• Nenhum resultado encontrado

Segundo Covey (2005), aprende-se melhor quando se ensina o outro. Ao partilhar o que se aprende, somos conduzidos implicitamente a assumir o compromisso de viver o que se aprendeu (e se ensinou). A aprendizagem transformativa é um conceito teórico fundamental na caracterização do processo de mudança efetiva, num quadro de referência (Mezirow, 1991, 1997), que se revela muito pertinente no desempenho da função de professor avaliador.

O professor parte de um conjunto coerente de aprendizagens (associações, conceitos, valores, sentimentos), do seu quadro de referência pessoal, que limita ou amplia a sua forma de estar e de ver a realidade circundante. São estruturas de sentido mobilizadas para determinar a linha de ação individual, a aprendizagem pessoal e a interpretação da realidade. As novas experiências são interpretadas à luz dessas pressuposições pré-existentes e reforçam-nas, positiva ou negativamente. Regra geral, os quadros de referência são assimilados de uma forma acrítica, com uma tendência natural para a recusa automática de ideias discordantes dos quadros de referência (Mezirow, 1991; Cranton, 1994). Contudo, ao perceber a distorção e/ou inadequação dos quadros de referência pré- existentes, face à nova realidade e, face ao dilema, refletindo criticamente sobre esses pressupostos, o sujeito transforma-os. Essa transformação requer um pensamento emancipado, o desenvolvimento contínuo da pessoa adulta, numa progressão efetiva de sentido, gradativamente mais desenvolvida. Neste sentido, Mezirov (1991) distingue aprendizagem autodirigida (responsabilização crítica e ativa do professor) de aprendizagem (processo de transformação para a atualização, modernização, desenvolvimento, aprofundamento e transformação das práticas profissionais).

82 de aprendizagem ao longo da vida, um construto essencial na reflexão sobre o desenvolvimento profissional do professor (Nóvoa, 1997; Leandro, 2000). As experiências prévias docentes e a sua formação (académica, inicial e contínua) não garantem a qualidade no desempenho das suas funções. É necessário que o professor se envolva numa constante aprendizagem, mobilizando quadros teóricos da sua prática pedagógica e exercitando uma reflexão constante sobre eles e na relação com o seu fazer (Bolzan & Isaia, 2006). Nesta senda, Schon (2000) aponta para o professor que reflete-na-ação e sobre-a-ação, tornando-se pesquisador da sua própria prática. É o “pesquisador de si”, que reflete sobre sua atuação docente, de forma a reconhecer-se como produtor de saberes. A possibilidade dos novos saberes reestruturarem as antigas aprendizagens e encontrarem sentido nas aprendizagens experienciadas contribui para mudanças profissionais, assentes na experiência formativa do professor. O conhecimento é construído pelo professor, numa perspetiva de sentido mais desenvolvida “mais inclusiva, discriminada, integrativa e permeável (aberta)” (Mezirow, 1991, p.193). A profissão docente, um ofício-arte, revela-se no saber-fazer que o professor constrói. Eisner (1996) identificou as características da arte, presentes na atividade docente. Nomeadamente, a capacidade de utilizar de forma inteligente a sensibilidade para ler o que se passa na sala de aula ou tirar partido de situações complexas e imprevistas e transformar os resultados dessa leitura para criar situações positivas de ensino-aprendizagem. Sublinhou também a dimensão individual e a idiossincrasia, onde cada qual procura a resposta mais adequada à situação.

“falar-se sobre a arte de ensinar é falar sobre um aspeto ‘real’ (verdadeiro) […] uma metáfora intencional para transmitir/comunicar características do ensinar para as quais não temos nome.” (Eisner, 1996, p.17)

Portanto, a aparente improvisação do professor não é uma repetição automática. A resposta encontrada tem sempre “uma parte de acomodação, de diferenciação, de inovação (…) mesmo que transponhamos condutas eficazes num outro contexto” (Perrenoud, 1993, p.40). A prática revela-se um espaço formador fundamental na construção da identidade profissional. O professor aprende a gerir situações complexas, inesperadas, transitórias e variáveis. O conhecimento construído pela experiência prática conduz a um saber e a um saber-fazer pessoal e profissional, validados no quotidiano, em que os professores se revelam e assumem como “produtores da ‘sua’ profissão” (Nóvoa, 1992, p.28).

Ensinar é “uma ciência educacional e uma arte pedagógica em que a prática, o conhecimento sobre a prática e os valores são tratados como problemas.” (Day, 2001, p.48)

A experiência mobiliza uma pedagogia interativa e dialógica, num quadro conceptual de produção de saberes (Nóvoa, 1992). A profissionalização docente e a identidade profissional tornam-se

83 identidades situadas. O ser profissional depende de aspetos temporais e espaciais, num projeto contínuo de construção do professor como pessoa e profissional (Nóvoa, 1992; Esteves, 2002; Tardif, 2002; Santana, 2004; Eraut cit. por Tardif, 2002), cuja dimensão subjetiva, pessoal e única do professor, ser humano, desempenha um papel fulcral. Gonçalves (1992) defende essa ótica, referindo-se ao “respeito pela singularidade intrínseca do vivido de cada sujeito” (ibidem, p.167). Cada carreira profissional é única e singular. É um processo de formação do adulto-profissional, ao longo do seu percurso de vida: um espaço de Educação. Neste sentido, Esteves (2002) defende a construção mutável da profissão docente.

“a fixação de critérios gerais ou normas intemporais para a sua definição parece-nos, pois, ser um exercício inútil e, no limite indefensável por falta de sentido” (Esteves, 2002, p.72)

O saber profissional resulta do processo criativo do professor que, numa situação educativa, mobiliza e recria todos os seus saberes (formais e experienciais) para fundamentar a sua forma de agir, uma “arte e técnica, mas fundada em ciência.” (Roldão, 2008, p.182). O caráter multidimensional, complexo e rico da prática docente revela a sua dimensão criativa. É o “ensinar como uma arte” com que, muitas vezes, os professores definem o seu trabalho. Mas, segundo Eisner (1996), conceber o ensino como arte mostra que “a ciência não conta a história toda e que a essência da performance, mesmo na condução da própria ciência, é encontrada na sua arte” (ibidem, p.18). Porém, a escolha de uma prática ou modelo de ação não decorre só de critérios científicos. Porque “nem tudo se pode provar em educação” (Boavida & Amado, 2006, p.316). Nesta linha, Moles (1995) defende, paralelamente às ciências exatas, as ciências do inexato, do impreciso, do vago, das correlações fracas, que nos aproximam do conhecimento real, para o qual precisamos construir uma epistemologia (regras para atingir a verdade), uma metrologia (ciências e técnicas da medida do impreciso) e uma metodologia (conhecimento dos processos que permitem ao ser humano agir sobre as coisas vagas).

A prática pedagógica do docente resulta do trabalho de transformação integradora, de toda a informação que o professor detém. O saber docente revela-se principalmente nas situações de trabalho, de contexto e interações imprevisíveis. Por exemplo, quando se questiona a planificação e “obriga” o professor a recorrer ao seu habitus e às suas características pessoais para agir, procurando ajustar os seus saberes formais e pessoais e organizando-os adequadamente à situação (Perrenoud, 1993, 1998). Perrenoud (1998) argumenta a favor de uma formação docente centrada na formação do habitus, mediante o recurso a dispositivos que fomentem nos docentes a tomada de consciência e o trabalho sobre o seu habitus.

A noção de habitus dá “conta da unidade de estilo que une as práticas e os bens de um agente singular ou de uma classe de agentes” enquanto “princípios geradores de práticas distintas e

84 distintivas” (Bourdieu, 2001, p.9)

As justificações dos professores sobre as suas práticas na avaliação e os conhecimentos mobilizados incentivam os docentes a articular, de forma retrospetiva, o seu conhecimento (Olson, 1992). Privilegiando-se o professor como um todo, pessoa e profissional, procura-se a sua “teoria privada”. Conhecer os “saberes-fazer” construídos pelos profissionais (Eraut, 1994) implica dar voz aos professores e reconhecer o relevo da dimensão subjetiva, na produção desse conhecimento praxeológico, construído pelos atores sociais, com base nos significados por eles atribuídos aos fenómenos e situações vivenciadas.

Day (2004) sugere cinco aprendizagens, para quem persegue o desenvolvimento profissional: 1. a formação é para os diferentes eus do professor: a) eu pessoal, b) eu profissional, c) eu prático na sala de aula e d) eu membro da comunidade educativa escolar; 2. no processo de aprendizagem contínua, o feedback e o apoio nunca podem faltar; 3. o professor, enquanto aprendente ao longo da vida, compromete-se e motiva-se para a aprendizagem; 4. as relações colegiais contam com o apoio e incentivo da cultura organizacional da escola; 5. face às necessidades dos recursos humanos, estabelecem-se metas a longo prazo e objetivos de desenvolvimento, a curto prazo, associados à construção da capacidade de ajuizar, com sensatez, situações complexas (é o caso do professor reflexivo, que compreende, questiona e transforma as suas práticas).

Nesta senda, Day (2004) alega a necessidade de um plano de desenvolvimento profissional, com uma visão diacrónica de carreira, o entendimento das personalidades e das necessidades dos docentes, tendo em linha de conta a sua história de vida, experiências profissionais e cultura de formação de escola, dada a importância motivacional (ou desincentivadora) dos contextos sociais e psicológicos. Aponta três condições coincidentes para o desenvolvimento profissional: 1. o empenho das escolas, 2. os contextos, com necessidades pessoais e institucionais, 3. “As paixões dos docentes” (identidades pessoais, entusiasmos, emoções e compromissos). Neste âmbito, é relevante o estudo de Fullan sobre as preocupações docentes, que propõe um modelo de formação personalizada de professores, aproximando a carreira profissional da história de vida do docente. Em suma, o desenvolvimento profissional decorre do investimento do profissional no próprio processo de aprendizagem docente e reflete as aprendizagens experienciadas, se forem comparadas, confrontadas, ampliadas, revistas e refletidas, de acordo com conhecimentos teóricos. Mas, ao refletir sobre as experiências é também fundamental considerar sentimentos, emoções e intuições (Alarcão, 2002), uma vez que o homem tem um funcionamento psicológico dentro de uma estrutura global, composta por cognição, afetos, perceção e ação.

“Há que integrar conhecimento estruturado e conhecimento experiencial para construir um percurso de desenvolvimento profissional.” (Oliveira-Formosinho, 2002, p.146)

85 5. Modelos e paradigmas

Sparks e Loucks-Horsley (1990) sintetizam cinco modelos de desenvolvimento profissional: (1)

autónomo, em que o professor pode formar-se sozinho, através da leitura de publicações e da

experimentação de novas estratégias, sem qualquer programa formal de desenvolvimento. O autodidatismo fundamenta-se no facto de cada um ser o melhor juiz de si próprio e tão mais motivado quanto melhor definir os seus próprios objetivos. (2) de observação, supervisão e apoio

profissional, estratégias que servem a reflexão e apoio mútuos, uma vez que a observação e a

supervisão fornecem dados para a análise e reflexão, necessárias ao desenvolvimento profissional, e promovem o feedback contínuo entre pares, beneficiando tanto o que observa como o que é observado, capaz de produzir mudanças. O coaching pode ter um efeito particularmente técnico, na ajuda a professores mais inexperientes ou no apoio a projetos colaborativos de investigação-ação. (3) de desenvolvimento e melhoria curricular e/ou organizacional, em que o adulto aprende mais significativamente, quanto mais sente necessidade de solucionar um problema. Logo, a melhoria organizacional obriga à resolução de problemas concretos, que implicam o desenvolvimento profissional. São os professores que melhor compreendem os seus contextos profissionais, que podem inovar a nível curricular e organizacional, envolvendo-se em programas ou projetos com vista à melhoria da escola, que resultam no seu próprio desenvolvimento profissional. (4) dos

cursos de formação, centrados na instrução orientada de aquisição de conhecimentos, em grupo e

em contextos formais, permite a reprodução de técnicas e comportamentos, de conhecimentos e competências, capazes de beneficiar o trabalho docente e as aprendizagens dos alunos. Sparks e Loucks-Horsley (1990) alertam para a necessidade de apoio mútuo ou observação pelos pares das atividades a longo prazo, após estes cursos, a fim de que a replicação para a sala de aula seja otimizada. (5) da investigação para a ação, um modelo centrado na investigação, feita a partir da ação e da sua dinâmica. Após ser diagnosticado um problema, o professor produz novas formas de entendimento do real, através dos processos de questionamento, investigação de conhecimentos e de experiências adequadas à sua resolução. Tratam-se os dados recolhidos na sala de aula, faz-se a sua análise e interpretação, para concluir sobre como resolver o problema.

Porém, Clarke e Hollingsworth (2002) defendem um modelo de desenvolvimento profissional interrelacionado não-linear, que respeite a complexidade do processo de aprendizagem docente. A mudança das práticas docentes resulta da aplicação e reflexão em quatro domínios: (1) pessoal (conhecimentos, crenças e atitudes); (2) das práticas, (3) das consequências (aprendizagem dos alunos), e (4) externo. Mas, para Grimmet, Dagenais, D’Amico, Jacquet e Ilieva (2008), o processo de construção da profissionalidade faz-se numa dialética circular, entre socialização e liberdade de escolha, pois os professores procuram manter a liberdade de ser eles próprios, na era pós-moderna, onde o conhecimento é poder, mas, acima de tudo, é prática social. Na (re) construção da sua identidade profissional, que resiste à alienação e à imposição de uma identidade por outros, através

86 da afirmação da sua presença e subjetividade. A prática pedagógica é um espaço e uma expressão das políticas, em que os professores intervêm na formação das suas subjetividades, transformando modelos de dominação em práticas sociais, promotoras do “empowerment”, vivem constrangimentos políticos e uma pressão autoinduzida, para sentir satisfação e recompensa, na prática de ensino.

Thurler (2008) centra-se antes num modelo não normativo nem pré-fixo. As atividades são o conjunto de recursos disponíveis que podem contribuir para aumentar as competências profissionais dos professores e, consequentemente, promover mudanças nas suas práticas individuais e coletivas. Mas para as quais não há receitas. Thurler (2008) organiza este modelo em torno de quatro abordagens, a que os professores aderem segundo a sua disponibilidade (adesão a atividades com graus de complexidade e exigência crescentes) e que dependem também do empenho das autoridades escolares e políticas (para diversificar e admitir alternativas possíveis, investindo nos meios necessários): (1) sensibilização para os objetivos e desafios da mudança; (2) desenvolvimento de competências didáticas e pedagógicas; (3) iniciação à exploração colaborativa; (4) cooperação contínua numa organização aprendiz. Mas conclui que, salvo raras exceções, os modelos praticados de desenvolvimento profissional não promovem a construção das competências que a escola da atualidade exige aos professores.

As escolas não sabem “como fazer para construir dispositivos de formação que permitam transformar os estabelecimentos escolares em comunidades aprendizes” (Thurler, 2008, p.108).

Por isso, entre as quatro abordagens, valoriza a sensibilização para os objetivos e desafios da mudança (primeira) e o desenvolvimento de competências didáticas e pedagógicas (segunda), pela facilidade das organizações escolares em desenvolver e controlar, considerando a iniciação à exploração colaborativa (terceira) e a cooperação contínua numa organização aprendiz (quarta) as mais difíceis de aplicar.

Formosinho (2009) defende que o processo de desenvolvimento profissional é um processo contínuo, que visa a melhoria das práticas, centrado no docente ou docentes em interação, incluindo aprendizagens formais e não formais, para a promoção de mudanças educativas, que beneficiem os alunos, famílias e comunidades. O desenvolvimento profissional está dependente de: (1) processos (levantamento de necessidades, participação dos docentes na definição da ação), de conteúdos (conhecimentos e competências aprendidas de novo), (2) contextos de aprendizagem (centrada na escola, nos centros, nas universidades), (3) o seu impacto (nos alunos, nos pares, na organização escolar e na aprendizagem profissional em geral). Assim, o desempenho, mérito e desenvolvimento dos professores exige a distinção entre uma avaliação (1) para controlo do cumprimento dos deveres profissionais (baseada em aspetos administrativos da avaliação) e (2) de fatores profissionais conducentes ao progresso, ou seja, o desenvolvimento profissional do professor.

87 Paquay (1994) esclarece os quatro paradigmas usados na definição e natureza do trabalho docente: 1. O comportamental, ou seja, aprender a ensinar assente na separação teoria e prática; 2. O artesanal ou bricoleur, isto é, valoriza saberes e competências profissionais docentes construídos nos contextos através da prática; 3. O crítico, em que o ensino é um conjunto de atitudes, processos investigativos, críticos e de reflexão, centrado na investigação; e 4. O personalista (Paquay & Wagner, 1998; Paquay, 1994), em que o ensino é um processo de desenvolvimento pessoal, a partir de princípios que orientam o desenvolvimento profissional do professor.

De cada um resultou diferentes modelos de formação e distintas conceções e formas de ser professor: 1. O mestre instruído ou professor dos saberes processuais; 2. O técnico ou professor dos saberes-fazer técnicos; 3. O prático artesão ou professor dos saberes da prática; 4. O prático reflexivo ou professor produtor de saber experiencial de cariz sistemático e comunicável; 5. O ator social ou professor comprometido com projetos educativos; 6. A pessoa ou professor centrado no seu autodesenvolvimento em interação. Portanto, o paradigma das práticas compreende o que é ser professor, na atualidade. Um profissional com saberes científicos, produtor de conhecimento prático, autónomo, agindo e tomando decisões em situações pedagógicas imprevistas. As instituições acompanham o processo de aprendizagem profissional, trabalhando as ideias e conceções sobre o ensinar e ser professor, desenvolvendo investigação sobre formas diferentes de aprender, com relevo para a supervisão e acompanhamento da prática, reconhecendo o valor da experiência docente no processo formativo e de desenvolvimento profissional (Calderhead, 1991; Shön, 2000).

Do paradigma das práticas decorre outra forma de entender e construir a formação formal do professor. A nova imagem de aprendizagem de ser professor aponta para um novo modelo de formação de professores, uma “revolução” em Educação e um “novo paradigma” de desenvolvimento profissional (Villegas-Reimers, 2003). Em suma, a importância do desenvolvimento profissional, face a múltiplas inovações e mudanças nos sistemas educativos, é gradualmente mais complexa e exigente. Por isso, é imprescindível intersetar o desenvolvimento profissional docente com o desenvolvimento da escola, de inovação curricular e do Ensino, cujo ponto de cruzamento permitirá promover práticas pedagógicas, educativas, escolares e de ensino articuladas (García, 1999).

88 CAPÍTULO III – FORMAÇÃO CONTÍNUA DOS PROFESSORES