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Apreciação artística, um hábito que deve ser construído desde os primeiros anos de

7.2 Representações contidas no discurso dos professores e a origem destas falas

7.2.3 Apreciação artística, um hábito que deve ser construído desde os primeiros anos de

A representação da construção de um hábito a ser desenvolvido, aparece no discurso salientando as dificuldades encontradas pelos professores dentro das salas de aula, durante a realização de sua prática docente, como evidenciado na entrevista 5: 2ª série o aluno já acha que a aula de artes é a aula da brincadeira, não sei de onde que ele vem assim com essa coisa, porque 2ª série o aluno ainda é pequeno, mas e le já vem: ah! aula de artes é aula de extravasar, de conversar, de gritar, de sair do lugar e você tem que lidar com essas questões e, claro, arte é uma outra disciplina bem diferente dentro do currículo como educação física, mas não é para brinca, é pra se lúdica, mas não é brincadeira.

Os grupos sociais são dotados de características objetivas e subjetivas, sendo assim, qualquer tentativa de compreensão dos fenômenos manifestados em seu interior não podem furtar-se a análise de nenhum desde aspectos. A partir das teorias construcionistas, abordadas neste trabalho sob a perspectiva de Berger; Luckmann (1985), tais fenômenos sociais são dotados de três momentos, separados e ordenados sistematicamente apenas para que possamos compreender melhor como ocorrem tais processos, são eles: interiorização, objetivação e exteriorização. Esses três processos ocorrem durante todo o tempo de vida dos indivíduos e são através deles que o mundo, os eventos e as pessoas são dotados de sentido.

Os hábitos, bem como os costumes, são construções que apresentam tais características objetivas e subjetivas manifestadas por indivíduos e grupos sociais, a partir de processos de realizados desde a mais tenra infância. Berger; Luckmann (1985) chamam esse primeiro momento de contato de socialização primária, processo dialético de formação do indivíduo nos primeiros anos de vida ainda no âmbito

familiar, será através desse processo primeiro que as crianças irão se tornar membros de uma sociedade.

O primeiro processo, o de interiorização, trata-se do modo como o indivíduo apreende ou interpreta os acontecimentos objetivos, dotados de sentido, realizados por outras pessoas. Refere-se a um processo subjetivo de incorporação de significados, sentidos e importância que determinadas manifestações realizadas por outrem são interiorizadas pelo indivíduo. Desse modo, ações cotidianas que para muitos de nós são quase automáticas, tornam-se matéria prima no processo de interiorização durante a socialização primária. A interiorização num sentido geral é a base primeira para a compreensão não apenas dos eventos como também das pessoas que estão a nossa volta. Desse modo ações, eventos e pessoas são significadas e interiorizadas pelas crianças num processo contínuo de construção de sentido tornando -se, nesses casos, profundamente enraizados na consciência, muito mais do que processos de interiorização realizados na socialização secundários.

Nesse processo de interiorização as normas, regras e conceitos passam por um processo de generalização, tornando-se regra, norma e conceito geral válidos para toda a sociedade a partir do núcleo familiar próximo, o outro (mãe, pai, avó, avô irmãos mais velhos, entre outros). Os conceitos, as normas e as regras são generalizadas assim como o outro também torna-se generalizado. Segundo Berger; Luckmann (1985, p.184), a socialização primária finda quando o conceito de outro generalizado é internalizado pela criança.

Consideremos agora alguns indicadores objetivos, publicadas pelo IBGE através da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD 2005/2006), relacionados às famílias, educação e distribuição de renda:

 Taxa de analfabetismo para maiores de 25 anos, região Sul: Homens – 6,6 %

Mulheres – 7,5 %

 Número médio de anos de estudo das pessoas acima de 25 ano s, região Sul: Homens – 7 anos

Mulheres – 6,9 anos

 Taxa de escolarização das pessoas com 25 anos ou mais: Santa Catarina – 5,1 % [freqüenta algum tipo de escola]

 Pré-escola Pública 136 mil Particular 39 mil  Ensino Fundamental Pública 820 mil Particular 94 mil

 Famílias com crianças entre 0 e 14 anos de idade, total e respectiva distribuição de renda, por classe de rendimento médio familiar/mês per capita – Santa Catarina.

 Famílias com crianças entre 0 e 14 anos - 935.811 famílias

½ sm ½ a 1 1 a 2 2 a 3 sm 3 a 4 5 sm Distribuição per capita de

renda/mês, salário mínimo (sm) 15,6% 30,1% 31,5% 9,7% 5,9% 3,6%

Prontamente os números demonstram a importância e responsabilidade da escola pública, 90,7% das crianças que freqüentam o ensino fundamental na região Sul do Brasil, estavam matriculadas na rede pública. O tempo médio de freqüência escolar dos pais destas crianças é de 7 anos, o que indica que estes homens e mulheres não concluiram o ensino fundamental, apenas 5,1% dos adultos com mais de 25 anos de idade freqüentam algum tipo de instituição escolar, e a maior faixa da população no estado de Santa Catarina [77,2%] possuía uma renda per capita entre ½ e 2 salários mínimos ao mês.

Todos estes números nos encaminham para compreensão de forte impossibilidade da família ser capaz de realizar vivências necessárias que possibilitem a interiorização, durante a socialização primária, de hábitos e conceitos importantes para a formação de pessoas críticas e apreciadoras de manifestações culturais das quais desconhece, tais como a produção artística historicamente constituída e as manifestações contemporâneas. Dizemos isso não visualizarmos uma incapacidade cognitiva ou perceptiva nos grupos familiares, mas sim porque os dados revelam que tais grupos pouco conseguem se aproximar de tais eventos por falta de oportunidade e desconhecimento.

Nesse aspecto é na escola, momento de socialização secundária, que vivências e experiências devem ser proporcionadas às crianças, com o intuito de tornar conhecido todo o acervo de saberes já construído artisticamente pela humanidade.

É a partir desse entendimento que os professores de artes ancoram a representação relacionada à necessidade de desenvolver hábitos de apreciação artística. O fato da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis não ofertar aos seus alunos, de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental, a Disciplina de Arte com professores habilitados, agrava ainda mais os problemas vivenciados pelos educadores que atuam de 5ª a 8ª séries.

Ocorre que no momento da socialização secundária do indivíduo, as mediações de produção de conhecimento são mantidas a partir de sub-mundos institucionais ou baseados em instituições (BERGER; LUCKMANN, 1985). Se durante a socialização primária a identificação e significação das pessoas estão diretamente relacionadas com as emoções que envolvem tais circunstâncias, na socialização secundária os processos de aprendizagem podem ser realizados dispensando esse aparo subjetivo, estabelecendo-se a partir da comunicação mútua entre os seres humanos.

Os aprendizados construídos nesse segundo momento de socialização [escola], estão descolados de uma identificação pessoal com os propositores destes saberes, sendo assim, estes conhecimentos tornam-se mais voláteis e relativamente são mais facilmente anulados. A criança, ao voltar para casa depois de seu período de aulas [4 horas diárias], retorna para realidade de seu cotidiano familiar, ligado a socialização primária, podendo facilmente abandonar o aprendizado adquirido nos espaços escolares. O esforço para tornar o processo de socialização secundária efetivo torna-se desse modo imperativo para construção de saberes, sentidos aliados ao mundo da humanidade como um todo.

7.2.4 O ensino de arte como transformador das emoções, motivador de reflexão