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Capítulo 3. As táticas das correntes trotskistas no Brasil

2. Programa revolucionário e tática política

2.1 Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU)

Estudaremos primeiro o caso do PSTU, pois, dentre as três correntes, este partido é o modelo mais acabado de manutenção quase dogmática do programa

trotskista e da sua tradição teórica. O partido mantém o Programa de Transição caracterizado pela pressuposição de uma situação pré-revolucionária, baseada, por sua vez, na análise da crise estrutural das forças produtivas, e que tem por tática a aposta nas reivindicações transitórias. Também adota uma política de alianças restrita, na qual exclui qualquer participação de correntes burguesas e pequeno-burguesas. Em relação às direções tradicionais do movimento operário, o partido diz que estas exerceriam o papel de frear os levantamentos populares contra a super-exploração do capital, oriunda da sua crise estrutural; o PT, nas suas palavras, “teria traído o movimento operário”.

Em ambas as campanhas eleitorais de 1998 e 2002, o PSTU manteve as bases do programa trotskista, assim como da teoria da revolução permanente. Não obstante uma conjuntura marcada por uma ultra-ofensiva do capital, onde conquistas mínimas conseguidas ao longo de anos de lutas dos trabalhadores foram praticamente destruídas, o partido manteve a avaliação de que havia uma crise estrutural do capitalismo, situada ao nível mundial, que empurrava os trabalhadores rumo a uma revolução socialista, sobretudo na América Latina.

Manteve, dessa maneira, a concepção na tática das reivindicações transitórias como forma de conscientização das massas proletárias da necessidade de uma revolução social. Em ambas as campanhas eleitorais de 1998 e 2002, o partido lançou mão de reivindicações radicais baseadas em uma postura antimonopolista, antilatifundiária e anti-imperialista. Por exemplo, em seu programa eleitoral de 1998, apresentou o que chamava de uma “proposta operária e socialista para a crise” (do capitalismo brasileiro), que almejava “uma série de

medidas radicais que ataquem pela raiz os males que atingem a classe trabalhadora e os setores populares de nosso país”. Dentre elas, propunham: a redução da jornada de trabalho para 36 horas semanais, sem redução de salários; o aumento geral do salário mínimo, até alcançar o nível proposto pelo Dieese em um ano; a expropriação dos latifúndios e dos grupos multinacionais sem indenização com vistas à reforma agrária; a estatização dos sistemas de educação, saúde e financeiro; o rompimento com o Fundo Monetário Internacional e o não pagamento das dívidas externa e interna; a reestatização sem indenização das empresas privatizadas; a expropriação dos grandes monopólios nacionais e estrangeiros.118

Assim como em 1998, em 2002 o partido repete o programa eleitoral baseado nas mesmas reivindicações radicais.119 Em ambos, apesar de apresentar seu programa como sendo socialista, o partido não propõe a tomada do poder político, nem a expropriação geral da grande burguesia e o fim da propriedade privada dos meios de produção. Também não está entre seus objetivos a atuação pela via parlamentar. Mantém-se numa linha de apostar nas lutas populares como única forma de mudanças concretas face ao sistema democrático burguês.

Entretanto, durante esse período, o PSTU veio combatendo as políticas e a ideologia neoliberais: criticou veemente as privatizações, exigindo a reestatização imediata sem indenização; pediu o fim da abertura comercial, participando de campanhas contra a mesma – teve participação ativa na organização do plebiscito

118 Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, Programa eleitoral de 1998 do PSTU: uma

saída operária e socialista para a crise brasileira. S/l, 1998.

sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), em 2002 –; lutou contra a redução dos direitos trabalhistas e previdenciários; denunciou a sangria sofrida pelo país na questão das dívidas externa e interna, exigindo a suspensão do pagamento das mesmas; dentre outras medidas progressistas apresentadas. Contudo, essa luta ficou prejudicada pelo isolamento em que o partido ficou submetido por não buscar alianças com outros setores que também foram prejudicados pelos efeitos do neoliberalismo, além do campo popular.

O PSTU reconhece que haveria uma situação de ofensiva imperialista, sobretudo na região latino-americana. Ao referir-se às pressões impostas a essa região no sentido da abertura comercial, como também à ingerência na condução econômica por parte das políticas das agências ditas “mutilaterais” (FMI, Banco Mundial, OMC), o partido sustenta que o imperialismo estaria impondo um retorno à situação de colonização, denominada por seus dirigentes de “recolonização imperialista”.

No Brasil, o projeto de recolonização teria um grande impulso com a implantação do Plano Real, pois seria uma forma de transferir uma enorme massa de capitais para os países imperialistas. Seu ponto culminante dar-se-ia com a implantação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) que, se concretizada, seria a submissão total ao império norte-americano.

Um traço característico do partido é a noção genérica que apresenta de “crise”. Não é feita nenhuma distinção entre os diferentes tipos de crise que podem se apresentar e isso acarreta a negação da possibilidade de adoção de

tarefas diferenciadas em etapas distintas. Por exemplo, o PSTU aceita a noção de modelo neoliberal, mas não concebe a luta contra esse modelo como um objetivo distinto da luta contra o capitalismo. Neoliberalismo, imperialismo e mesmo capitalismo estão, para o partido, no mesmo plano e a luta contra qualquer um deles é, ao mesmo tempo e sem diferenciação, a luta contra todos. Do mesmo modo, a crise de um é também a crise de outro. Podemos associar essa posição à leitura que seus dirigentes fazem do programa trotskista, ela está diretamente relacionada à concepção de uma constante situação pré-revolucionária.

Paradoxalmente, o partido reconhece que o imperialismo exerceria um ataque bem sucedido aos direitos dos trabalhadores e à soberania das nações dependentes e, ao mesmo tempo, afirma que isso seria uma situação de sua fraqueza, reflexo da crise do capitalismo. Diz, assim, que a recolonização faria parte de uma estratégia do imperialismo para “aumentar o nível de exploração dos trabalhadores dos países atrasados para conseguir capitais e assim tentar superar a crise econômica estrutural que, com altos e baixos, se arrasta desde o fim dos anos 60 e começo dos anos 70”.120

O neoliberalismo também estaria em crise. Em 1998, o partido considerava que a crise econômica das bolsas – iniciada pela débâcle mexicana (1995) e que se seguiu com as crises econômicas asiática (1997) e russa (1998) – sinalizava uma crise do neoliberalismo, reflexo da própria crise do capitalismo.

“Hoje, ao lado da crise do estalinismo, existe também a crise do neoliberalismo. Ou seja, a nova face da crise do capitalismo.

A primeira grande expressão da crise do neoliberalismo aconteceu em dezembro de 1994 com a explosão da economia mexicana. Um após outro, os modelos neoliberais caíram. Em 1997, foi o sudeste asiático, que era propagandeado como o futuro do capitalismo e de toda a humanidade. Em 1998, estourou a economia russa, derrubando assim a propaganda que apresentava a restauração do capitalismo como o passo destas economias para o ‘Primeiro Mundo’. No início de 1999, a desvalorização do Real colocou o Brasil na rota da crise”.121

Em 2002, o partido manteve essa posição incorporando a tese na qual os Estados Unidos viviam uma “crise de grandes proporções” (sinalizada pela queda da taxa de lucro das empresas, pela queda da bolsa de ações e pelos falsos balanços financeiros de algumas empresas daquele país) que se estenderia a outros países, como a Argentina. A crise dos Estados Unidos teria, para os dirigentes do PSTU, um significado ideológico na consciência das massas, empurrando-as para a luta.122 Paralela à crise do capitalismo, surgiriam as lutas populares em vários pontos, principalmente na América Latina, que sinalizariam o caminho da revolução socialista.

A avaliação estrutural incide diretamente na política de alianças a que o partido se propõe. Tal qual no Programa de Transição de Trotsky, a tarefa objetiva dos marxistas revolucionários no Brasil seria a de superar a contradição entre a “maturidade das condições objetivas à revolução socialista” e a “imaturidade do proletariado e sua vanguarda”. Assim, segundo essa concepção, toda e qualquer aliança com setores burgueses, sejam eles representantes da grande burguesia

120 Programa eleitoral de 1998, op. cit, p. 6.

121 Eduardo de Almeida Neto, Brasil: reforma ou revolução?. São Paulo, PSTU, ac. 1999, p. 16.

(coleção Cadernos Marxistas)

ou da pequena, seria uma forma de traição à revolução; isto porque as massas seriam empurradas à revolução (dada a sua condição de exploradas que não pode ser amenizada pelo capital em crise) e as direções tradicionais do movimento operário (no caso do Brasil o PT, o PCdoB, a CUT) exerceriam o papel de freio, optando pela luta institucional ao invés da luta nos movimentos populares.

É a partir desse ponto de vista que o PSTU vai se posicionar nas campanhas eleitorais de 1998 e 2002.

Em 1998, o partido criticou a política de alianças do PT em praticamente quase todas as edições do seu jornal. Já em fevereiro, podíamos ler artigos chamando o PT a lançar uma candidatura classista para o governo federal. No mês seguinte, seus dirigentes escreveram uma “Carta aberta ao PT”, na qual propunham a constituição de uma “frente dos trabalhadores anticapitalista e que rompesse com o neoliberalismo e a globalização imperialista”.123 A principal crítica operava-se em torno da política de alianças do PT que rondava setores da pequena burguesia, como o PDT, de Leonel Brizola e Antony Garotinho, e o PSB, de Miguel Arraes. Como o PT manteve sua estratégia eleitoral, o PSTU resolveu lançar, em abril, o metalúrgico José Maria de Almeida a candidato à presidência com um vice camponês, José Galvão. Declaravam estar apresentando uma candidatura “operária e socialista” que se colocaria “a serviço da luta contra

123 Direção Nacional do PSTU, “Carta aberta ao PT”. Em Opinião Socialista, n. 50, de 5 a 19 de

Fernando Henrique Cardoso, contra o projeto neoliberal, contra a burguesia e contra o FMI”.124

Em 2002, quando o PT lançou a campanha eleitoral juntamente com o Partido Liberal, oficializando a candidatura Lula – com o empresário mineiro do setor têxtil, José de Alencar, como vice da chapa –, foi criticado pelo PSTU. Não era dessa época que o partido avaliava que o PT teria se configurado como um partido eleitoreiro, descomprometido com as lutas sociais. O PSTU, desde muito, já vinha criticando o oportunismo parlamentar petista. Mas, em 2002, o PT foi além de realizar uma aliança com setores da burguesia: contra tudo o que vinha pregando nos últimos anos, incorporou parte do discurso burguês neoliberal em seu programa. Lula, então candidato à presidência pelo partido, assumiu publicamente que, caso fosse eleito, “honraria os contratos” (lê-se: pagar a dívida pública e seus juros exorbitantes), manteria a estabilidade financeira e realizaria o superávit primário.125 E foi em cima dessa mudança programática que o PSTU concentrou suas principais críticas.

Para o PSTU não importava qual o candidato, dentre os quatro mais cotados, fosse eleito em 2002. Isto porque os programas de todos eles não colocavam em questão os pilares do atual modelo econômico. Independente do resultado eleitoral, “o Brasil caminharia o mesmo rumo trilhado pela Argentina” (que sofreu uma série crise política e econômica em 2001).126 Uma das críticas

124 “Editorial: Esquerda terá alternativa classista e socialista”. Em Opinião Socialista, n. 52, de 9 a

22 de abril de 1998.

125 Luiz Inácio Lula da Silva, Carta ao povo brasileiro. São Paulo, 22 de junho de 2002.

126 “O Brasil no caminho da Argentina”. Em Opinião Socialista, n. 132, de 30 de maio a 12 de junho

mais duras endereçadas à candidatura Lula deu-se quando esta decidiu, a pedidos do então presidente Fernando Henrique Cardoso, comprometer-se a manter o acordo firmado pelo presidente com o Fundo Monetário Internacional.127

Podemos dizer que nas eleições presidenciais de 2002 a principal preocupação do PSTU foi impulsionar as lutas contra os acordos em torno da Área de Livre Comércio das Américas. Esteve, juntamente com outros setores populares, na organização de um plebiscito popular sobre os acordos da Área de Livre Comércio das Américas e colocou toda a sua campanha à serviço da denúncia do perigo que representaria a assinatura de tal projeto. Essa tática era vista pelo partido como uma forma de aglutinação dos setores populares para uma somatória de forças para futuras lutas com o próximo governo:

“É necessário construir uma alternativa de esquerda para valer nas lutas diretas dos trabalhadores e dos jovens, assim como nas eleições. Hoje começa a se constituir um movimento que está levando adiante a campanha contra a Alca (MST, Consulta Popular, Pastorais Operárias e da Juventude, PSTU) que pode ser uma alternativa para os ativistas do movimento operário, popular e estudantil [...].

[...] Colocamos nossa campanha a serviço das lutas dos trabalhadores e da juventude, chamamos a que se integrem a ela todos aqueles ativistas que estão contra o programa de direita que o PT está defendendo”.128

O partido teria uma visão muito pessimista acerca do papel a ser exercido pelo Partido dos Trabalhadores no Governo Federal. Como dissemos acima, o

127 “Editorial: A ‘transição’ do FMI e a eleição da mudança para não mudar”. Em Opinião Socialista,

n. 135, de 25 de julho a 7 de agosto de 2002.

PSTU denunciava as mudanças programáticas levadas a cabo pela direção do PT e propunha, já há algum tempo, a constituição de um novo partido revolucionário. Por exemplo, desde 1998, em seu programa eleitoral, já dizia ser necessária a construção de um novo partido, que não necessariamente seria o PSTU. Em 2002, termina seu programa de governo conclamando os movimentos populares à constituição desse novo partido:

“[...] Este partido [refere-se ao PT] faliu como uma alavanca para as lutas das massas. Serve para ganhar votos, mas hoje é mais um partido do regime.

É necessário construir um novo partido perante a falência do PT, que agrupe os lutadores das mais distintas origens e setores sociais, com base em um programa anti-imperialista e anticapitalista. Chamamos o MST, a Consulta Popular, todos os ativistas da campanha contra a Alca e os setores da esquerda petista a discutirem conosco esta perspectiva [...]”.129