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APRENDIZAGENS, TRANSFORMANDO O ESPAÇO ESCOLAR E A PRÁTICA PEDAGÓGICA

“CANÇÃO DE GHANA” –

4.1 AS EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS PELAS PROFESSORAS NA OFICINA MUSICAL: EXPECTATIVAS E IMPRESSÕES

4.1.3 APROFUNDANDO O CONTATO COM A LINGUAGEM MUSICAL

Continuamente nos comunicamos e experimentamos as mais diversas sensações através da música. Ela é capaz de nos acalmar, estimular o movimento, o rir e o chorar. Antes mesmo de nascer, ainda no útero da mãe, a criança já toma contato com um dos elementos fundamentais da música, o ritmo, através das pulsações do coração da mãe e, no decorrer da vida, a música continua exercendo influência. Basta recordarmos que muitas músicas marcaram momentos de nossas vidas e a cada vez que as ouvimos esses momentos são revividos. Para a criança, especificamente, de acordo com Joly (2001), o contato com a música pode enriquecer suas experiências de maneiras incalculáveis:

“Canções, estórias, jogos e danças estabelecem a fundamentação para o amadurecimento social, emocional, físico e cognitivo da criança. Música também é um meio de fazer a criança participar de atividades de grupo. Fazer atividades dispondo as crianças em forma de círculo proporciona oportunidade de cantar, tocar pequenos instrumentos, ouvir música, mover-se e criar juntos” (Joly, 2001:03)

Vários estudos mostram que a música não é importante apenas para quem deseja seguir carreira como instrumentista ou possui “dom” para música. Segundo

Gainza (1964), já não é possível aceitar o critério de outras épocas em que somente recebiam ensino musical os “bem dotados” ou os que tinham meios para procurar uma instrução especial. A educação musical é proveitosa para qualquer criança, seja de classe econômica mais privilegiada ou não, pois consiste em fazer a criança amar a música – o que independe de fatores econômicos. A criança é um ser fisicamente ativo, espiritualmente inquieto, que ama o movimento e a atividade. Só a atrai aquilo em que pode participar. Impedir que desenvolva sua força, suas potencialidades pode trazer resultados destrutivos para seu futuro. Ao mesmo tempo em que é um ser ativo e inquieto, a criança é também emotiva, e aprende quando se sente segura do carinho daqueles a quem ama. A música, nesse sentido, é capaz de proporcionar a ela motivação tanto para o movimento quanto para a emoção, desenvolvendo a capacidade de expressar sua sensibilidade (Gainza, 1964).

Segundo Jeandot (1993) a música faz parte da vida da criança. Já ao nascer ela entra em contato com o universo sonoro que a cerca, através dos sons produzidos pelos seres vivos ou pelos objetos, sendo imediata sua relação com a música. No decorrer de seu desenvolvimento, a criança experimenta a música por meio da voz e movimentos. A sua vivência com a música através dessa experimentação permite que ela vá descobrindo novas possibilidades nos sons, novos movimentos, desenvolvendo também sua capacidade de interagir com as pessoas que a cercam. Sendo a música uma linguagem, o mesmo processo que se adota em relação à linguagem falada deve ser adotado em relação à música, ou seja, a criança deve ser exposta à linguagem musical e dialogar com ela sobre e por meio da música.

Rosa (1990), ao abordar sobre a presença da música na infância, afirma que a criança, quando pensa uma idéia e a expressa verbalmente, se encontra num processo de representação. Quando canta, ela está fazendo uma apresentação construída através de uma leitura de mundo. Ao cantar, a criança representa modos próprios de perceber e assimilar o ambiente ao redor. Assim, “a educação musical proporciona a vivência da linguagem musical como um dos meios de representação do saber construído pela interação intelectual e afetiva da criança com o meio ambiente” (Rosa, 1990:17). Ainda segundo a autora, a música é uma linguagem abrangente e expressiva que

“(...) favorece o desenvolvimento do gosto estético e da expressão artística, além de promover o gosto e o senso musical. Formando o ser humano em uma cultura musical desde criança, estaremos

educando adultos capazes de usufruir a música, de analisá-la e compreendê-la” (Rosa, 1990:21).

É possível verificar, portanto, que a música realmente desempenha um papel importante na formação da criança. Como afirma Lima (1998), a música não só propicia desenvolvimento cognitivo mais apurado, como também a possibilidade de conhecer e aprender uma linguagem específica em faixa etária condizente com o tipo de ensinamento, uma vez que diversos artigos publicados apontam para os benefícios do ensino musical para o desenvolvimento intelectual da criança e os prejuízos de um aprendizado musical em faixa etária posterior.

A partir dessas colocações, podemos considerar que a música não potencializa apenas o desenvolvimento intelectual da criança mas estimula o convívio com as pessoas ao redor, a sensibilidade para ouvir, para se expressar tanto por meio da voz quanto pelo corpo, estimulando também a concentração. Segundo Gainza (1964), “o essencial será conseguir que a criança, através da música, possa expressar com uma liberdade e uma intensidade cada vez maiores, toda a diversidade e riqueza de seu mundo interior” (Gainza, 1964:200).

No questionário aplicado com as professoras, estas revelaram haver obtido contatos anteriores à oficina com ensino musical, como mostra o quadro 4.22.

Professoras que responderam à questão Experiências musicais anteriores à oficina

Elsa – 1a série No ginásio, 6a série, freqüentou aulas de música e cantou em coral.

Inês – 2a série Participou de um coral no ginásio

Márcia – 2a série Aprendeu a tocar piano por algum tempo, e sempre participou de teatro musical no ginásio e na faculdade

Cristiane – 3a série Teve contato com música na igreja e na escola (magistério)

Luciana – 4a série Teve aulas de música na 5a série do ginásio e afirmou gostar muito de cantar e dançar

Observamos que todas as professoras, sem exceção, tiveram contato com ensino de música na escola ou fora dela anteriormente à participação na oficina. Os depoimentos das professoras, no que diz respeito à participação em aulas de música, corais, e outras atividades relacionadas à área, permitem inferirmos que a escola desempenhou um importante papel no que se refere aos seus contatos com o ensino musical, o que também nos possibilita concluir que a escola pode reforçar o elo entre a criança e a música. Conquanto a música nunca esteja ausente do cotidiano de uma criança, pois formal ou informalmente ela ouve e se expressa por meio da música, a escola pode fortalecer esse vínculo e possibilitar que, por meio da música, a criança desenvolva não só sua percepção auditiva e rítmica, expressão corporal, mas também tenha sua auto-estima valorizada, tenha maior interação com o grupo, se comunique melhor, passando a expressar de maneira mais clara suas próprias idéias, bem como interpretar as idéias do outro. Como afirma Macomber (1956), a comunicação é uma necessidade básica e é preciso que se dê à criança oportunidade de desenvolver a habilidade de se expressar nos vários assuntos diários e de interpretar as expressões de outros sob quaisquer formas em que venham a aparecer. Assim, não apenas as professoras tiveram oportunidade de travar um contato mais profundo com a linguagem musical, mas permitiram também aos alunos esse contato diferenciado, pois, de acordo com seus próprios depoimentos e nossas observações, as crianças passaram a se comunicar melhor, a se organizar e se expressar melhor após a vivência de atividades musicais.

O envolvimento das professoras nas atividades práticas, nos momentos de leituras, discussões e reflexões, permite verificarmos que, apesar do contato com ensino de música anteriormente à oficina, esta possibilitou um contato diferenciado, gerando uma atitude também diferenciada das professoras em relação à música em sala de aula. Elas passaram a cantar levando em consideração aspectos mais complexos do que até então, analisando as canções quanto à letra, melodia, adequando suas escolhas às necessidades de seus alunos. Passaram a compreender a linguagem musical por meio da prática, ou seja, ainda que tivessem contatos anteriores com ensino musical, foi possível perceber um grande desenvolvimento das professoras quanto ao domínio de conceitos básicos e essenciais em se tratando de ensino musical, o que foi estimulado pelas atividades práticas, por meio das quais elas vivenciavam os conceitos em vez de apenas decorá-los.

Segundo as professoras, após as experiências vivenciadas na oficina e em sala de aula com os alunos, já não era mais possível ignorar a importância do ensino musical no ambiente escolar.

Elsa – Os meus (alunos) ....vamos cantar outra? Eles ficam assim agora, direto...Acho que até a gente fica mais descansada...

(...)

Márcia – Eu percebi que os mais tímidos estavam cantando, estavam gesticulando, a sala nunca fica calma, ficou melhor, não tão melhor, mas melhorou...

(...)

Luciana – Eles gostam! (se referindo às atividades com música) Márcia – Os meus adoraram!

Luciana – Tudo que é ligado....qualquer atividade para eles é bom, dar espaço para eles é.... Elsa – Mesmo para a gente...

Os alunos, de forma geral, apreciaram as atividades musicais coordenadas pelas professoras, inclusive criando novas possibilidades a partir do que vivenciavam em sala de aula. De acordo com Elsa, seus alunos passaram a solicitar cada vez mais música. Para Márcia, o trabalho com a música trouxe mais calma para seus alunos, facilitando o processo de ensino-aprendizagem e aliviando sua angústia diante da indisciplina dos alunos. Luciana mostra que a música foi importante não só para despertar os alunos para a linguagem musical, como também para estimular o desenvolvimento da criação e expressão por parte dos alunos. Em suma, foi possível verificar que, quando a música passou a fazer parte do cotidiano das professoras e seus alunos, houve um contato mais profundo com a nossa cultura musical, que passou a ser mais valorizada, e a paisagem escolar, por vezes tão sisuda, se modificou e o envolvimento com as alegrias da música se tornou inevitável, transformando o espaço escolar como um todo.

4.1.4 DESENVOLVENDO A ATENÇÃO, A SENSIBILIDADE E A CAPACIDADE