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Grafico 5 Ranking sobre Educação – UNESCO 2011

6.1 GESTO DE AUTORIA NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM: UMA

6.1.1 Culinária pesqueira: primeiras inquietações

O discurso pedagógico tradicional aparece muitas vezes como predominantemente autoritário, concretizando um fazer pedagógico de modo a manter os sentidos estabilizados. Com efeito, os alunos são levados a se inscreverem em formações discursivas previamente estabelecidas e são privados de circularem por outros espaços de sentido que não aqueles legitimados pela instituição escolar. Na Rede Federal, por exemplo, a técnica é ensinada e os alunos a reproduzem, de forma que a ideologia dominante seja assegurada.

Dadas essas considerações, adentra-se a análise de um vídeo institucional, tomado como corpus para este estudo. Antes desta análise é indispensável localizar o vídeo em apresentação, ou seja, informar sobre as suas condições de produção. O vídeo apresenta as atividades da comunidade pesqueira no âmbito do Projeto Cambira, porém é um trabalho realizado por uma instância legitimada enquanto espaço institucionalizado: a EPAGRI, vinculada à Secretaria de Estado da Agricultura e da Pesca. Acrescenta-se que, embora financiado pela Casa Familiar do Mar e município de São Francisco do Sul, o vídeo apresenta tanto a comunidade pesqueira de São Francisco do Sul quanto a comunidade pesqueira de Balneário Barra do Sul.

Inicia-se a análise anunciando-se que o confronto do simbólico com o político está presente nos diversos discursos, não somente naquele de ordem política. Orlandi (2012) aponta que o político, pensado discursivamente, está presente em todo discurso, afirmando que “não há sujeito, nem sentido, que não seja dividido, não há forma de estar no discurso sem constituir- se em uma posição-sujeito e, portanto, inscrever-se em uma ou outra formação discursiva que, por sua vez, é a projeção da ideologia do dizer.” (ORLANDI, 2012, p. 55). Assim, a AD

preocupa-se com os gestos de interpretação, também referentes às relações de poder simbolizadas numa sociedade dividida. Já as primeiras marcas dessa relação de poder são apresentadas no início do vídeo. A primeira imagem a surgir à vista do telespectador é a da seguinte frase: “Um vídeo financiado pelo: CNPq Processo 557246/2005-9.” Percebe-se que a imagem retrata uma luta ideológica pelo poder, uma vez que há atravessamentos de outros discursos ressaltando aos olhos: que processo seria esse? Mais um dado estatístico para consolidar a “escada dos números” ao qual se refere o Governo Federal na página do MEC (disponível em www.mec.gov.br) ao apresentar os índices do IDEB em fevereiro de 2011, afirmando encontrar-se em nossas escolas, institutos e universidades o alicerce para o conhecimento? Conhecimento de quem? Do quê? Para quem? Quem é o detentor do conhecimento? Quem pode inscrever-se nesse discurso? Transformação de quem? Em quê? Qual é o conhecimento legitimado pelo governo, e consequentemente, pelas instituições de ensino?

Seguindo as primeiras imagens, encontra-se o título: “Uma abordagem sobre a Culinária Pesqueira”, sendo a expressão “Culinária Pesqueira” inserida na tela do vídeo com o auxílio de peixes em forma de animação. Após, é apresentada a imagem do litoral de Balneário São Francisco do Sul e de Balneário Barra do Sul, seguida do mercado público, da peixaria, da igreja, e finalmente, são focados os pescadores, mas no ambiente da pesca, seja na labuta em alto mar, seja nas atividades de preparo da rede. Quando o foco é dado aos frutos do mar, em forma de alimento processado e servido para degustação, quem aparece degustando o prato não é mais o pescador. Esse sai de cena para dar lugar a alguém que, pela delicadeza das mãos com unhas pintadas, sem qualquer marca de calos, e pelo uniforme branco, não tem o perfil de pescador, especialmente dos pescadores de Balneário Barra do Sul que possuem idade avançada, mas de alguém que fala de outro lugar discursivo, o do saber legitimado, autorizado a avaliar o que foi produzido.

A narradora, no início do vídeo, ao anunciar: “As comunidades litorâneas foram a porta de entrada dos colonizadores açorianos, que se estabeleceram de norte a sul desenvolvendo nos vilarejos a prática da pesca artesanal e como consequência, receitas à base de frutos do mar” apresenta as marcas de dominação dessa comunidade desde o início da sua colonização.

Para Pêcheux ([1969] 1997), o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição, não existe “em si mesmo”, ou seja, em sua relação transparente com a literalidade do significante, mas, ao contrário, “é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo

no processo sócio-histórico na qual as palavras, as expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas).” (PÊCHEUX, [1969] 1997, p. 160).

A AD não vê, porém, o sujeito como fonte do dizer, mas sim um sujeito movido pela ideologia e que tem a ilusão de que exerce a sua própria vontade livremente, por meio do discurso. A apropriação das formas de linguagem é social, constitutiva e participa dessa ilusão do sujeito. No discurso pedagógico também o professor tem a ilusão de ser dono do seu dizer, ao passo que o que ele faz é reproduzir um sistema cristalizado pela ideologia em prol da garantia da escola enquanto instituição de poder. Isso é retratado na fala da narradora do vídeo institucional “Sabemos através de histórias e livros que muitas dessas receitas eram elaboradas de acordo com a necessidade dos povos que escolheram o litoral para habitar.” (grifo nosso).

Orlandi ([1983] 2011), em seus estudos sobre o discurso pedagógico cita Bourdieu (1974), ao afirmar que a escola é o local da reprodução cultural e o sistema de ensino é “a solução mais dissimulada para o problema da transmissão de poder, pois contribui para a reprodução da estrutura das relações de classe dissimulando, sob a aparência da neutralidade, o cumprimento dessa função.” (ORLANDI, [1983] 2011, p. 22). A AD se constitui assim nesse espaço, nesse entremeio, como diria Pêcheux, “trabalhando suas contradições”.