamp. Não só o apoio que sempre tive do Centro, como também a integração da “família cemarx” foram, e estão sendo, fundamentais na minha trajetória acadêmica. Através dos seus inúmeros eventos, como os três

Colóquios Marx e Engels, pude entrar em contato com pesquisadores diversos, do

Brasil e do exterior, e aprender bastante. Os grupos de estudo e pesquisa do Cemarx também tiveram papel central na minha formação. Agradeço, em especial, aos colegas do grupo de pesquisa Neoliberalismo e Trabalhadores no Brasil, que desde 1999, vêm propiciando boas discussões. Também não posso deixar de lembrar o papel que teve o camarada Flávio de Castro, colega e amigo de muitas batalhas.

Por fim, agradeço àqueles que estiveram mais próximos durante estes anos de labuta. Primeiro aos meus queridos genitores, Salvador e Áurea, que, desde cedo, tiveram muito carinho e amor e, agora, são conselheiros insubstituíveis. Ao meu irmão Felipe, pela amizade. À minha companheira Ornella, com quem compartilho, já há algum tempo, minhas alegrias e frustrações; assim como agradeço todo o carinho dado pela Neusa, Carlos e Adilson. Não poderia deixar de esquecer também aos colegas de Moradia: Burgão, Fernando, Daniel, Geraldo, Gereba, David, Mayer e tantos outros que tornaram minha vida menos cansativa e mais agradável.

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Resumo

Esta dissertação analisa o programa e a tática política das correntes trotskistas brasileiras no final da década de 1990 e início dos anos 2000.

Propõe, de início, uma caracterização do que seria o "trotskismo". Para isso, são analisadas algumas obras que tratam do assunto, com especial destaque para a teoria da revolução permanente.

Procura também caracterizar brevemente a situação política, econômica e social brasileira do fim dos anos 90 e início dos anos 2000. Esse é o período da implantação do modelo capitalista neoliberal no país, caracterizado por uma ofensiva do imperialismo dos países centrais contra os trabalhadores, os movimentos populares e o Estado desenvolvimentista brasileiros.

As correntes e o partido trotskistas contemplados nesta dissertação são: a Democracia Socialista e O Trabalho, ambas correntes internas ao Partido dos

Trabalhadores, e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Num

primeiro momento, é apresentado um desenvolvimento histórico destas correntes e deste partido, desde o final da década de 1970 até os anos 2000. Depois, através da análise de suas posições nas eleições presidenciais de 1998 e de 2002, empreende-se uma análise sistemática dos seus programas e das suas táticas políticas.

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Abstract

This work analyses the programs and the tactics of the Brazilians trotskists organizations in the nineties and the firsts two years of XXI Century.

Proposes a characterization of that would be the trotskism. Thus some studies into this area are analyzed, with a special distinction for the Permanent

Revolution Theory.

It looks to characterize the politic, economic and social Brazilian situations in this period that correspond for the establishment of the neoliberal capitalist model in the country, characterized by an imperialist offensive against the Brazilians workers, popular movements and State.

The contemplated organizations in this work are: the Democracia Socialista (Socialist Democracy) and the Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (Unified Worker’s Socialist Party). In a first moment is presented an historical development of these organizations since the seventies at the begin of the XXI Century. Afterward is done a systematic analysis about their programs and about their political tactics.

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Sumário

Introdução...1

Capítulo 1. A tradição teórica trotskista...3

1. Os aspectos da teoria da revolução permanente...7

2. O Programa de Transição e as reivindicações transitórias...17

3. Apontamentos críticos sobre o programa trotskista...21

4. Contradição e sobredeterminação...25

5. Os autores trotskistas e a questão das forças produtivas...32

Capítulo 2. Capitalismo neoliberal e trotskismo no Brasil...39

1. Ideologia e política neoliberal...40

2. O neoliberalismo no Brasil...45

3. A hegemonia do capitalismo neoliberal no Brasil...54

4. O trotskismo brasileiro...58

Capítulo 3. As

táticas das correntes trotskistas no Brasil

neoliberal: as campanhas eleitorais de 1998 e 2002...75

1. Socialismo...83

2. Programa revolucionário e tática política...94

2.1 Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU)...94

2.2 O Trabalho...103

2.3 Democracia Socialista...111

Conclusão. Heranças e fronteiras do trotskismo brasileiro....119

Fontes...123

Bibliografia...123

Imprensa partidária...129

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Introdução:

O tema principal abordado neste trabalho diz respeito à questão do programa revolucionário e também das táticas políticas para alcançá-lo. Foi com esse intuito, de compreender melhor o debate bibliográfico acerca desta questão, que iniciamos nossa pesquisa. Para tanto, nossa atenção centrou-se no programa elaborado por Leon Trotsky.

Qual a concepção que Trotsky tem de revolução? Seria ela separada por etapas ou seria contínua? Qual a política de alianças proposta por ele à classe operária e como são encaradas as outras classes sociais? Quais são os interesses envolvidos em uma proposta de mudança da sociedade? Quais são e como se encontram as condições materiais para uma transformação social? São algumas das perguntas que temos que fazer para analisar um programa revolucionário. Dito de outra maneira, é necessário saber como o autor encara a situação da luta de classes e, a partir dela, constrói as estratégias e as táticas para chegar a uma transição para o regime de produção e organização da sociedade socialista.

Diga-se, de passagem, que nosso intuito não é o estudo da transição para o socialismo, o que por si só constitui um outro campo de pesquisa interessantíssimo. Focalizamos nosso trabalho nas concepções e proposições concernentes à estratégia e à tática revolucionárias do movimento socialista na sociedade capitalista.

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No primeiro capítulo desta obra, intitulado A tradição teórica trotskista, procuramos discutir essa questão.

Nossa pretensão, contudo, não se restringiu à discussão teórica. Avançamos, então, no estudo de caso das correntes trotskistas brasileiras num período determinado, marcado pela implantação e pelo avanço do modelo neoliberal no Brasil. Como nenhuma posição política é descolada da situação da luta de classes, sendo reflexo dessa relação dialética entre as classes, procuramos mostrar qual é a situação política, econômica e ideológica do período estudado. Também com esse intuito de informar, situar o leitor no contexto mais geral, fizemos um levantamento histórico do surgimento das principais correntes trotskistas brasileiras. É esse o caráter do segundo capítulo, Capitalismo

neoliberal e trotskismo no Brasil.

No terceiro capítulo, intitulado As táticas das correntes trotskistas no Brasil

neoliberal, é feita a comparação entre a tradição teórica trotskista, de um lado, e o

programa e a tática das correntes trotskistas brasileiras para a época estudada, de outro. Nessa etapa, procuramos perguntar: qual o caráter do socialismo que as correntes propõem, qual a política de alianças que adotam, qual a avaliação que fazem das condições materiais para a transição ao socialismo e como construir o (ou um) partido revolucionário.

Por fim procuramos aglutinar as considerações feitas nesta dissertação, à título de conclusão, em Heranças e fronteiras do trotskismo brasileiro.

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Capítulo 1: A tradição teórica trotskista

O trotskismo descende da tradição teórica marxista. Podemos dizer que, enquanto teoria, situa-se no campo da problemática marxista: a problemática que supõe a existência de um processo histórico, determinado em última instância pelo movimento da economia, que cria no capitalismo a possibilidade de transição para o socialismo.1 O trotskismo surgiu a partir de uma divisão do movimento comunista internacional, mais especificamente a partir da oposição ao regime soviético, com a fundação da Oposição de Esquerda e com a publicação da brochura intitulada Novo Curso, de autoria de Leon Trotsky, ambos em 1923.

O trotskismo nasceu em um contexto histórico determinado e com uma prática teórico-política própria. Para entendê-lo é necessário, antes de tudo, levar em consideração a historiografia do movimento operário e socialista do século XX. Isto é preciso pois, de um modo geral, as correntes do movimento operário e socialista do século XXI são influenciadas pelas tradições teórica e política herdadas das diferentes organizações internacionais do século XX. Assim, não é incorreto dizer que a prática política, o programa, os métodos de luta e as alianças

1 Utilizamos o conceito de “problemática”, tal que definido por Louis Althusser. Segundo essa

interpretação, para entender uma determinada teoria deve-se buscar apreender a unidade profunda na qual ela se insere, ou seja, deve-se observar a teoria sem separá-la do campo teórico do qual ela faz parte. Cf. “Sobre el joven Marx”, La revolución teórica de Marx. Buenos Aires, Siglo Vienteuno, 1974, pp. 39-70.

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políticas que determinadas correntes propõem nas condições atuais estão, de certo modo, ligados a essa herança.2

A tradição teórico-política das correntes e partidos que reivindicam o trotskismo é marcada pela constituição da Quarta Internacional. Dentre suas principais premissas, é defendida a necessidade de uma revolução sem etapas separadas rumo ao socialismo, que só ocorreria internacionalmente. A Quarta

Internacional surgiu a partir de uma dissidência da Terceira Internacional (ou Internacional Comunista, devido a sua ligação com o governo soviético), que tinha

como traço característico a estratégia elaborada de unir a luta pelo socialismo com a luta de libertação nacional. Esta Internacional, por sua vez, vinha de uma ruptura com a Segunda Internacional, conhecida por “social-democracia”, que acreditava na possibilidade de reformar o capitalismo e que passou a defender a construção de um Estado de bem-estar social.

Trotsky foi, sem dúvidas, o principal opositor do campo socialista ao regime soviético. Foi através de sua figura que, mais tarde, a oposição às políticas da União Soviética, orientadas por Josef Stálin, foi transplantada para o plano internacional, com a criação da Oposição Internacional de Esquerda, em abril de 1930. Dentre as principais premissas da Oposição Internacional, destacava-se o combate à concepção da teoria staliniana de “socialismo em um único país”, contrapondo, face a esta, a teoria da revolução permanente. O embrião do

2 Isso não quer dizer que toda corrente política do movimento operário e socialista seja uma cópia

da organização internacional com a qual se identifica. Afirmar a possibilidade de uma influência não implica a negação da liberdade política, muito menos das outras influências determinadas pela história concreta. Por outro lado, o fato de que a prática política de cada corrente ou partido político

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movimento trotskista, como corrente internacional, estava lançado; sua maturidade viria em 1938, às vésperas da Segunda Grande Guerra, com a criação da Quarta

Internacional e com a elaboração de um programa com vistas à revolução,

denominado de Programa de Transição.

A teoria da revolução permanente e o Programa de Transição são os pilares da tradição teórica trotskista. A primeira nasceu antes mesmo da Revolução Russa de 1917. Foi no final do ano de 1905, após a primeira revolução russa, que Trotsky desenvolveu os dois aspectos principais da sua teoria da revolução: o primeiro diz respeito à direção e ao caráter da revolução, que deveria ser dirigida pelo operariado e ir em direção ao socialismo; o segundo ponto da teoria da revolução permanente, usado mais tarde para combater a concepção de “socialismo em um único país”, pretende que a revolução socialista comece sobre o terreno nacional – só podendo sobreviver dessa forma como um regime provisório – e termine no plano internacional com o socialismo mundial.

A concepção tático-programática de Trotsky será desenvolvida em um de seus trabalhos mais divulgados, intitulado A agonia do capitalismo e as tarefas da

Quarta Internacional: o Programa de Transição, mais conhecido somente por Programa de Transição. Defendendo a concepção de que as forças produtivas do

capitalismo tinham estagnado e que, consequentemente, este não poderia conceder uma melhoria efetiva na qualidade de vida das massas trabalhadoras, o programa concebe uma plataforma de luta baseada em reivindicações radicais,

seja histórica e geograficamente determinada também não invalida a existência de uma tendência teórico-política (que, por sua vez, também é histórica).

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denominadas “reivindicações transitórias”, que impossibilitadas de serem atendidas pelo capitalismo estagnado e decadente acabariam induzindo o operariado a lutar pelo socialismo.

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1. Os aspectos da teoria da revolução permanente

O primeiro pilar da teoria da revolução permanente – “caráter proletário da revolução” e “revolução sem etapas separadas” – foi desenvolvido por Trotsky na obra intitulada Balanços e perspectivas. A partir desse trabalho, e em todos os posteriores, Trotsky sempre deixa claro que a única classe potencialmente revolucionária no capitalismo é o proletariado industrial.

O campesinato e a pequena-burguesia seriam, para Trotsky, incapazes de adotar uma política independente em uma possível situação revolucionária. A situação seria polarizada entre a burguesia e o proletariado. Como a burguesia estaria comprometida com a contra-revolução mundial, o papel de único agente revolucionário recairia sobre o proletariado. Essa argumentação pauta-se a partir da interpretação que Trotsky tem das revoluções Francesa, Alemã e da primeira Revolução Russa, ocorridas respectivamente nos anos de 1789, 1848 e 1905.3

A Revolução Francesa de 1789 é caracterizada por Trotsky como sendo uma revolução burguesa clássica:

“A burguesia, em todas as suas frações, considerava-se como comandante da nação, reunia as massas para a luta, dava-lhes as palavras de ordem e ditava-lhes uma tática para o combate. A democracia construía a unidade da nação a partir de uma ideologia política”.4

3 Cf. Leon Trotsky, 1905 et Bilan et Perspectives. Paris, Minuit, 1969. Cf. o capítulo terceiro,

“1979-1848-1905”.

4 Ibidem, p. 411. Esta tradução e as seguintes, feitas a partir das obras em língua estrangeira,

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Já em 1848, a burguesia alemã seria incapaz de ter um papel político comparável ao da burguesia francesa de 1789:

“Ela não queria nem podia empreender a liquidação revolucionária do sistema social que lhe obstruía a rota do poder. [...] Seu objetivo era introduzir no antigo sistema as garantias necessárias, não à sua dominação política, mas a uma divisão do poder com as forças do passado [...]. Ela não se mostra somente incapaz de conduzir as massas ao assalto da ordem antiga, ela se encosta nesta ordem para melhor segurar as massas que a pressionam”.5

Nessa época, necessitar-se-ia de uma força política capaz de empurrar o “cadáver político” da burguesia. A pequena-burguesia e o campesinato não seriam capazes de empreender essa tarefa. A primeira “cedia sua influência em favor da grande e média burguesia”. Ao campesinato, “faltava-lhe, em uma medida ainda maior, uma iniciativa política independente”. Quanto aos intelectuais, Trotsky concluía que “não tinham um poder de classe, tendo que se arrastar como uma espécie de retaguarda política da burguesia liberal”. Já o proletariado, mostrava-se ainda muito fraco, “faltavam-lhe organização, experiência e conhecimento”. Sobre essa revolução da Alemanha, Trotsky dirá:

“O capitalismo é suficientemente desenvolvido para fazer necessária a abolição das antigas relações feudais, mas não a ponto de conduzir ao primeiro plano, como força política decisiva, a classe operária, nascida das novas relações industriais”.6

Ou seja, a Revolução Alemã de 1848 viria, de um lado, cedo demais e, de outro, muito tarde.

5 Ibidem, p. 413. 6 Ibidem, p. 415.

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Trotsky encara a superação dessas limitações à revolução socialista na Revolução Russa de 1905, concluindo que somente uma luta “puramente socialista” resolveria as contradições decorrentes do cenário europeu, que somente “a tática independente do proletariado” poderia garantir a vitória da revolução; Trotsky concebe a luta da classe operária russa desse período como sendo a primeira revolução socialista. A lição que ele tirava daí era a de que “a tarefa de armar a revolução recaía com todo o seu peso sobre o proletariado”.

Será a partir dessa concepção – de que, de um lado, a burguesia jogaria um papel contra-revolucionário e, de outro, a pequena-burguesia, os intelectuais e o campesinato não alcançariam uma independência política – que Trotsky lança mão da palavra de ordem “ditadura do proletariado”.

Como a Rússia do início do século XX era um país basicamente agrário, tanto Trotsky como Lenin propunham que o proletariado urbano deveria aliar-se com a maioria camponesa na luta revolucionária contra o Czar e o sistema feudal. Contudo, ao contrário da posição de Lenin,7 a aliança operário-camponesa proposta por Trotsky tinha um caráter difuso e oscilante.

7 Lenin propunha uma “ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato”.

Essa formulação carregaria um programa de caráter capitalista com vistas a um conjunto mínimo de políticas – concretizáveis no curto prazo e necessárias à implantação do socialismo. Sobre isso Lenin escreve:

“E essa vitória [da revolução sobre o czarismo, através da ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato] será precisamente uma ditadura, isto é, deverá apoiar-se inevitavelmente na força das armas, nas massas armadas, na insurreição e não em tais ou tais instituições criadas ‘pela via legal’, ‘pacífica’. Só pode ser uma ditadura porque a realização das transformações imediatas e absolutamente necessárias para o proletariado e o campesinato provocará uma resistência desesperada tanto por parte dos latifundiários como da grande burguesia e do czarismo. Sem a ditadura será impossível esmagar esta resistência, rechaçar as tentativas contra-revolucionárias. Mas não será, naturalmente, uma ditadura socialista, mas uma ditadura democrática. Esta ditadura não poderá tocar (sem toda uma série de graus intermediários de desenvolvimento revolucionário) os fundamentos do capitalismo. Poderá, no melhor dos casos, efetuar uma redistribuição radical da propriedade da terra a favor dos camponeses, implantar uma democracia conseqüente e completa indo até a república, extirpar não só da vida do campo mas também da

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Como vimos, na formulação de Trotsky, o campesinato seria incapaz de adotar um papel independente. O proletariado deveria, primeiro, tomar o poder político para depois arrastar o campesinato consigo; esta seria uma condição necessária à sublevação do campesinato.8 Mas qual seria a proposta do programa revolucionário em relação à questão agrária? Qual a proposta de Trotsky para este problema: reforma agrária, baseada na distribuição de terras, ou realizar a coletivização do solo, com vistas a uma planificação da produção agrícola? E, dentro desta problemática, qual seria o papel atribuído ao campesinato na ditadura do proletariado?

Ao traçar as bases da aliança operário-camponesa, em Balanços e

perspectivas, Trotsky oscila propondo um governo “democrático”

operário-camponês (ele não usa esta expressão), tal qual a Convenção formada na Revolução Francesa:

“A Convenção, como órgão da ditadura jacobina não se compôs só de jacobinos; e mais, os jacobinos encontravam-se inclusive em minoria. Mas a influência dos sans-culottes fora da Convenção e a necessidade de um política decisiva para salvar o país puseram o poder nas mãos dos jacobinos. Assim, a Convenção foi formalmente uma representação nacional composta por

fábrica todos os traços asiáticos, servis, iniciar uma melhoria séria na situação dos operários, elevar o seu nível de vida e, finalmente, last but not least levar o incêndio revolucionário à Europa. Semelhante vitória não converterá ainda, de forma alguma, a nossa revolução burguesa em socialista; a revolução democrática não ultrapassará diretamente os limites das relações econômico-sociais burguesas; mas, apesar disso, terá importância gigantesca para o desenvolvimento futuro da Rússia e do mundo inteiro. Nada elevará tanto a energia revolucionária do proletariado mundial, nada encurtará tão consideravelmente o caminho que conduz à sua vitória total como esta vitória decisiva iniciada na Rússia”. Cf. “Duas táticas da social democracia na

revolução democrática.” Obras escolhidas, tomo 1. São Paulo, Alfa-Omega, 1986, p. 411.

8 “As numerosas camadas das massas trabalhadoras, sobretudo no campo, só serão arrastadas

para a revolução e só serão organizadas politicamente depois que o proletariado das cidades, vanguarda da revolução, tomar em suas mãos o timão do Estado”. Cf. Leon Trotsky, La révolution

permanente. Paris, Minuit, s/d, p.298. Apud: Kostas Mavrakis, Du trotskysme, Paris, Maspero,

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jacobinos, girondinos e logo, à margem deles, um imenso pântano; mas de fato uma ditadura dos jacobinos”.9

Trotsky faz uma comparação: tal qual os sans-culottes na Revolução Francesa, o operariado seria a base da ditadura “democrática” do proletariado; permitiria a seus representantes exercerem um papel “dirigente e dominante” na aliança operário-camponesa. O apoio dos camponeses à política do proletariado dar-se-ia na medida em que este garantisse seus interesses:

“...[A dominação do proletariado] significará também a legitimação de todas as mudanças revolucionárias nas condições de propriedade do solo (expropriação) realizadas pelos camponeses. O proletariado fará destas mudanças o ponto de partida para outras medidas estatais no domínio da agricultura. Nestas condições, no primeiro e mais difícil período da revolução, o campesinato russo não estará, em todo caso, menos interessado na proteção do regime proletário ( a “democracia operária”) do que o esteve o campesinato francês em manter o regime militar de Napoleão Bonaparte que garantia com suas baionetas aos novos proprietários de terra a invulnerabilidade de sua propriedade. E isto significa que o congresso de deputados convocado sob a direção do proletariado, o qual se teve assegurado o apoio do campesinato, não será outra coisa senão um aperfeiçoamento democrático da dominação do proletariado”.10

Contudo, nessa mesma obra, Trotsky oscila dessa posição “democrática” em relação à aliança operário-camponesa para uma outra proposta de aliança de caráter “formalista”. Quando ele explana o que seria o “regime proletário”, o caráter democrático fica totalmente de fora. Trotsky não propõe mais uma reforma agrária:

9 Leon Trotsky, 1905. Resultados y perspectivas. S/l., Editions Ruedo Iberico, p. 178. 10 Ibidem, p. 179.

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“No terreno da agricultura surgem problemas análogos, simplesmente por causa do fato da expropriação do solo. Não se pode supor, de modo algum, que um governo proletário divida as explorações da produção em grande escala, depois de sua expropriação, em parcelas individuais e as venda para sua exploração aos pequenos produtores; aqui o único caminho possível é o de organizar a produção cooperativa sob um controle comunal ou diretamente sob uma gestão estatal; e esta é a via rumo ao socialismo”.11

A reforma agrária – medida de caráter capitalista – perde lugar para a coletivização da terra rumo ao socialismo. Isso fica bem claro. Trotsky mostra-se contra a repartição igualitária das terras, para ele a intervenção do proletariado na organização da agricultura “não pode começar atando alguns operários dispersos a pedaços dispersos de terra”; o proletariado deveria “explorar grandes terrenos sobre a base de uma gestão estatal ou comunal”.12 Mas como ficaria a aliança operário-camponesa com a implantação da coletivização ao invés da distribuição de terras? Trotsky esboça uma resposta:

“O regime proletário tem que acometer já, desde o princípio, a solução da questão agrária, com a qual está conectado o destino de grandes massas da população russa. [...] Na questão agrária, as formas e a marcha desta política têm que ser determinadas, de um lado, pelos recursos materiais que estejam à disposição do proletariado e, do outro lado, pela necessidade de tomar suas medidas de tal maneira que os aliados potenciais não se sintam empurrados até as fileiras dos contra-revolucionários”.13

Chega-se, então, a um impasse: por um lado, levando-se adiante uma política de reforma agrária, apoiada em uma ampla distribuição de terras, teríamos a atomização da terra e a dispersão dos trabalhadores agrícolas; por outro lado,

11 Ibidem, pp. 186-187. 12 Cf. ibidem, p.208.

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coletivizando-se a terra, corre-se o risco de perder o apoio do campesinato. Qual das duas opções escolher? Entendemos que, quando Trotsky fala que “as formas e a marcha da política agrária têm que ser determinadas pelos recursos

materiais”, ele já está pensando na possibilidade de exclusão do campesinato na

ditadura do proletariado (agora entendida como uma verdadeira ditadura). Ainda na obra Balanços e perspectivas, há uma passagem que permite esta conclusão:

“Mas até onde pode chegar a política socialista da classe operária nas condições econômicas da Rússia? Uma coisa podemos dizer com toda segurança: que tropeçará muito antes com obstáculos políticos que com o atraso do país. A classe operária russa não poderia manter-se

no poder nem converter seu domínio temporal em uma ditadura socialista permanente sem o apoio estatal direto que lhe prestasse o proletário europeu. Disto não se pode duvidar, nem por um

momento. E por outro lado, tampouco se pode duvidar de que uma revolução socialista no ocidente nos permitiria converter diretamente o domínio temporal da classe operária em uma ditadura socialista”.14

Esse primeiro aspecto da teoria da revolução permanente de Trotsky está presente no conjunto de suas obras. Em seu livro A revolução permanente, escrito em 1928, durante seu exílio, ele dirá que esse aspecto da sua teoria “proclama que o caminho é pela ditadura do proletariado, ao invés da democracia. [...] a democracia é considerada não como um fim que deve durar dezenas de anos, mas como o prólogo imediato da revolução socialista”.15 Isto é, dadas as condições da revolução, com o proletariado à frente do governo, teríamos uma dinâmica revolucionária que conduziria ao socialismo. Ele acredita que este seria

13 Ibidem, p. 207.

14 Ibidem, p. 209. (grifos do autor)

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o “caráter ininterrupto da revolução”: realizar as tarefas da revolução burguesa no próprio processo da revolução socialista.

Podemos ver esses dois pontos – direção do processo revolucionário e caráter da revolução – fundidos na definição que Trotsky faz sobre sua teoria na introdução de A revolução permanente:

“A revolução permanente, no sentido que Marx tinha atribuído a essa concepção, significa uma revolução que não transige com nenhuma forma de dominação de classe, que não se detém no estágio democrático, passando às questões socialistas e à guerra contra a reação externa; uma revolução na qual cada etapa está contida em forma de embrião na etapa precedente, uma revolução que se acaba somente com a liquidação total da sociedade de classes”.16

O segundo aspecto constitutivo da teoria da revolução permanente corresponde ao caráter internacional da revolução. Uma vez iniciada no âmbito nacional, a revolução socialista deveria ser estendida à escala internacional; sua vitória completa sobre o sistema capitalista ocorreria somente sob essas condições.

Há, nesse ponto, uma influência considerável do socialista Alexander Israel Helphand, conhecido como Parvus.17 Segundo este último, de um lado as forças

produtivas se desenvolveram de maneira colossal, em um processo de irreversível mundialização; e, de outro, os Estados nacionais subsistiram, constituindo formas políticas que dificultam esse crescimento. Trotsky encontrará em Parvus o sustentáculo econômico da teoria da revolução permanente. É a partir dele que

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Trotsky compõe sua análise da contradição entre a mundialização das forças produtivas e os Estados nacionais, da formação social russa, de suas anomalias e de suas particularidades desde o ponto de vista da lei do desenvolvimento desigual e combinado.18

Trotsky já esboçara esse ponto em 1905, em Balanços e perspectivas, mas foi em A revolução permanente que ele o desenvolveu de uma forma mais concisa. Ele passa a dar uma maior ênfase à lei do desenvolvimento desigual e combinado do capitalismo.

Segundo ele, a lei do desenvolvimento desigual do capitalismo conferiria algumas características à economia mundial. Esta passaria a ser uma “poderosa realidade independente” criada a partir da divisão internacional do trabalho e do próprio mercado em escala mundial. Ela deixaria de ser uma “simples adição das unidades nacionais” para ser um conjunto, ao mesmo tempo, orgânico e

heterogêneo.19 As citações a seguir, ambas de A revolução permanente, ilustram bem isso:

17 Alexander Israel Helphand (Parvus) nasceu na Rússia em 1867. Morou grande parte de sua vida

na Alemanha. Pensador marxista ligado à Trotsky, teria tido uma participação ativa no retorno de Lenin à Rússia, na véspera da Revolução Russa de 1918. Morreu em 1924.

18 Cf. Alain Brossat, El pensamiento político del joven Trotski. Buenos Aires, Siglo Veinteuno, 1976,

p. 82. Cabe ressaltar aqui que Trotsky diverge da visão predominante da Segunda Internacional de que o desenvolvimento unilinear das forças produtivas romperia com as relações de produção capitalistas, rumo ao socialismo. Influenciado por Parvus, Trotsky passa a defender primeiro uma ruptura com as relações de produção capitalistas para que o desenvolvimento das forças produtivas, então estagnado, pudesse prosseguir. Sobre a questão do desenvolvimento das forças produtivas, ler: Ângela Lazagnha, Lenin, as forças produtivas e o taylorismo. Dissertação de mestrado, Campinas, IFCH-Unicamp, 2002. Ver também: Luciano C. Martorano, Burocracia e

socialismo. Dissertação de mestrado, Campinas, IFCH-Unicamp, 2001.

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“Uma sociedade socialista autônoma não pode ser constituída nem na Índia, nem na Inglaterra, e vice-versa. Os dois países deverão fazer parte de uma unidade mais elevada. É nisto, e somente nisto, que reside a base inquebrantável do internacionalismo marxista”.20

“O internacionalismo não é um princípio abstrato: ele constitui somente o reflexo político e teórico do caráter mundial da economia, do desenvolvimento mundial das forças produtivas e do impulso mundial da luta de classes. A revolução socialista começa sobre o terreno nacional, mas ela não se restringe aí. A revolução proletária só pode ser mantida nos quadros nacionais sob a forma de regime provisório, mesmo que dure um tempo longo, como o demonstra o exemplo da União Soviética. [...] Deste ponto de vista, a revolução nacional não constitui um alvo em si; ela representa somente um elo da cadeia internacional. A revolução internacional, não obstante seus resultados e seus refluxos provisórios, representa um processo permanente”.21

Seguindo a concepção trotskista de internacionalismo, a lei do desenvolvimento desigual e combinado possibilitaria a integração das nações menos avançadas ao processo revolucionário mundial. Isto permitiria a ocorrência da revolução em países como a Rússia e a China, antes mesmo que nos países avançados da Europa. Mas o socialismo, completo, só seria alcançado, segundo Trotsky, em escala mundial; sendo mais fácil a um país com as forças produtivas num estágio avançado alcançá-lo, do que aos países menos desenvolvidos.

20 Ibidem, p. 16.

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2. O Programa de Transição e as reivindicações transitórias

O Programa de Transição foi formulado às vésperas da Segunda Grande Guerra, em 1938, como sendo o programa da Quarta Internacional. Em suas linhas podemos ver a influência da teoria da revolução permanente. Assume os dois aspectos principais dessa teoria, assim como avança em outros pontos. Sua principal contribuição será acerca das concepções táticas da revolução proletária, segundo a concepção trotskista.

No Programa de Transição, Trotsky faz uma avaliação muito positiva das condições para a realização de uma revolução. A partir de uma análise da estrutura econômica da sociedade, Trotsky conclui que as condições para uma revolução estavam maduras: “as premissas objetivas da revolução proletária não estão somente maduras: elas começam a apodrecer”, disse já nas primeiras linhas.22

Para Trotsky, o crescimento das forças produtivas do capitalismo havia chegado a uma situação de paralisação total. Não haveria mais possibilidades de o capital conceder uma elevação no nível de vida das massas. Sua existência exigiria a super-exploração dos trabalhadores. Isto não seria um fato novo, e as massas, já havia tempo, estavam insatisfeitas e prontas à uma revolução social. Esta crise social caracterizaria, segundo Trotsky, uma situação pré-revolucionária.

22 Cf. “A agonia do capitalismo e as tarefas da IV Internacional: o Programa de Transição”. Em A

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Como seria possível aproveitar-se da situação e converter, então, essa insatisfação popular difusa em uma atividade “consciente” rumo à revolução socialista? Tentando responder a essa questão, Trotsky formula sua concepção tática conhecida pelo nome de “reivindicações transitórias”.

As “reivindicações transitórias” consistem em uma série de reivindicações dos trabalhadores, justas no plano do capitalismo, mas impossíveis de serem atendidas pelo capital – dada a crença (de Trotsky) na estagnação. Apesar de não ultrapassarem os limites do capitalismo, elas não estão em discordância com o programa trotskista.

Partindo da premissa da estagnação das forças produtivas do capitalismo, Trotsky acredita que as reivindicações transitórias seriam a ponte entre as reivindicações das massas e o programa da revolução socialista.23 Dada a impotência da burguesia em atender essas reivindicações, os trabalhadores seriam levados a ter consciência de sua condição de classe explorada, como também da eventual necessidade de superação da organização social da produção. Não é errado afirmar, então, que a coerência da combinação de seu programa com a sua tática depende da “aposta” na conscientização (e na mobilização) das massas a partir das reivindicações transitórias; estas aparecem, no Programa de Transição, como um passo que obrigatoriamente leva à revolução socialista.

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Na elaboração do conjunto das palavras transitórias, Trotsky amálgama diversas reivindicações capitalistas (de caráter nacionalista, administrativo e, em certa medida, até “keynesiano”24) com a preparação para a tomada do poder.

Estão num mesmo conjunto de reivindicações: a luta pela abolição do “segredo comercial”; a realização de grandes obras públicas, com o intuito de diminuir o desemprego; a expropriação (sem indenização) de certos ramos da indústria “de caráter estratégico para a existência nacional”, como companhias monopolistas da indústria da guerra, da estrada de ferro, das mais importantes fontes de matérias-primas, etc.); a estatização do sistema financeiro; entre outras. Ao mesmo tempo que propõe essas reivindicações, Trotsky coloca a palavra-de-ordem de criação de “milícias operárias”.25

Para o autor, a dificuldade em tornar essa situação pré-revolucionária em uma situação revolucionária residiria no “oportunismo” das direções tradicionais do movimento operário. Tanto os anarquistas, como os social-democratas e, principalmente, os comunistas são acusados, por Trotsky, de traição ao movimento operário:

“Em todos os países, os proletários se mostram dispostos à revolução e são refreados pelos seus próprios aparelhos burocráticos conservadores. [...] A tarefa do próximo período é a

24 Em referência ao modelo econômico desenvolvido pelo inglês Keynes, na década de 1930, que

previa uma forte interferência do Estado na regulação econômica da sociedade.

25 Ibidem, pp. 83-88. Trotsky propõe que se parta dos “piquetes de greve para o exército do

proletariado, propagando a idéia da necessidade de criação de destacamentos operários de autodefesa”. Dirá: “o armamento do proletariado é o elemento constituinte indispensável de sua luta emancipadora. Quando o proletariado o quiser, encontrará os caminhos e os meios de se armar. A direção, também neste domínio, incumbe, naturalmente, às seções da Quarta

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superação da contradição entre a maturidade das condições objetivas da revolução e a imaturidade do proletariado e sua vanguarda”.26

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3. Apontamentos críticos sobre o programa trotskista

O programa trotskista, da forma como é elaborado no Programa de

Transição, pode apresentar alguns problemas quando aplicado numa situação

concreta. Pretendemos indicar aqui dois desdobramentos que podem ocorrer na sua aplicação prática.

Como vimos, o caráter do programa trotskista está dado pela teoria da revolução permanente. É um programa que concebe o processo revolucionário como algo sem etapas distintas. As revoluções burguesa e socialista, para Trotsky, não têm uma separação definida, estariam contidas num processo indiferenciado: o processo da “revolução permanente”.

A não separação das etapas – entre etapas mínimas (concretizáveis em um reduzido espaço de tempo) e máximas (o objetivo final, que é a sociedade sem classes) –, a não delimitação clara entre diferentes objetivos, induz o programa trotskista a apresentar alguns problemas no que tange à sua aplicação prática. A composição das reivindicações transitórias evidenciam esta afirmação. No item anterior, apresentamos de um modo indicativo que Trotsky aglutina num mesmo conjunto reivindicações capitalistas (às quais seriam atribuídas um caráter transitório) e palavras-de-ordem revolucionárias (a constituição de milícias operárias).

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Esse aspecto do programa trotskista pode desdobrar-se no estímulo a uma prática estritamente sindical (tradeunionista) envolta em um discurso socialista. Uma corrente ou partido, de inspiração trotskista, que privilegie as reivindicações transitórias, em sentido estrito, presentes no Programa de Transição poderá, por conceber tais reivindicações como um passo que obrigatoriamente leva ao socialismo, atribuir a elas um poder e uma importância que não têm e, assim, acomodar-se numa prática sindicalista. O programa trotskista permite que se pratique tradeunionismo imaginando-se fazer luta socialista. Este é o primeiro desdobramento que pode resultar da aplicação prática do programa trotskista.

Há, porém, um segundo desdobramento que está diretamente relacionado com a avaliação estrutural implícita que o programa traz consigo. Ao atrelar a eficácia de seu programa à avaliação de que houvesse uma crise estrutural do capitalismo, o trotskismo restringe a atuação prática dos seus partidários em situações de ofensiva burguesa e de estabilidade do capitalismo.

Como sabemos, a tática para concretizar a revolução permanente corresponde às reivindicações transitórias. Por sua vez, a eficácia das reivindicações transitórias estaria fundamentada na crença da existência de uma crise estrutural das forças produtivas do sistema capitalista, crise esta que ocorreria em escala mundial.

Mas, quais são as características que, para Trotsky, permitiriam falar em uma situação pré-revolucinária?

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Para responder esta questão, voltaremos à conjuntura histórica na qual o programa foi formulado. Para Trotsky, a crise econômica que antecedia a Segunda Guerra Mundial não seria uma simples crise econômica passageira. Ele concebe essa crise como sendo uma crise na estrutura do capitalismo. O sistema teria chegado ao seu limite e a guerra era um exemplo disso. Sua sobrevivência só podia se dar através da super-exploração dos trabalhadores. Consequentemente, Trotsky avaliava que essa situação aguçava cada vez mais a contradição fundamental da formação social capitalista: a contradição capital-trabalho.

Quando Trotsky fala, no seu Programa de Transição, que “em todos os países, os proletários se mostram dispostos à revolução”, ele está pensando sim no aguçamento desta contradição. O que quer dizer isto? Quer dizer que, para Trotsky, havendo uma acentuação da contradição capital-trabalho, temos uma situação pré-revolucionária. Dentro dessa perspectiva, ele permanece no economicismo ao identificar uma situação pré-revolucionária como sendo resultante direta do estado das forças produtivas. Cria uma armadilha para aqueles que se propõem a levar adiante uma prática revolucionária baseada no seu Programa de Transição. Dizemos isto porque o programa trotskista, em qualquer situação que não seja revolucionária, engessa a prática revolucionária: uma tentativa de análise de um determinado período histórico da luta de classes – dentro do período que caracteriza a formação social capitalista –, que se paute, de antemão, pelo programa trotskista, está predeterminada a considerar a situação como sendo pré-revolucionária. Isto traz implicações diretas à prática política e à

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política de alianças das organizações trotskistas. Por exemplo, em uma situação de ofensiva do capital e de recuo do movimento operário, qualquer organização trotskista terá dificuldades em explicar teóricamente uma aliança com setores que não sejam das camadas populares. Poderão reconhecer a situação de recuo em que se encontram, mas manterão a convicção de que se encontram numa situação pré-revolucionária. Isto é um paradoxo que Nicos Poulantzas já havia percebido.27

Mas para entender melhor esta questão, é necessário, antes de tudo, uma incursão nas concepções de cunho teórico.

27 Nicos Poulantzas, ao falar da posição trotskista face ao fascismo, escreveu:

“...tudo se passa como se a própria noção de revolução permanente, aposta ao catastrofismo economicista de Trotsky (ver tese da paralisação do desenvolvimento das forças produtivas com o imperialismo, tese que ele sempre defendeu), não lhe permitisse reconhecer a existência de etapas, no sentido rigoroso do termo, na luta de classes. Revolução parece significar, para Trotsky, iminência sempre presente da revolução – o que dá resultados bastante paradoxais: caracterizar uma etapa como defensiva não impede Trotsky de, ao mesmo tempo, constantemente esperar o ressurgimento, quase metafísico, de uma situação revolucionária ofensiva, a qualquer

instante, no interior dessa etapa. A caracterização, por Trotsky, da ‘era da revolução’ como a da

‘revolução permanente’ parece abolir para ele o tempo, no sentido de que não pode fundamentar uma periodização. Para dar só um exemplo: depois de 1930, acontece muitas vezes que Trotsky fale, em relação à Alemanha, de etapa defensiva e de refluxo, o que de forma alguma o impede, na sua previsão do fascismo, de o considerar como uma resposta à ofensiva da classe operária – situação revolucionária.” Em Nicos Poulantzas, Fascismo e Ditadura. São Paulo, Martins Fontes, 1978, nota 11, pp. 87-88 (grifos do autor).

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4. Contradição e sobredeterminação

Nossa análise pauta-se pelas contribuições de Louis Althusser, escritas em seu trabalho Pour Marx (na tradução brasileira: A favor de Marx). Nesse trabalho, Althusser revoluciona o campo da filosofia marxista ao fazer uma reinterpretação dos trabalhos de Marx, de Engel e, sobretudo, de Lenin.

Grande parte dos marxistas do século XX afirmavam que a dialética marxista consistia simplesmente numa inversão da dialética hegeliana. Marx não teria feito outra coisa senão tirado o “invólucro místico” que envolvia a dialética de Hegel. A dialética seria a mesma, só que separada da filosofia especulativa. Segundo essa concepção, a inovação de Marx consistiria em aplicar a dialética hegeliana à vida, à experiência sensível, no lugar de aplicá-la às idéias.

Para Althusser, a dialética marxista seria distinta da dialética de Hegel. A ideologia hegeliana teria contaminado a essência da dialética, antes mesmo dela ser aplicada na filosofia especulativa. A “envoltura mística” (exterior), a “concepção de mundo”, o “sistema” – um sistema considerado como exterior ao método –, teria a ver com a própria dialética: “a envoltura é a forma mistificada da própria dialética”, disse Althusser. Esse autor salienta que para libertar a dialética marxista do entrave hegeliano é necessário que se vá além da separação da dialética com sua primeira envoltura (o sistema); deve-se libertá-la também da segunda “envoltura”, “que lhe apega ao corpo”, “sua própria pele”, “inseparável

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dela mesma”, que é “ela mesma hegeliana em seu princípio”: a noção de um único núcleo determinante, correspondente ao “espírito absoluto” de Hegel.28

A implicação disso tudo é que, em Marx, os conceitos hegelianos encontrariam uma estrutura teórica diferente. Seriam os mesmos conceitos só que com sentidos diferentes. A partir disso, Althusser revê a interpretação da literatura sobre o conceito de “contradição”, e sobre sua utilização em um tema preciso: o tema leninista do “elo mais débil”.

Althusser cita um exemplo histórico dos erros táticos que podem advir dessa confusão conceitual. Antes da Revolução Russa de 1917, os social-democratas alemães acreditavam que a revolução proletária aconteceria na Alemanha e não na Rússia. A Alemanha era um país desenvolvido, com uma burguesia coesa, já formada, onde a contradição entre burguesia e proletariado (que, por sua vez, via um amplo crescimento do operariado) estava bem delimitada. A revolução aconteceria na Alemanha, segundo os social-democratas, porque era lá que a “contradição” estava mais aguçada. Criticando a posição dos social-democratas, Althusser escreve:

“Acreditavam que a história avançava pelo outro lado, o ‘bom’, aquele do maior

desenvolvimento econômico, da maior expansão, da contradição reduzida à sua mais pura

purificação (a do capital e do trabalho)”.29

Com isso, Althusser pretendia mostrar as implicações táticas da utilização da dialética hegeliana, simplesmente invertida, com apenas um núcleo

28 Louis Althusser, La revolutión teórica de Marx. Trad. espanhola de Pour Marx. Buenos Aires,

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determinante (no exemplo citado, apenas uma contradição determinante: a contradição fundamental da formação social capitalista: capital/trabalho), como se fosse marxista. Mas o elo mais fraco da cadeia imperialista não era a Alemanha e sim a Rússia. Era a Rússia que acumulava uma série de contradições, desde internas a externas, que faziam dela um país propício à revolução.30 Diz Althusser:

“[...] toda a experiência revolucionária marxista demonstra que, se a contradição em geral (que está já especificada: contradição entre as forças de produção e as relações de produção, encarnada essencialmente na relação entre duas classes antagônicas) é suficiente para definir uma situação na qual a revolução está ‘na ordem do dia’, ela não pode, por simples virtude direta, provocar uma ‘situação revolucionária’ e, com maior razão, uma situação de ruptura revolucionária e o triunfo da revolução”.31

Para que esta “contradição geral” chegue a ser um princípio de ruptura, é necessário, segundo Althusser, que se produza uma acumulação de “circunstâncias” de tal forma que possam se fundir em uma unidade de ruptura; o que ocorreria quando se logra agrupar uma imensa maioria das massas populares para derrocar um regime cujas classes dirigentes estão impotentes para defendê-lo. Sobre essa unidade de ruptura, ele afirma que,

“a ‘contradição’ [ele usa o termo entre aspas para indicar a “unidade das contradições”] é inseparável da estrutura do corpo social inteiro, no qual ela atua, é inseparável das condições

29 Ibidem, p. 79 (grifos do autor).

30 Althusser enfatiza que a Rússia czarista , desde 1905, já havia mostrado sua debilidade, que

resultava de um traço específico: “a acumulação e a exasperação de todas as contradições, até então possíveis, em um só Estado”. Dentre as contradições, o autor cita: a exploração dos camponeses por um regime feudal no início do século XX; a exploração capitalista e imperialista desenvolvidas nas grandes cidades e nos bairros suburbanos, nas regiões mineiras e petrolíferas; a exploração e as guerras coloniais impostas a povos inteiros; o grau de desenvolvimento dos métodos de produção capitalista e o estado medieval do campo; a exasperação da luta de classes em todo o país, não só entre exploradores e explorados, mas também no próprio seio das classes dominantes; etc. Cf. Louis Althusser, op. cit, p. 77.

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formais de sua existência e das mesmas instâncias que governa; ela mesma é afetada, no mais profundo do seu ser, pelas ditas instâncias, determinante mas também determinada em um só e mesmo movimento, e determinada pelos diversos níveis, e pelas diversas instâncias da formação social que ela anima; poderíamos dizer: sobredeterminada em seu princípio”.32

Dito de outra maneira, a dialética marxista jamais poderia ser a mesma de Hegel, invertida, sem o “envoltório místico” da filosofia especulativa. Enquanto que a dialética hegeliana, construída dentro de um campo teórico determinado, teria um núcleo central, único, identificado com o “espírito absoluto” da filosofia idealista de Hegel, a dialética marxista seria sobredeterminada em seu princípio.

Conseqüência direta desta concepção é que, agora, a dinâmica de uma situação revolucionária depende de múltiplas contradições. No plano estrutural, ela seria dada não só pela situação da estrutura (base econômica: forças de produção, relações de produção) da formação social, mas pela relação dialética desta com a superestrutura (constituída pelo Estado e todas as formas jurídicas, políticas e ideológicas). No âmbito das classes sociais, uma situação revolucionária seria determinada não mais somente pela relação entre as classes antagônicas do modo de produção capitalista (burguesia e proletariado), mas também pelas contradições das diferentes frações de classes e a relação dialética destas frações de classe com as outras classes sociais da formação social concreta.33

31 Ibidem, p. 80.

32 Ibidem, p. 81 (grifos do autor).

33 Vale lembrar que a noção da necessidade do acúmulo de múltiplas contradições na

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Temos outros exemplos históricos, além do explicitado por Althusser da social-democracia alemã, sobre o erro teórico-tático do movimento socialista marxista. Nicos Poulantzas, por exemplo, ilustra o mesmo problema em uma outra situação.

Ao estudar a questão do fascismo, Poulantzas busca os argumentos que explicariam a razão pela qual a Internacional Comunista não estava à espera do fascismo na Alemanha. O erro da Internacional seria o de considerar o surgimento do fascismo como algo intrínseco à situação econômica em que se encontrava o país. Teria surgido na Itália devido ao seu atraso econômico, mas jamais poderia ocorrer na Alemanha, dada a evolução das forças produtivas desse país. Para Poulantzas, o erro encontrava-se na apreensão do processo como uma “evolução econômica linear”, pois a fraqueza do elo alemão, na cadeia imperialista, não se encontrava na situação econômica. O elo alemão seria fraco devido à eminência de contradições em sua formação social. Essas contradições eram oriundas do período da própria constituição do Estado burguês alemão, no qual havia o predomínio dos grandes proprietários de terra sobre a burguesia, dificultando a industrialização e a intervenção estatal maciça em proveito do capital financeiro.34

As implicações dessa avaliação, adotada pela Internacional Comunista, foram drásticas para o movimento operário. Isto ocorreu devido à crença de que a revolução seria, para eles, uma “conseqüência mecânica” da crise econômica, a revolução estava “na ordem do dia”. O fascismo seria, desta maneira, a última

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etapa (etapa esta necessária) antes da ditadura do proletariado. Sobre isso, Poulantzas diria:

“A revolução proletária na ordem do dia assumia assim, desde já, o significado de uma

revolução pronta a surgir não importa onde nem quando, compreendida como a conseqüência

mecânica da crise econômica, ela própria efeito dessas contradições econômicas”.35

A tradição teórica trotskista, por sua vez, não faz outra coisa senão privilegiar a estrutura econômica da formação social capitalista, principalmente no que diz respeito às forças de produção. Na elaboração de sua tática, praticamente não têm peso os outros componentes do modo de produção, como o Estado e suas formas jurídicas, como as variações de ordem política, ideológica, etc.

No âmbito das classes, a tradição trotskista tende a considerar apenas uma contradição, a do capital versus trabalho: vê as classes sociais como homogêneas deixando de lado as existentes entre as classes e frações de classe de uma determinada formação social concreta.36 Um traço muito comum às correntes trotskistas, por exemplo, é o constante apelo à necessidade de uma independência da classe operária face às outras classes, implicando na recusa permanente de aproveitar-se de possíveis fissuras na unidade entre as frações da classe dominante.

Devido a esse traço teórico – que consiste em privilegiar a contradição fundamental da sociedade capitalista, isto é, Capital versus Trabalho, num plano, assim como as condições econômicas em detrimento de outras condições de

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caráter estrutural, noutro plano – o trotskismo (enquanto teoria) tende a adotar um ultra-esquerdismo economicista que pode conduzir (e em muitos casos concretos conduz) as correntes trotskistas a uma prática política predominantemente marcada (em situações de ascenso do capital) pelo sectarismo e pelo isolamento, como também pode levar a uma prática política que contemple somente questões de cunho estritamente sindical.

36 Vale lembra que o conceito de modo de produção é uma abstração. Uma formação social, por

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5. Os autores trotskistas e a questão das forças produtivas

Quando Trotsky escreveu o seu Programa de Transição, em 1938, acreditava que viria uma nova vaga revolucionária, em escala mundial. O período aberto pela Segunda Guerra Mundial tenderia a conferir à situação do movimento operário mundial um novo alento.

Contudo, terminada a guerra, o capitalismo mundial tomou um rumo diferente. Ocorreram crises políticas de características revolucionárias em países europeus e revoluções populares na periferia. Porém, no centro do sistema, o capitalismo teve um novo impulso com a reconstrução da Europa e com a criação do Estado de bem-estar social. A política econômica baseada nas concepções de Keynes – que orientava para uma maciça intervenção do Estado na condução da economia –, o surgimento do consumo de massas e a ampla rede de proteção social adotados por vários países elevaram o nível de vida dos trabalhadores a patamares jamais vistos. Não houve, como previra Trotsky, um ascenso revolucionário mundial. As vagas revolucionárias ocorreram em países, até então, de baixo crescimento econômico, a exemplo da Revolução Chinesa e da Revolução Cubana.

Frente a essa nova conjuntura econômica, política e social, os militantes trotskistas – sem Trotsky, assassinado em 1941 – iniciaram um debate que marcou a história política do movimento. Houve uma divisão interna entre os principais dirigentes trotskistas. Uns mantiveram a postura de Trotsky, apoiada na

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estagnação das forças produtivas, e culparam as “direções tradicionais do movimento operário” (diga-se: comunistas, social-democratas, anarquistas) pela não ocorrência da vaga revolucionária mundial. Outros fizeram uma reelaboração da tese trotskista das forças produtivas, rompendo com a sua unidade teórica.

Em relação a este assunto, descreveremos aqui, de modo superficial, a posição dos dirigentes trotskistas que influenciaram as correntes trotskistas brasileiras, contempladas neste trabalho: Ernest Mandel, Nahuel Moreno e Pierre Lambert, aos quais se ligaram, respectivamente, a Democracia Socialista, o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado e a corrente petista O Trabalho.

Moreno e Lambert, cada um a seu modo, continuaram defendendo a tese trotskista da estagnação das forças produtivas, enquanto que Mandel passou a propor uma nova teoria econômica sobre o desenvolvimento do capitalismo.

Moreno, seguindo a linha teórica trotskista, postula que as forças produtivas do capitalismo, após a Segunda Guerra Mundial, continuariam sem condições de crescer e distribuir riqueza para os trabalhadores. Seu argumento seria o de que Trotsky não teria errado ao prognosticar a crise das forças produtivas e ao dizer que o “capitalismo agonizante está falindo”. Cita uma série de dados estatísticos, relativos à nutrição mundial, para comprovar sua tese:

“E a realidade atual dá toda razão a Trotsky: o anuário da FAO (Organização de Alimentação e Agricultura da ONU) de 1971 nos informa que 60% da humanidade não chega às 2.200 calorias (ou seja, sofre de fome crônica, já que são necessárias, no mínimo, 2.700 calorias); e 13% consomem entre 2.200 e 2.700, ou seja, estão em estado pré-famélico. Em relação às proteínas, o elemento mais importante na alimentação, segundo Josué de Castro (autor de

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Geopolítica da fome e de Geografia da fome), o panorama é mais desolador ainda. Com exceção

dos EUA, Reino Unido, Oceania, Argentina, Uruguai, Canadá, Alemanha, Suécia, Suíça, Noruega, Dinamarca, França, Bélgica, Países Baixos, Áustria e Finlândia, todo o restante do mundo capitalista (ou seja, dois terços da população) está abaixo das 25 gramas diárias de proteína por habitante, muito abaixo dos 40 gramas mínimas necessárias para um desenvolvimento normal da vida. Esse panorama fica ainda mais sombrio se levamos em conta que a Índia, Indonésia e o Paquistão estão abaixo das 7 gramas, seis vezes menos, portanto, do que se necessita para viver.

Esta situação calamitosa não tende a melhorar; as cifras indicam o contrário, e também demonstram que Trotsky e Lenin tinham razão. A FAO informa que o consumo de calorias nas regiões atrasadas do mundo – Ásia, África e América Latina (1,8 bilhão de habitantes, tirando a China) – foi de 2.130 no pré-guerra, 1.960 no pós-guerra e 2.150 em 1960. Quanto às proteínas, as cifras são de 10, 8 e 9. Neste último caso, fica claro que houve uma queda absoluta em relação ao pré-guerra. Quanto às calorias, apesar das cifras parecerem indicar o contrário, a própria FAO reconhece que ao aumentar fabulosamente o índice de crescimento vegetativo, são necessárias muito mais calorias, já que as crianças precisam mais que os adultos. Esta média não foi feita, mas daria evidentemente como resultado que cada vez se consome menos calorias e proteínas do que a humanidade necessita. [...] No mundo capitalista há cada vez mais fome e desocupação”.37

Para Lambert, mesmo depois do fim da Segunda Guerra Mundial, as forças produtivas do capitalismo permaneceram estagnadas. Mas ele não questiona a ocorrência do crescimento econômico e o desenvolvimento da economia capitalista em escala mundial. A questão é que depois da guerra, o capitalismo imperialista investiria maciçamente no setor de armamentos. Isto teria permitido um crescimento da economia mundial, só que um crescimento “ilusório” que, de forma alguma, representaria o crescimento das forças produtivas. Sua avaliação é

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a de que teria ocorrido uma “transformação das forças produtivas em forças destrutivas”. Ele escreve:

“[...] O motor, da economia do lucro é então a injeção crescente de créditos militares, o mais intenso desperdício de trabalho humano. Assim, as forças produtivas não têm mais hoje a finalidade de acrescer a riqueza material da humanidade, mas transformam-se sob nossos olhos em seu contrário, em forças de destruição. O capitalismo, antes progressivo, tornou-se, com o imperialismo, a reação em toda a linha. [...] E nos dirão que o programa da Quarta Internacional não foi confirmado pelos fatos, que as forças produtivas continuam a crescer!”.38

Lambert chama esse movimento de “economia de armamento”. Segundo ele, os créditos militares subtrairiam do mercado, momentaneamente, uma parte das forças produtivas para atribuir-lhes uma destinação improdutiva; mas a fração correspondente do capital social continuaria seu movimento, distribuiria salários, lucros, etc. Essa fração do capital inserir-se-ia novamente na economia e a transformação desta economia dita de paz em economia de armamentos encontraria seus limites. Aqui, o prognóstico feito por Lambert é catastrófico. Segundo ele, com a reintegração da União Soviética, da China e dos países de democracia popular no seio do circuito do imperialismo mundial, estaríamos caminhando para a terceira guerra mundial.39

Contudo, se levarmos em consideração que a “economia de armamento” consegue fazer a reprodução do capital (seja através da geração de empregos, seja através do impulsionamento das economias, etc.), sem que haja a tendência

38 Pierre Lambert, As forças produtivas pararam de crescer. Extratos do informe de Pierre Lambert

ao CEM [Centro de Estudos Marxistas], em janeiro de 1969, republicado na Edição do Programa

de Transição da revista La Verité, junho de 1989. Tradução feita por mim (A.G.).

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à ampliação da super-exploração dos trabalhadores, podemos dizer que a formulação de Lambert condena toda eficácia que poderia vir a ter o Programa de

Transição. Isto porque tiraria todo o poder “educativo” das “reivindicações

transitórias”, base fundamental de todo o programa.

Por sua vez, Mandel, ao contrário dos dois primeiros dirigentes, procura reelaborar a tese trotskista. Ele introduz uma nova interpretação acerca do desenvolvimento do capitalismo: “a história do capitalismo em nível internacional aparece, assim, não apenas como uma sucessão de movimentos cíclicos a cada 7 ou 10 anos, mas também como uma sucessão de períodos mais longos, de aproximadamente 50 anos”.40

Devido à ocorrência de uma “terceira revolução tecnológica”,41 estaríamos vivendo, no pós-guerra, uma transformação das técnicas de produção – produto da corrida armamentista – que levaria, por sua vez, a um ciclo de expansão capaz de conduzir a uma nova etapa histórica do capitalismo. Isto seria reforçado pela industrialização dos países subdesenvolvidos, com a consolidação de uma nova burguesia, que desempenharia o papel de um outro suporte da tendência econômica expansiva, em longo prazo, nos países capitalistas avançados.42

40 Ernest Mandel, O Capitalismo tardio. São Paulo, Nova Cultural, 1985, p. 83 (coleção Os

Economistas).

41 Mandel atenta para uma correção que fez, em relação ao uso do termo “revolução industrial”:

“Em nossa opinião Oskar Lange está certo ao contestar o uso do termo ‘revolução industrial’ para as grandes explosões tecnológicas, tais como a automação dos processos produtivos desde a Segunda Guerra Mundial”. Diz que, segundo Lange, tal emprego obscureceria a especificidade histórica da Revolução Industrial, que teria constituído a base da industrialização; além do que dever-se-ia enfatizar que a Revolução Industrial estava intimamente relacionada à gênese do modo de produção capitalista e, consequentemente, a uma nova formação social. Mandel diz, então, que passou a utilizar o termo “revolução tecnológica”. Cf. Ernest Mandel, ibidem, p. 84, nota 25.

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Diferentemente de Moreno e Lambert, Mandel abandona progressivamente o Programa de Transição. A partir da crença em uma possibilidade nova de crescimento das forças produtivas, a tática trotskista, caracterizada pelas reivindicações transitórias, perde, assim, todo o seu fundamento. Enquanto que os dois primeiros dirigentes continuam na problemática trotskista, Mandel romperia com a mesma.

A conclusão acima poder ser afirmada porque, como mostramos neste capítulo, a questão da estagnação das forças produtivas ocupa um papel central na formulações de Trotsky. Uma vez abandonada, perde-se a unidade de coesão da teoria.

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Procuramos demonstrar neste primeiro capítulo o que denominamos por “trotskismo”; que este tem uma especificidade própria no campo do marxismo, caracterizada tanto pelo seu programa como pela sua orientação tática; e quais são, ao nosso ver, as deficiências de tal tradição teórica.

Após esta breve incursão nas questões de cunho teórico, e antes de adentrar na análise das táticas das correntes trotskistas no Brasil atual, passemos a uma exposição de caráter histórico das conjunturas econômica, política e social, como também da trajetória das correntes trotskistas contempladas nesta dissertação.

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Referências

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