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Também como parte significativa da coleta, tratamento e análise de dados conceituais, abaixo relatamos nossas impressões sobre as entrevistas realizadas. Trata- se de parte de nossas anotações no diário de camp o e de lembranças daqueles momentos.

1ª entrevista. Cheguei antes do horário ao local combinado, a Biblioteca Estadual localizada no centro da cidade de Florianópolis. Nesta semana o professor estava de atestado médico, por conta de fortes dores que sentia nos músculos dos ombros. Enquanto eu aguardava no térreo do edifício, dirigi-me até o balcão de informações e perguntei se haveria a disponibilidade de um espaço onde eu poderia conversar com o professor e expliquei os motivos. Uma senhora pouco polida me indicou uma sala ao lado de seu balcão que estava vazia. Assim que o professor chegou fomos para este espaço. Iniciamos uma conversa amena sobre os objetivos da pesquisa e todas as etapas de sua realização. Após o aceite no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, iniciamos a gravação.

Durante todo o tempo da entrevista falamos em voz baixa, porém o suficiente para garantir a inteligibilidade da gravação. O professor se demonstrou feliz por estar participando da pesquisa, e encarou este momento como um modo de poder discutir com um colega alguns assuntos relacionados a sua prática docente. Bastante tranqüilo e seguro do que dizia seguimos todo o roteiro de entrevista, o único distúrbio que

tirava sua atenção em alguns momentos eram as dores que sentia no ombro, manifestas através de contrações no rosto e uma vez verbalmente. Quando isso ocorreu sugeri que perseguíssemos numa outra data, mas preferiu ir até o final, esta entrevista durou 35 minutos.

2ª entrevista. Foi realizada na unidade escolar. Numa visita prévia, e por sugestão da professora, combinamos que iríamos conversar na sala dos professores e o momento de nossa entrevista aconteceria durante uma de suas aulas. Cheguei alguns minutos antes do horário combinado, apesar da facilidade de entrar na escola, pois esta era uma das poucas que não possuía grades e cadeados, demorei alguns minutos para me apresentar a alguém e solicitar que avisassem a professora que a esperaria no local combinado.

Demonstrando-se bastante agitada e ansiosa, iniciamos uma conversa sobre os objetivos da pesquisa e o aceite do Termo de Consentimento. Durante toda a entrevista a professora falou bastante sobre sua prática docente, necessitando ser reconduzida algumas vezes para o roteiro da entrevista, dado que seus pensam entos se prolongavam sobre diversos assuntos, principalmente sobre suas iniciativas e procedimentos em sala de aula. Fomos interrompidos uma única vez por um aluno que solicitou sua presença na sala de aula. Em alguns momentos a professora utilizou -se de trabalhos realizados pelos alunos para ilustrar o que estava falando. Ao termino da entrevista desliguei o gravador, mas a professora continuou falando sobre seus projetos e os resultados destes, a entrevista durou 43 minutos.

3ª entrevista. Este encontro foi bastante tenso. A entrevista ocorreu no mesmo local da entrevista anterior, eu havia combinado previamente com o professor o horário e o local, a sala dos professores durante uma aula vaga daquela manhã. Após as formalidades iniciais começamos a entrevista, a primeira frase dita pelo professor, quando lhe foi feita a primeira pergunta, sobre o modo como ele via o ensino de arte foi: Trágica, eu leio de uma maneira trágica e a frase que me vem sempre a mente é a questão assim: “se ficar o bicho pega se correr o bicho come”(...]. Durante toda a entrevista o professor se demonstrou bastante agitado e pessimista quanto aos resultados obtidos pelo ensino de arte e da própria educação. Suas reflexões caminhavam no sentido de questionar não apenas o ensino de arte, mas também todo modo como a educação tem sido encarada, a partir de seu ponto de vista. Bastante insatisfeito com sua prática, um misto de sentimentos perdurou por toda a entrevista, haviam o idealismo subjacente de uma escola transformadora e a crueldade sofrida

cotidianamente, manifestas no modo como proferia seu discurso. Seus pensamentos e suas emoções o levaram a falar sobre sua relação com os outros colegas professores, que não compreendem o ensino de arte e tripudiam sobre sua prática de ensin o, utilizou expressões tais como “professores malinos, colegas malinos, sem ética”. Ficou evidente nesta entrevista que, apesar de ter optado pela carreira de docente, apenas permanece na atividade por falta de opção. Houve momentos que, antes de falar, o professor observava para todos os lados para se certificar de que ninguém estava ouvindo o que conversávamos, nestes momentos sua indignação com relação ao aparato institucional e toda a equipe escolar se afloravam. O tempo de gravação foi de 31 minutos.

4ª entrevista. Nesta entrevista um clima de visita fora instalado, a professora terminou a graduação junto comigo no Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina (CEART/UDESC). Esta foi a única professora com que marquei a entrevista por telefone, pois já a conhecia previamente. Quando cheguei na escola fiquei surpreso com a quantidade de grades e portões existentes para acessar interior da unidade. Após passar os dois portões com grades a primeira pessoa que vejo no pátio é a professora de arte que me aguardava. Foi muito bom rever uma amiga. Como ela dispunha de pouco tempo para a entrevista, uma janela entre uma aula e outra, fomos direto para a sala ambiente de arte. Após o protocolo das formalidades, iniciamos nossa entrevista. Toda nossa conversa transcorreu com tranqüilidade, a não ser pela preocupação constante, demonstrada pela professora para com o relógio. Suas respostas foram curtas e objetivas. Aparentava estar feliz com o espaço que possuía para a realização das atividades, demonstrou algum descontentamento quanto a qualidade e variedade dos materiais fornecidos pela prefeitura, bem como quanto a atuação da equipe pedagógica. Quando terminamos a entrevista ela me levou para ver alguns trabalhos dos alunos que estavam expostos em alguns painéis da escola. Sua entrevista foi a que teve um menor tempo de duração, 10 minutos.

5ª entrevista. Nesta escola, localizada numa região carente da cidade, a altura dos muros com grades e os vigias nos portões chamaram nossa atenção. Já havia conversado com esse professor pessoalmente para marcarmos a data e horário da entrevista, sendo assim, logo que consegui entrar fui em direção à sala dos professores. Era o momento do recreio e o barulho era quase ensurdecedor. Chegando lá, a sala estava repleta de pessoas e um vendedor de jaquetas de couro fazia seu bazar. Encontrei o professor e ele pediu para que esperássemos acabar o recreio para

podermos conversar. Logo em seguida o vendedor puxou conversa comigo tentando me apresentar seus produtos, agradeci, mas não aceitei. Assim que tocou o sinal os professores saíram para suas aulas. Tínhamos marcado a entrevista para depois do recreio, pois o professor não tinha as duas últimas aulas. Mesmo com a saída da maioria dos professores o barulho dentro da sala continuava, mas começamos mesmo assim. Após o protocolo, iniciamos a gravação de nossa conversa. Com muita tranqüilidade o professor falou de sua percepção sobre a escola e o ensino de arte. Percebi um sotaque paulista, perguntei então onde ele havia estudado, disse-me que era paulista e havia feito a graduação na Universidade Estadual Paulista (UNESP), foi colega de classe de uma grande amiga minha de São Paulo. Disse-me que trabalhou na exposição do Rodin, na Pinacoteca do Estado em São Paulo e na XXIII Bienal de Artes, curiosamente eu trabalhei na exposição seguinte na Pinacoteca e também na XXIV Bienal. Fiquei feliz em saber! Durante a entrevista, senti que o professor falou sinceridade e pareceu-me apreciar arte contemporânea, do mesmo modo falou -me de suas experiências com o ensino destas obras. Percebi nas entrelinhas de nossa conversa, que a pouca oferta de exposições do gênero e o acesso dificultado aos espaços existentes, causavam frustração e prejudicavam seu trabalho. Senti muito prazer em conduzir esta entrevista e aparentemente também foi agradável para o entrevistado. O tempo de duração foi de 30 minutos.

6ª entrevista. Novamente me deparo com grades e cadeados no acesso à escola. Cheguei no horário do recreio, avisto a professora e digo à e la que não se preocupe, vou aguardar até o horário que combinamos. Fico do lado de fora da sala dos professores observando a escola e os alunos.Quanto termina o recreio entro na sala de professores e um colega puxa assunto, começamos a conversar sobre educação e minha impressão com a escola. Após alguns minutos a professora que foi entrevistada chega na sala, participa da conversa e orienta o outro professor a pedir remoção. Após alguns minutos o colega sai e começamos a conversar sobre a entrevista. Antes de começarmos a gravação disse-me, com muita alegria, que estará fora dali em no máximo dois anos. Inicio a entrevista e curiosamente suas respostas são parecidas para quase todas as perguntas que faço. Fala-me sobre a forma como tem trabalhado e a maneira como resolve os problemas e conflitos dentro da sala. É recorrente em sua fala a descrição sobre sua atuação, contextualizadora, segundo ela, e o modo como aplica seus planejamentos. Repito as mesmas questões de maneiras distintas e a resposta é a mesma, pouco alteração ocorre em sua fala. Sigo todo o roteiro de entrevista e começo

a me preocupar com as respostas dela. A professora foi bastante falante e animada em responder, mas eu não conseguia perceber nenhuma ligação de suas respostas com as minhas perguntas. Ao final da entrevista mostra-me diversos trabalhos de alunos que estão colocados sob alguns armários da sala dos professores. O tempo da entrevista foi de 36 desesperadores minutos.

7ª entrevista. Não sabia que a data combinada com o professor er a um dia destinado para parada pedagógica. Fiquei constrangido ao chegar, mas tomei coragem e bati na porta de uma sala onde estavam todos reunidos. Prontamente uma secretaria me atendeu e chamou o professor. Bastante animado e com aspecto amistoso, sugeriu a sala dos professores como um local onde poderíamos conversar. Chegando lá, dois estagiários estavam aparentemente corrigindo o resultado de alguma atividade, e reclamavam da letra dos alunos, dizendo que era quase impossível entender o que estava escrito. Começamos a entrevista e fiz a primeira pergunta para o professor sobre as condições institucionais para realização das aulas. A partir deste momento começou a falar sobre suas dificuldades, das poucas possibilidades de realização do seu trabalho e do mínimo de prazer que conseguia sentir nestas atividades. Revelou em sua fala o modo como via a realidade a sua volta, traduzindo-a como trágica. Em alguns momentos o senti emocionado ao falar de sua atuação, dizendo odiar as próprias aulas. Lamentou o que fazia em sala de aula atualmente e não poupou críticas a estrutura institucional e a falta de apoio dos colegas. Salientou que apenas se mantém em sala de aula porque necessita deste trabalho. Esta entrevista foi uma das que mais me chamou a atenção até o momento. O professor se demonstrou bastante idealista e apaixonado pela arte, desejoso de realizar com competência e qualidade seu trabalho. Porém, sentia-se desmotivado e incapacitado para tocar sensivelmente seus alunos, em especial aqueles com alto grau de agressividade manifesta. Contou que mantém um ateliê em casa onde oferece aulas de desenho a alunos particulares, nestes momentos sente-se feliz, ao mesmo tempo que percebe o quanto suas aulas são chatas [sic]. Chamou atenção para as condições de trabalho e a falta de apoio dos pais na educação. Nossa entrevista durou 35 minutos. Algum tempo depois desta entrevista encontrei o professor num mercado, disse-me que pediu exonerarão do cargo de professor da rede municipal.

8ª entrevista. Cheguei antes do horário marcado e fiquei aguardado a professora no pátio, quando soou o sinal ela me chamou para a sala onde estava trabalhando com as crianças. Boa parte das respostas dadas pela professora, tinha

como baliza a comparação que esta fazia com uma escola do e stado onde também atuava. Fiquei sabendo que possuía, naquele ano, 60 horas semanais de trabalho em sala de aula; o que significa aulas em todos os períodos [matutino, vespertino e noturno], todos os dias da semana. Aparentando pouco ânimo, mas esperançosa quanto a sua atuação, respondeu a todas as perguntas. Fomos interrompidos uma única vez pela professora de ciências, que veio lembrá-la para deixar a sala em ordem, pois esta usaria a sala no período seguinte. A professora ficou constrangida e desculpo -se comigo, um pouco encabulada. Ao final da entrevista já havia começado o recreio, chamou-me a atenção a música com volume alto, colocada no pátio para que as crianças pudessem se divertir. Perguntei para a professora como as crianças voltavam para sala após o recreio. Respondeu-me que voltavam extremamente agitadas, mas que a idéia era da direção, com o intuído de proporcionar um momento de lazer aos alunos. A entrevista durou 20 minutos.

9ª entrevista. Possivelmente esta tenha sido a entrevista mais tranqüila de todas. Uma escola que aguarda a construção do novo edifício, mas ainda se mantém com um aspecto bastante amistoso quanto as suas dimensões, limpeza e organização dos espaços. Assim que me apresentei na secretaria fui orientado a permanecer na sala dos professores aguardando. Quando o professor chegou foi bastante simpático e sereno. Iniciamos nossa conversa ali mesmo. De modo controlado me relatou suas experiências e o modo como tem lidado com a disciplina de artes, bem como as dificuldades que esta encontra em sua escola. O professor demonstrou-se bastante tranqüilo e falou um pouco sobre suas reações, não conformistas, mas sim de não criar uma situação de confronto com qualquer outro professor ou mesmo com a instituição por conta das dificuldades que encontrava. Ao sair da unidade, confesso que fiquei preocupado com a serenidade do professor. Durante o processo de transcrição desta entrevista percebi que ao terminar a entrevista mantive o gravador ligado e pude ouvir novamente toda a conversa que tivemos, onde ele diz faltar apenas alguns anos para sua aposentadoria. Fiquei me questionando se tal tranqüilidade não teria algo em comum com o tempo que lhe resta em sala, no sentido de não fazer muito movimento, já que seu tempo em sala de aula está chegando ao fim. O tempo total de nossa conversa foi de 35 minutos.

10ª entrevista. O modo como os espaços estão mantidos e preservados dentro da escola, incluindo o mobiliário, estavam em excelente estado de conservação de manutenção, o que me causou boa impressão. Por todas as pessoas que fui atendido,

dentro da unidade escolar, recebi atenção e simpatia. Quando a professora chegou cumprimentamos-nos e após as formalidades começamos a conversar. Bastante animada e satisfeita com a unidade escolar falou com clareza sobre as questões propostas. Mantinha em seu poder um caderninho onde anotava as questões que eu propunha para reflexão, e aos poucos ia discorrendo acerca de cada um dos itens. Elogiou a direção da escola e a Associação de Pais e Professores (APP), pelo trabalho forte no apoio e compreensão da importância do trabalho docente. Salientou em especial a qualidade dos materiais artísticos fornecidos pela APP. Apesar dos materiais e da equipe pedagógica a falta de espaço adequado para as aulas dificultavam algumas atividades, mas disse que isto era superado pelo apoio da equipe pedagógica e os materiais diversificados. Conversamos durante 38 minutos, ao final ela me apresentou ao diretor da escola e alguns elogios foram feitos mutuamente. Quando sai estava no horário do recreio. Num pátio aberto muitas crianças brincavam e conversavam, sem grandes tumultos ou confusões. Tive boa impressão desta unidade escolar.

6.5 TRATAMENTO DOS DADOS E ADEQUAÇÃO À METODOLOGIA