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A Teoria das Representações Sociais (TRS) é uma proposta teórica feita por Serge Moscovici em 1961 na França, a partir de sua obra La Psychanalyse, son image, son public. Naquele as idéias seminais do que veio a ser chamado de TRS já estavam presentes, porém aparentemente não houve eco daquelas idéias no meio acadêmico de forma imediata. Foi a partir do trabalho de Louis Althusser em Os aparelhos ideológicos do Estado, que uma fenda foi aberta dentro da Academia para a inserção de novos personagens, tais como o de gênero, a serem considerados na busca de compreensão da realidade. (JODELET, Denise. Representações sociais: um domínio em expansão. In: JODELET, 2001).

Durante a década de 1980 com a retomada dos textos de Moscovici e a contribuição de outros trabalhos, a TRS passa a ser utilizada como um dos suportes na compreensão de fenômenos populares, bem como na apreensão de sua natural diversidade, sendo estes dados coletados diretamente junto aos seus agentes.

A TRS opunha-se ao estabelecido pela Psicologia Social da primeira metade do século XX, segundo a qual, apenas no âmbito das Ciências e através de seus métodos empíricos seria possível conhecer um objeto/fenômeno. Para Moscovici, a possibilidade de se aproximar cada vez mais da compreensão dos fenômenos sociais, não estava posta no pensamento primitivo, crente no poder da mente em configurar a realidade, nem no postulado da ciência, depositária de fé no poder ilimitado dos objetos de conformar o pensamento.

Segundo Moscovici (2003, p.29), “devemos aceitar que ambas, a seu modo, representam um aspecto da relação entre nossos mundos internos e externos; um aspecto além disso, que vale a pena ser investigado.”

Compreender, a partir deste entendimento é o ato de processar informações. Os dados para uma pesquisa que tem como intuito compreender o modo como alguns indivíduos representam socialmente determinado entendimento, são coletados não apenas por procedimentos limitados e métricos. Informações são transmitidas e percebidas através de todo aparato sensorial humano. A TRS valida não apenas o conhecimento universal reificado, postulado pela ciência, mas também traz para reflexão o conhecimento universal consensual presente no cotidiano dos grupos

sociais. Moscovici propõe uma ciência mista, em que os dados não são coletados e interpretados pelos pesquisadores sob a luz de um suporte teórico, mas sim analisados segundo os processos histórico, social, cultural, político e econômico que envolvem seus agentes.

Não podemos falar em TRS sem considerarmos aquele que teoricamente traz as contribuições primeiras neste campo, Émile Durkheim (1995). Na tentativa de constituir o que hoje temos hoje como Sociologia, Durkheim buscou criar um afastamento entre os fenômenos sociais e fenômenos psíquicos [individuais]. Desta forma indicou que o primeiro deveria caber ao campo da Sociologia e o segundo a Psicologia. Quando um fenômeno social possuir uma explicação psicológica, segundo Durkheim, este será falso. A explicação de um fenômeno social somente é possível a partir de outros fatos e fenômenos sociais.

Moscovici assume a relevância do trabalho teórico de seu antecessor, porém busca provar em seus escritos que na sociologia moderna, os referenciais buscados para reflexão e compreensão dos fenômenos sociais devem incluir conceitos tanto da psicologia como da sociologia. O mundo e as situações são percebidos através dos sentidos, percebe-se então com todo o corpo [esta é uma idéia extremamente atraente no campo das Artes], a partir destas informações construímos idéias acerca das coisas e eventos, neste processamento constituí-se o que para a TRS é denominado compreensão.

A importância da identificação e visibilidade das representações sociais dá-se justamente pela possibilidade de poder nominar o que antes era apenas percepção, algo disforme, inominado e como tal desconhecido, fora da realidade. Nominar não é apenas um ato organizacional, sintático; é também, possivelmente mais que o anterior, um ato semântico, na medida em que se nomeiam os objetos e eventos atribuímos à estes significados, construímos valores e passamos a observar o mundo com olhos mais apurados que antes. Não se ignora mais o que antes apenas sentíamos como percepção. “A sociedade é, para a pessoa, em grande parte, determinada por aquilo que é socialmente aceito como realidade” (Lewin apud MOSCOVICI, 2003).

As representações sociais são criações de pessoas e de grupos humanos, que ocorrem no ato de comunicação entre estes indivíduos, bem como a partir das relações de proximidade e/ou afastamento entre os agentes. Moscovici alerta para o caráter autônomo que as representações possuem após terem sido criadas, por vezes muitas

destas criações humanas perdem seu referencial de criação, tornando -se fossilizadas entre os grupos e os indivíduos.

Segundo o autor podemos afirmar que: quanto menos se pensa sobre as representações sociais incorporadas, maior é a influência destas sobre a vida cotidiana. Podemos pensar então que alguns tabus bem como os pré-conceitos, podem ser representações sociais que perderam seu referencial de origem, são tipificações (Berger e Luckmann, 1985) preservadas nos comportamentos individuais e coletivos, continuando a ser reproduzidos nas gerações que se sucedem.

Moscovici (2003) apresenta Bom, que afirma serem os grupos sociais e a massa, desprovidos da capacidade criadora intelectual; Moscovici discorda desta afirmação. Ainda que as ideologias e seus impactos sejam postulados de maneira descendente, ou seja, de um grupo pensante para a massa, estas idéias chegam aos grandes grupos e aos indivíduos e são interpretadas. As pessoas e os grupos em seus universos cotidianos conversam, trocam idéias, comentam sobre os assuntos que ouviram ou leram em determinado meio e ocasião. Há desta forma a recepção de informações, mas não de maneira passiva. Os grupos recriam as teorias outrora ouvidas, formulam novas filosofias a partir dos conhecimentos presentes na ciência e nas ideologias, estas funcionam como alimento para a formulação de tais recriações.

Moscovici (2003) compara as representações sociais com os átomos ou os genes, a ciência do início do século XX sabia que estes existiam, mas nada podia ser feito para determinar seus funcionamentos ou ainda as maneiras como estes se comportavam. O mesmo se passou com as representações. A TRS apresentada por Moscovici propõe considerar fenômeno o que antes era visto como conceito. Ou seja, as representações ocorrem de maneira independente da vontade de seu agente, ela permeia e constitui o modo de ser e estar dos humanos no mundo.

O material manifesto nas representações é de tal modo denso, que não pode ser definido por categorias teóricas gerais. Moscovici através da TRS nos auxiliou neste labirinto de conteúdos trazidos pelas representações através de duas qualificações, que são significativas e serviram de guia durante a jornada da pesquisa:

 Os conteúdos trazidos pelas representações ocupam lugar intermediário, entre conceitos, e buscam viabilizar uma forma do indivíduo ou grupo abstrair sentidos do mundo, tornando estes significativos. Deste modo, as representações possuem sempre duas faces: uma icônica e outra simbólica, que funcionam interdependentes, como lados de uma mesma

folha de papel. Sendo assim, a representação é composta por dois elementos conjugados que se relacionam às duas faces: imagem e significação. Com descolamento da linguagem cotidiana do discurso científico, o mundo de nossas experiências e de nossa realidad e não é mais regido pelas mesmas normas que regem o mundo da ciência. O que está expresso através das palavras e dos cenários apresentados pelos participantes da pesquisa são as aparências destas representações, essas estão carregadas de sentido, de significação, sendo ambas indissociáveis. É deste modo que Moscovici salienta a importância dos estudos de linguagem a partir das representações. (Moscovici, 2003 p.46)

 As representações são manifestações que possuem estruturas nada fixas, podendo ser alteradas ou ainda desaparecer num espaço de tempo dentro de um mesmo grupo; nós a vemos como estruturas dinâmicas, operando em um conjunto de relações e de comportamentos que surgem e desaparecem, junto com as representações. Moscovici salienta a diferença entre sua teoria e a de seu antecessor [Durkheim], expondo o fato de que em nossos dias as representações manifestas, muitas vezes, não possuem o tempo necessário para se tornarem densas como Durkheim afirmou que eram. Moscovici está interessado em representações sociais de seu tempo de sua contemporaneidade, cercada por palavras, imagens e idéias que penetram nossos sentidos e invadem nossa mente, ainda que não tenhamos clareza de tal fato.

Focado então nestas duas qualidades das representações, esta pesquisa se deteve em alguns focos manifestos pelas representações para proceder à análise e tratamento dos dados.

As representações sociais (RS), apesar de dotadas de conteúdo denso e emaranhado em diversos conceitos, crenças e experiências vivenciadas pelos indivíduos, também possui um núcleo que as fortalece.

Essa região é tratada como sendo o núcleo central das representações sociais, que possui duas funções básicas:

 Função geradora; capaz de criar ou transformar as significações, provendo para estas um sentido, um valor.

 Função organizadora; é ele [o núcleo central] que permite a estabilidade que perpassa as representações, criando as ligações necessárias para a união das idéias.

Deste modo, existe nas RS um sistema central que é constituído pelo núcleo central, que estabiliza e torna o discurso legítimo, uma fala e muitas bocas; porém sabemos também que as características das RS são a consensualidade e a divergência de idéias entre os indivíduos do grupo. Para legitimar esta flexibilidade há também um sistema periférico, que possibilita à representação manter-se ligada a realidade momentânea.

Sendo assim, o sistema central detém uma função normativa, que possibilita a uniformidade das idéias dentro do grupo; e o sistema periférico garante a flexibilidade destas idéias. (Abric, 1994 apud Sá, 1996 p.73)

O quadro a seguir busca explicitar melhor o papel destas duas figuras dentro do sistema central.

Sistema central Sistema periférico

Ligado à memória coletiva e à história do grupo

Permite a integração das experiências e histórias individuais

Consensual; define a homogeneidade do grupo

Suporta e heterogeneidade do grupo

Estável, coerente, rígido Flexível, suporta as contradições

Resistente à mudanças Evolutivo

Pouco sensível ao contexto imediato Sensível ao contexto imediato Funções: gera a significação da

representação. Determina sua organização

Funções: permite adaptação à realidade concreta. Permite a diferenciação do conteúdo. Protege o sistema central.

Tais características da TRS apresentaram-se como apropriadas para procedermos à analise dos discursos coletados, garantindo legitimidade e flexibilidade aos resultados da pesquisa.

Os participantes desta pesquisa [professores de artes visuais] que se dispuseram a relatar suas visões acerca do ensino de arte contemporânea, estão todos imersos na realidade escolar da rede pública municipal de Florianópolis; sendo assim fez se necessário o aporte de uma teoria que nos possibilitasse compreender as manifestações

(RS) a partir de uma corrente teórica que corrobo rasse com as idéias construcionistas manifestadas até o momento.

Para tanto, apresentamos a seguir as idéias de Norbert Elias (1994), sobre o que chamou de processo civilizador. Possibilitando-nos analisar os resultados desta pesquisa a partir de uma lente mais ampla, compreendendo fatos como resultados de processos e pessoas como construto, social e individual.