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Grafico 5 Ranking sobre Educação – UNESCO 2011

5.4 CIRCULAÇÃO DO DISCURSO PEDAGÓGICO NA INTERNET A PARTIR DO

5.4.4 Circularidade do discurso pedagógico e o Projeto Cambira

O dispositivo analítico elaborado nesse estudo parte da compreensão da subjetividade dessas mulheres no quadro de suas condições de produção numa relação intrínseca entre trabalho e educação na perspectiva capitalista, que por assim, produzem discursos que atuam na constituição do sujeito na contemporaneidade. Atenta-se para o fato de que quem produziu o blog foram os profissionais da EPAGRI juntamente com os profissionais do IFC-Araquari e com o coordenador do Projeto Cambira. A posição-sujeito de quem produziu o material está legitimada pelo discurso pedagógico institucionalizado. Percebe-se como isso afeta os gesto de interpretação.

Segundo Lagazzi (2011), a contradição do equívoco permite ao analista compreender que a imagem, na relação entre a materialidade significante e a história, possibilita o deslocamento, uma vez que expõe o sujeito aos sentidos, culminando em diferentes processos de identificação.

Numa perspectiva discursiva, o sujeito social, coletivo é marcado pela ideologia e insere-se em um processo histórico. Para Lagazzi (2011), “no trabalho simbólico da incompletude e da contradição no social, imagens e palavras compõem possibilidades de deriva, e nos deixam ver a diferença em sua potencialidade de trazer à tona o político.” (LAGAZZI, 2011, p. 409).

Quando as pescadoras são apresentadas no blog ao público, por meio de fotos extraídas durante as aulas, são focalizadas apenas as costas das alunas. Retratando assim o processo de não identificação do sujeito no discurso na qual ele está inserido. São seres sem rosto, sem história, sem direito à exibição. Com efeito, na história das políticas educacionais brasileiras a mulher sempre ficou à margem desse processo. Na própria nomenclatura no qual o público de mulheres também está inserido, encontra-se “Educação de Jovens e Adultos”, apontando para uma generalização do público alvo, sem especificação de gênero.

No documento base do PROEJA-FIC60, o Governo Federal apresenta a preocupação com relação à evasão escolar e afirma que apesar do avanço significativo do número de matrículas a evasão continua ocorrendo, também em cursos na modalidade EJA (Jovens e Adultos). E inculca a responsabilidade pelo fracasso escolar em um âmbito nacional nas pessoas, ao pronunciar que o governo busca alternativas por meio da oferta de vagas, mas as

60 PROEJA-FIC (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos e Formação Inicial e Continuada). Disponível em www.mec.gov.br/setec, acessado em 16.03.2012.

pessoas não estão usufruindo desse benefício. Será que somente a oferta de vagas é a solução? Garantir o acesso sem a devida permanência não é inclusão. O grupo de pescadores da comunidade pesqueira ao se inscrever na ordem do discurso pedagógico assume uma posição de formação de responsabilidade institucional, mas não é considerada na totalidade de suas singularidades. Dessa forma, passa a fazer valer pelos dados estatísticos que representa para o governo, enquanto mão de obra produtiva para o mercado de trabalho, mas enquanto ator no processo de identificação do sujeito, torna-se cada vez mais anônimo.

Figura 21. Aula do Projeto Cambira em 31.10.2010

Fonte: Blog Projeto Cambira. Disponível em http://projetocambira.blogspot.com.br, acessado em 18.04.2012.

Chama-se a atenção para o modo de noticiar na capa da edição cuja foto está exposta acima: “Nova sala da Associação das Mulheres Pescadoras de Balneário Barra do Sul - AMUPESC.”

O ato de focalizar apenas as costas das mulheres pescadoras em um contexto de sala de aula resulta em um efeito de sentido de um sujeito marginalizado dentro do próprio contexto escolar. Aí se instaura a contradição. Agora é um sujeito focalizado de uma forma que o ângulo sugere um ser sem identidade. É mais um produto que deve ser preparado para o mercado de trabalho. Sujeito esse que deve ser formado para então passar a existir. Passar a ser alguém, com rosto. O rosto não coincide com a face. Para Agamben (1996), por toda a parte em que “algo alcança a exposição e tenta tomar o próprio ser exposto – por toda parte em que um ser aparece afundado na aparência e deve, desde o início, retornar a ela – tem-se um rosto.” (AGAMBEN, 1996, p. 74). Dessa forma, o rosto das pescadoras vai passar a existir e fazer

sentido a partir do momento em que elas se constituírem egressas do sistema de ensino que forma para o mercado de trabalho, mas também para a vida.

Segundo Agamben (1996), o rosto expõe e revela, não é qualquer coisa a ser formulada, nessa ou naquela proposição significante, mas o rosto é “o ser inevitavelmente exposto do homem e, também o seu próprio estar escondido nessa abertura. E o rosto é o único lugar da comunidade, a única cidade possível.” (AGAMBEN, 1996, p. 74). Assim, a revelação do rosto pode ser entendida como a revelação da própria linguagem. É através do rosto que distinguimos os indivíduos, que definimos os papéis sociais e que se dá o efeito de sentidos entre as pessoas (ou não).

Apresentando o sujeito sem rosto, não é considerada a vivência desse ser que tem experiências de vida, história e projetos. O blog reforça a ideia de que a escola é rede do saber legitimado. O aluno não sabe e deve receber conhecimento em forma de informações de quem sabe, nesse caso do professor que por sua vez apropria-se aqui da identidade do cientista. Essa ideia é reforçada por meio das imagens expostas dos produtos, dos artefatos e dos diversos slogans institucionais.

Vejamos outra imagem das pescadoras, agora sob novo ângulo:

Figura 22. Dia de produção do Projeto Cambira

Fonte: Blog Projeto Cambira. Disponível em http://projetocambira.blogspot.com.br, acessado em 18.04.2012.

A foto acima, datada de 09 de novembro de 2010, é intitulada: “Dia de Produção no Laboratório de Pescados e Cozinha Experimental – IFC Araquari.”. Ao que segue a frase de

tom avaliativo: “Parabéns a todos os participantes do Projeto pelo dia produtivo no Laboratório de Pescados e Cozinha Experimental do IFC Araquari.” (grifo nosso).

Novamente, na perspectiva de câmera, as mulheres são focalizadas sem rosto. São agora apenas mãos que trabalham incessantemente para garantir o “dia de produção” da instituição de ensino. Podemos estabelecer aqui, novamente, uma relação metafórica com os processos industriais iniciados no último século. A combinação do ensino geral com o ensino profissionalizante começou a exigir do aluno dedicação total para aprofundar-se no conhecimento das técnicas necessárias ao mundo do trabalho. Partindo dessa análise, a imagem apresenta mãos que remetem ao trabalho na linha de montagem e produção em série nas fábricas no início dos “tempos modernos” em que vigoravam os modelos Taylorista/Fordista na divisão do trabalho.

Sobre isso Bourdieu (1989) afirma que:

É toda a lógica da politização como esforço para “desprivatizar” a experiência da exploração e também a habituação a um modo de pensamento mecanicista que levam as análises mais subtis e mais rigorosas das condições de trabalho a reduzirem o trabalhador ao seu posto de trabalho, ignorando tudo o que ele deve ao seu passado e tudo o que ele é fora da sua existência profissional. (BOURDIEU, 1989, p. 98).

Nas últimas décadas, apesar dos avanços da microeletrônica, o modelo de produção Taylorista/Fordista ainda não está extinto no Brasil. Apesar das mudanças ocorridas na transição do século XX para o XXI, em termos de organização de trabalho devido à terceira revolução industrial (da tecnologia), tal perspectiva ainda supõe a aceitação do mercado como instrumento regulador da sociedade, no lugar de afirmar a centralidade no ser humano, visando atender às necessidades dos sujeitos e da sociedade.

5.4.5 A aula como acontecimento e as imagens não publicadas no blog: entre o dito e o