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Grafico 5 Ranking sobre Educação – UNESCO 2011

4.9 APOSTILAS DE AULAS PRÁTICAS

Em sua materialidade significante, a apostila das atividades práticas apresenta um conjunto de procedimentos no que tange à pesca, a manipulação, embalagem, técnicas de salga e ao processamento dos pescados. No material consta um leque de receitas à base de pescado,

a serem desenvolvidas durante as aulas práticas. O gênero receita, porém, não se constitui enquanto mera ilustração da organização textual do material didático, mas como ilustração de uma atividade prática que diz respeito à aula e que parece estar contribuindo para transformar a aula enquanto um acontecimento, produzindo sentido para os alunos participantes, no caso, para as pescadoras.

Percebe-se, pelo glossário das apostilas que a preocupação final não é somente com a alfabetização e com o letramento dessa comunidade de jovens e adultos. Há sim a inserção no universo da letra, mas o material não é constituído especificamente para esse fim. Ou seja, o letramento não é o fim da aprendizagem, mas um meio, isto é, um instrumento pelo qual o aluno adquire uma formação específica na área em que ele atua, nesse caso, no fazer pesqueiro.

Assim, mantém-se o nome “pedagogia”, por meio da metodologia da “pedagogia da alternância”, apontando que o referido material está inserido em um escopo metodológico e teórico por meio da proposta de uma metodologia pedagógica. É justamente isso que contribui para caracterizar o que nesta pesquisa entende-se por “aula”.

Para tanto, esclarece-se que nessa pesquisa será adotada a definição de Antunes (2009), quando afirma “aula é situação de aprendizagem, desenvolvida em espaços diferentes e na qual se fazem presentes um ou mais professores que, dominando fundamentos epistemológicos ajudam seus alunos a aprender.” (ANTUNES, 2009, p. 22). Assim, a aula não existe de uma única maneira, muito menos em um único espaço, e, por conseguinte, há de se conceber situações diferentes de aprendizagem para se respeitar diferentes estilos de linguagem nos alunos, esses tidos como centro do processo de aprendizagem.

Esses pressupostos fazem com que esse curso de FIC-PPCO, seja, de fato, um curso de formação em uma instituição de ensino e não se caracterize apenas como um curso de qualificação “aligeirada”, para aquisição de uma habilidade específica, como por exemplo, “informática básica”, ou afunilando ainda mais, curso de “Word” ou “Excell” ou ainda de “Moleiro”, conforme consta no Guia PRONATEC de Cursos FIC, do MEC48. Pelo contrário, o material apresenta todo um projeto institucional da Rede Federal para uma formação técnica específica para uma comunidade pesqueira, mas esse vem açambarcado em uma pedagogia que, por sua vez, está fornecendo sustentação para a aula. Em outras palavras, esse projeto de formação está legitimado naquilo que se compreende como sendo uma aula. A diferença

48 Moleiro: Desenvolve atividades de recebimento, armazenamento, secagem, moagem ensacamento, pesagem e distribuição de grãos. Controla a eficiência e a qualidade na produção, beneficiamento e classificaçao de grãos, conforme normas legais de higiene, qualidade e segurança, com carga horária de 160 horas. Adotado do Guia PRONATEC de Cursos FIC, 3ª edição. Disponível em www.pronatec.mec.gov.br , acessado em 21.03.2015.

fundamental é que as condições de produção apresentadas estão sendo propostas de modo que faça com que o assunto abordado reflita e refrate a vida dessas pessoas.

Assim, segue abaixo um exemplo de receita à base do pescado:

Receita de Fishburger

É o “hambúrguer” feito do peixe, em que são aproveitados peixes pequenos ou filés. O produto é de grande valor nutritivo.

Matéria Prima: Peixe sem vísceras, cabeça e escamado. Ingredientes por kg:

100 gramas de farinha de trigo ou P.T.S. (Proteína texturizada de soja moída); 200 ml de água gelada; 20 gramas de sal;

0,5 gramas de noz moscada; 50 ml de óleo; 01 grama de pimenta do reino; 03 gramas de glutamato monossódico;

50 gramas de cebola ralada; 02 gramas de alho. Tecnologia de Fabricação:

Congelar os peixes limpos para facilitar a moagem, durante 2 horas; Moer os peixes com as espinhas, em discos, por 2 vezes em crivo maior e menor;

Adicionar os ingredientes;

Mexer bem até formar uma massa homogênea; Hidratar a P.T.S com água gelada;

Adicionar na massa e mexer bem;

Moldar em forma de bife, e plastificar um a um para congelar e guardar; Fritar em óleo bem quente.

Duração de 3 à 4 meses.

Obs.: Se preferir, passar na farinha de rosca.

Fonte: Curso de Pescado – Apostila de aulas práticas, pág. 22. Disponível em http://projetocambira.blogspot.com.br, acessado em 06.05.2013.

Com o desenvolver das aulas práticas, o curso parece ter possibilitado se pensar um discurso mais polissêmico a partir do momento em que os saberes das pescadoras foram levados em consideração e experiências foram trocadas entre elas. Explicando melhor, é recorrente o deparar com programas de aprendizagem no âmbito escolar, em que há conteúdos ensinados, mas que não serão úteis aos estudantes. Um exemplo típico é a aprendizagem de receitas que nunca serão feitas. O gênero textual receita é um gênero que se aprende na escola e que fica, quando muito, registrado na prova de final de período de ano letivo, sendo logo esquecido pelos estudantes. No entanto, para que isso faça sentido, tem que haver a união entre o conhecimento prévio (no âmbito da pesca) com o que se aprende no âmbito da aula. Ou seja, o interdiscurso entra em cena não somente para reforçar o que o aluno já sabe, mas a atualização desses saberes

é que vai transformar a aula no acontecimento, ou seja, é o novo afetado por uma memória (da pesca) que vai produzir um sentido outro. Com efeito, no Projeto Cambira as receitas produzidas em sala de aula são realmente elaboradas no Laboratório de Pescados e Cooperativismo do IFC-Araquari, seguindo-se de uma sessão de degustação dos pratos produzidos. O conhecimento produzido, além de não correr o risco de ser esquecido, ainda é disseminado para as comunidades circunvizinhas, por duas formas. A primeira forma é por meio das festas típicas da região, em que os pratos a base de pescado do Projeto Cambira são servidos. A outra forma, que indica um sinal de que pode contribuir para que a aula se torne um acontecimento discursivo na vida da comunidade pesqueira, é o efeito-autor produzido no encontro de duas formações discursivas distintas, provenientes da pedagógica e da oralidade da comunidade pesqueira, resultando uma terceira formação discursiva dominante que é a proveniente do discurso pedagógico predominantemente polêmico, surgido por meio de uma nova posição-sujeito: pescadora-professora. O efeito-autor surgiu com as OPPs, atividades essas desenvolvidas pelas pescadoras para a comunidade e para a região.