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Grafico 5 Ranking sobre Educação – UNESCO 2011

4.1 CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Todo discurso é resultado de certas condições de produção. Partindo dessa concepção, o objetivo deste estudo é desenvolver uma forma de conhecimento sobre as condições de produção que envolvem o processo de formação – ensino e aprendizagem - da comunidade pesqueira de Balneário Barra do Sul, em Santa Catarina, no que tange ao curso de Formação Inicial e Continuada em Processamento de Pescados e Cooperativismo (doravante FIC-PPCO), ofertado pelo Instituto Federal Catarinense – Campus Araquari (IFC-Araquari).

Pêcheux ([1969] 1997), ao estudar o conceito de “condições de produção”, assim as define:

[...] enunciaremos, a título de proposição geral, que os fenômenos linguísticos de dimensão superior à frase podem efetivamente ser concebidos como um funcionamento mas com a condição de acrescentar imediatamente que este funcionamento não é integralmente linguístico, no sentido atual desse termo e que não podemos defini-lo senão em referência ao mecanismo de colocação dos protagonistas e do objeto do discurso, mecanismo que chamamos

condições de produção do discurso. (PÊCHEUX, [1969] 1997, p. 78, grifo

do autor.)

Assim, para o estudo das condições de produção do Projeto Cambira, há de se pensar a materialidade significante constituída nas condições de produção do curso FIC-PPCO. Para Lagazzi (2011), a materialidade significante não se reduz à língua, mas abarca também outras possibilidades de manifestação simbólica. Orlandi (2012) acrescenta que “a materialidade específica do discurso é a língua.” (ORLANDI, 2012, p. 214). Porém, vale ressaltar a palavra “específica”, não “exclusiva”, apontando para a existência de outras formas de manifestação da linguagem que podem constituir a materialidade significante. Percebe-se então, que não é o contexto imediato que vai agir para que a materialidade discursiva se manifeste, mas as condições históricas, ou seja, os sentidos em sua historicidade. Dessa forma, a materialidade significante, tomada em sua historicidade, ultrapassando os limites das noções de contexto, é que vai compreender a materialidade discursiva.

De acordo com Kress (1997), o foco apenas na linguagem verbal não parece ser suficiente se o interesse dos estudos é no discurso. Outros modos de linguagem estão se tornando cada vez mais significativos como formas de representação do que foram num passado mais recente. O som, por exemplo, seja na forma de trilha sonora, ou música, é um deles. Até mesmo o movimento corporal é cada vez mais usado como modo de representação, ou ainda, uma breve olhada em um vídeo de rock contemporâneo pode vir a ilustrar isso claramente.

Pêcheux (2011) apresenta o termo “materialidade discursiva” como sendo o nível de existência sócio-histórica, que não se refere nem a língua, nem a literatura, nem as “mentalidades” da época, mas que “remete às condições verbais de existência dos objetos (científicos, estéticos, ideológicos...) em uma conjuntura histórica dada.” (PÊCHEUX, 2011, p. 152).

Na tentativa de refinar essas colocações, e seguindo os procedimentos da AD, o raciocínio que segue é embasado na análise do corpus que servirá para ilustrar as condições de produção que originaram o Projeto Cambira, ou seja, em um sentido amplo, as condições de produção incluem o contexto sócio-histórico, ideológico.

Partindo dessa perspectiva, o presente estudo constitui-se de uma análise do Plano Pedagógico do Curso FIC-PPCO, bem como das apostilas que serviram de orientação para a concretização do curso, apresentadas a partir da sua textualização. Assim, importante observar como o sujeito se significa na posição em que ocupa. Dito de outro modo, como, a partir de suas condições, o sujeito estabelece a relação do mundo constituída em sua discursividade. Isso implica na observação de que todo texto tem sua materialidade, e a partir dela ele pode ser analisado de modo que se compreenda o seu funcionamento. Partindo dessa ótica, a AD traz como unidade o texto, não como artefato para a análise do conteúdo (o que o autor quis dizer?), mas como o texto se organiza em sua discursividade em relação a sua materialidade. Dito de outra maneira: é porque um texto tem sua materialidade que ele pode ser analisado, que se pode abarcar a compreensão do seu funcionamento na produção de sentidos.

Marques (2000) acrescenta que:

Os termos de texto e discurso disputam a denominação deste novo objecto de análise, sem que se chegue a uma opção que satisfaça todos os investigadores. Se uns usam os termos indiferenciadamente, outros há que optam ora pelo primeiro ora pelo segundo, aduzindo argumentos que não logram o consenso, ainda que, a considerar os dois conceitos, o discurso se caracterize por duas dimensões fundamentais: a natureza empírica, como unidade de uso, concreta, e a natureza dinâmica, como lugar de construção do sentido. (MARQUES, 2000, p. 57).

Um ponto a ser levado em consideração é a importância da noção discursiva de recorte, ressaltando-se a diferença entre segmentar uma frase e recortar um texto, este concebido como uma unidade marcada pelo caráter de sua incompletude que para Orlandi (1984), é “uma unidade discursiva. Por unidade discursiva entendemos fragmentos correlacionados de linguagem-e-situação. Assim, um recorte é um fragmento de situação discursiva.” (ORLANDI, 1984, p. 14). Porém, o entendimento da noção de recorte é melhor compreendido ao atentar-se para o que Orlandi (1984) aponta a respeito da incompletude da linguagem e da polissemia. Sobre a questão da incompletude é interessante notar o que a autora expõe, ao discutir o problema do tópico num diálogo: “...com essa ideia de incompletude apaga- se, em relação a turnos, o limite que separa o meu dizer e o do outro.” (ORLANDI, 1984, p. 16). Ou seja, o que o sujeito diz não está completo, uma vez que parte do sentido está no que o outro diz e vice-versa. Outro aspecto a ser considerado é a compreensão da noção de polissemia. Para Orlandi (1984), a polissemia é “o processo que, na linguagem, permite a criatividade. É a atestação da relação entre o homem e o mundo.” (ORLANDI, 1984, p. 11). Dessa forma, tomando-se a multiplicidade, faz-se necessário considerar esta relação entre o homem e o mundo, que é uma relação que passa pelo outro, no momento da interlocução. Assim, compreende-se a necessidade de se substituir a noção de segmento pela noção de recorte. O gesto analítico de recortar visa ao funcionamento discursivo, buscando-se compreender as relações significativas entre elementos significantes.

O presente estudo não será pautado pelo texto na sua completude, ou seja, na exploração extensiva do texto inteiro. Assim, utilizar-se-ão recortes que serão levados em consideração como mostras significativas de marcas da discursividade que permeiam a textualidade em análise. Conforme Braga (2013), a partir dos recortes que trazemos de nosso corpus:

marcamos como uma unidade discursiva representa fragmentos correlacionados à linguagem e à situação na produção de enunciados. Nesse sentido, a unidade discursiva, representada por fragmentos da situação discursiva é ilustrativa do princípio segundo o qual agem certos tipos de discursos, segundo a configuração das condições de produção, marcados pela história e pela língua. Ou seja, os discursos que atuam na consolidação da enunciação e dos enunciados ali proferidos não se perdem, e o recorte remete à ideia dos efeitos de sentido dos dizeres e não à mera reprodução de informação, marcando, desse modo, o tenso embate entre a paráfrase e a polissemia. (BRAGA, 2013, no prelo).

Assim, a pesquisa é norteada pelo seguinte recorte: apresentar, na formulação dos discursos possíveis, a forma de materialização discursiva das aulas do Projeto Cambira, bem

como as possibilidades de efeitos de sentido que se textualizam nas aulas e seus desdobramentos enquanto acontecimento discursivo.

Essa análise, ao produzir uma forma de conhecimento sobre as condições de produção do curso FIC-PPCO, realizado por meio do Projeto Cambira, objetiva apresentar as materialidades significantes, produzindo novas materialidades discursivas no decorrer do curso. O conhecimento produzido neste trabalho visa dar à escola uma sustentação sobre as bases histórico-discursivas consistentes e contribuir para trabalhar as noções mais próximas das determinações dos aprendizes, fugindo daquelas noções imaginadas pelas propostas pedagógicas tradicionais.

Para alcançar o objetivo proposto, fez-se necessário a descrição seguida da análise do corpus destacado para a pesquisa. O material consiste no Plano Pedagógico do curso de FIC- PPCO, em um conjunto composto por três apostilas utilizadas para as aulas teóricas e para as atividades de pesquisa pelo método da pedagogia da alternância, pedagogia essa já explicitada no decorrer do segundo capítulo (item 2.6.2), bem como uma apostila de atividades práticas para uso no Laboratório de Pescados do IFC-Araquari. Este estudo norteia-se também nos estudos de Foucault (1995), acerca da resistência, e a partir dessa concepção, busca-se esboçar uma proposta de compreensão que está sendo chamada de resistência constitutiva35 e verificar a sua presença nas condições de produção do Projeto Cambira.