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APRENDIZAGENS, TRANSFORMANDO O ESPAÇO ESCOLAR E A PRÁTICA PEDAGÓGICA

“CANÇÃO DE GHANA” –

4.1 AS EXPERIÊNCIAS VIVENCIADAS PELAS PROFESSORAS NA OFICINA MUSICAL: EXPECTATIVAS E IMPRESSÕES

4.1.4 DESENVOLVENDO A ATENÇÃO, A SENSIBILIDADE E A CAPACIDADE DE IMPROVISAÇÃO DAS PROFESSORAS E SEUS ALUNOS

Conquanto nossas visitas às salas de aula fossem menos freqüentes do que as reuniões semanais com as professoras, verificamos o desenvolvimento dos alunos quanto à atenção, à sensibilidade auditiva e rítmica29, à criatividade e capacidade de organização.

29

Segundo Gainza (1964), os termos referem-se ao desenvolvimento, por parte da criança, da capacidade de reconhecimento e representação corporal frente às diferentes características do som:

Altura – diferenciar e representar os sons quanto à altura, classificar os sons.

Isso pôde ser verificado por meio das filmagens realizadas com as crianças. Na primeira filmagem, mesmo com um grande envolvimento das crianças nas atividades musicais, coordenadas por suas respectivas professoras, tivemos dificuldades quanto à organização e atenção em relação à segunda filmagem. Na segunda filmagem, notamos um grande avanço do interesse das crianças para realizar as atividades musicais, sensibilidade para ouvir e acompanhar diferentes ritmos, capacidade de organização enquanto cantavam e dançavam, capacidade de improvisação. Além de verificarmos pessoalmente todo esse desenvolvimento, ainda tivemos muitos depoimentos das professoras nesse sentido.

Luciana – Ali foi o momento que eles encontraram para lavar a alma mesmo e choraram e falaram tudo que eles (se referindo aos alunos) estavam sentindo....

(...)

Cristiane – .... eu percebi que a letra melhorou, o capricho do caderno, até aqueles que na hora de virar a folha formam aquelas orelhas... eles leram o texto depois de uma forma diferente, sabe Keila ? Relaxados, quase não gaguejaram...até eu fui embora super tranqüila...

(...)

Inês - Ah, eu acho que eles já estão até acalmando assim...pelo que eu percebi hoje está bem calminha sabe?

(...)

Elsa – Sabe o que eu notei, Keila? Depois que eu comecei com a música eu notei que eles já estão lendo e já estão escrevendo sozinhos! Notei! Verdade! ...E agora, daqui para frente, eu só vou trabalhar com música na 1a série!

Os depoimentos revelam o quanto a música pode ser um auxílio nas mãos do professor unidocente. Ainda que com noções básicas e iniciando nessa trajetória musical, as professoras conseguiram ampliar o próprio repertório musical, bem como dos alunos, valorizando nosso folclore e possibilitando o desenvolvimento da noção de responsabilidade, organização, respeito, cooperação mútua.

A cada dia, as professoras pareciam se preocupar mais em integrar a música ao ambiente escolar, e as filmagens realizadas com as crianças foram, sem dúvida, um estímulo tanto para professoras quanto para os alunos. Além de ser um registro fundamental, pois, enquanto o gravador era capaz de captar apenas as vozes, a filmadora nos dava a imagem, o movimento. As filmagens também motivaram a participação das crianças e professoras nas atividades musicais, cujo envolvimento era visível durante nossas visitas à escola.

Timbre – discriminar os diferentes timbres (vozes, objetos, instrumentos de percussão, etc.) que o rodeiam, por meio de jogos e brincadeiras.

Luciana – Sabe o que eu acho que seria importante assim, pelo menos para a 4a série, estar trabalhando letra, estar trabalhando conteúdo da própria letra usando, como por exemplo, o Hino Nacional...eles cantavam blá, blá, blá, mas não sabiam nada o que estavam cantando...aí eu fiz um trabalho com eles de interpretação, de encontrar palavras no dicionário sabe....aí mudamos a ordem do texto para eles entenderem e tal...eu acho que isso está ajudando eles a entenderem melhor o que eles estão lendo....

Importante ressaltar o caso de Luciana e seus alunos. Através do incentivo aos seus alunos para uma análise crítica das letras das canções, foi possível, segundo seu depoimento, perceber um desenvolvimento da capacidade de compreensão crítica das letras e não apenas interesse pelo canto. Isso se mostrou importante porque, além de permitir às crianças uma audição mais atenciosa e concentrada, procurando analisar o que estavam ouvindo, também levou a uma escolha mais criteriosa, por parte do professor, das canções trabalhadas em sala de aula. Portanto, houve um desenvolvimento da sensibilidade no ato de ouvir. Os alunos passaram a ouvir com objetivos e não apenas como forma de passar o tempo. Luciana teve oportunidade de presenciar outros momentos de criação e improvisação de seus alunos, por exemplo quando criaram um “rap” a partir de um texto sobre pontuação, quando criaram um novo ritmo e uma nova melodia para a canção “A Natureza”. Em todos os casos, Luciana deixou que seus alunos criassem, orientando quando necessário, porém procurando compreender o processo de criação de seus alunos. É possível relacionar essa experiência de Luciana e seus alunos com os momentos envolvidos no processo de reflexão-na-ação descritos por Schön (1992):

“Existe, primeiramente, um momento de surpresa: um professor reflexivo permite-se ser surpreendido pelo que o aluno faz. Num segundo momento reflete sobre esse fato, ou seja, pensa sobre aquilo que o aluno disse ou fez e, simultaneamente procura compreender a razão porque foi surpreendido. Depois, num terceiro momento, reformula o problema suscitado pela situação; (...) Num quarto momento efetua uma experiência para testar a sua nova hipótese; (...) Esse processo de reflexão-na-ação não exige palavras”. (Schön,1992:83).

Luciana parece, de fato, haver vivido esses momentos nas situações anteriormente descritas. Também as demais professoras tiveram experiências surpreendentes com seus alunos. Quando Elsa, por exemplo, menciona que seus alunos tiveram um grande desenvolvimento da leitura e escrita após a vivência com atividades

musicais que estimulavam a alfabetização, podemos observar que ela passou por um processo de reflxão-na-ação, ou seja, surpreendeu-se com o desenvolvimento de seus alunos, refletiu sobre o fato, reformulou o problema suscitado pela situação e afirmou que, daquele momento em diante, utilizaria mais a música no processo de alfabetização, portanto, elaborou uma nova hipótese de trabalho.

Diante das experiências destacadas pelas professoras, das observações por nós realizadas, verificamos que a proximidade com a música no cotidiano escolar não apenas proporcionou prazer e alegria na aprendizagem, desenvolvimento da sensibilidade para ouvir, da capacidade de criar, da atenção e concentração de alunos e professoras mas estimulou um processo de reflexão-na-ação por parte das professoras, o que, de certa forma, contribuiu para que novos objetivos fossem traçados, nos quais a música passou a fazer parte. Houve também um aprimoramento na escolha do repertório de canções a ser desenvolvido com as crianças, bem como na própria participação em atividades práticas e discussões. Através de canções simples do folclore brasileiro, as professoras foram observando que era possível obter muitos resultados com as crianças, uma vez que a simplicidade das canções permitia que todas participassem, sem exceção, brincando e aprendendo. Nesse sentido, Moura (1989) afirma que

“o cancioneiro folclórico infantil de nossa terra é de grande riqueza rítmica e melódica, devendo ser largamente explorado na musicalização. Ao cantar melodias pertencentes ao folclore, a criança assimila e, consequentemente, preserva expressões vitais da cultura de seu povo” (Moura,1989:10).

Na verdade, cantar tornou-se um momento desejado tanto entre as professoras quanto entre os alunos. Na primeira etapa da oficina, por exemplo, os momentos dedicados ao canto eram tão esperados pelas professoras participantes, que por vezes elas o solicitavam mesmo quando o tempo estava a se esgotar. Também entre as crianças, era possível observar o gosto pelo canto, o que pôde ser verificado principalmente nos alunos de Márcia e Luciana – os alunos de Márcia, segundo a professora, cantavam sempre que possível, mesmo quando não solicitados; os de Luciana, além de cantarem, improvisavam novas letras e novas melodias para as canções e chegaram a criar uma melodia para um texto sobre pontuação. Assim, o canto mostrou ser algo desejado entre

alunos e professoras. Como afirma Gainza (1964), o canto constitui a atividade musical mais importante na escola, pois, através dele a criança estabelece contato direto com os elementos básicos da música: melodia e ritmo. Se convenientemente escolhidas, agradam a todas as crianças. A mesma canção que a criança canta com entusiasmo lhe dará oportunidade para estimular suas faculdades sensoriais, para mover-se ritmicamente, para desenvolver sua capacidade imaginativa e criadora. A autora afirma que “é incrível o panorama amplíssimo que pode abrir uma simples canção infantil, a riqueza que é capaz de oferecer, tanto em matéria de realizações musicais práticas, como de estímulo para a imaginação e o poder criador da criança” (Gainza, 19964:208). Além do mais, como a autora bem alerta, através do canto se vai desenvolvendo a audição interior, que constitui um dos objetivos mais importantes da educação musical. No entanto, aponta para os cuidados ao se escolher as canções a serem trabalhadas com as crianças em sala de aula. O texto de uma canção, segundo a autora, é tão importante quanto sua melodia e por isso o educador deve prestar muita atenção à seleção das canções, levando em conta os textos delas: “haverá que procurar que em todos os casos se trate de poesia de primeira qualidade, seja esta de origem erudita ou popular” (Gainza, 1964:120).

O repertório de canções a serem trabalhadas em sala de aula deve priorizar a preservação da expressividade infantil e convém que seja analisado não apenas pelo professor mas também pela criança. As melodias e letras devem ser de interesse dos alunos, e o professor deve ter objetivos definidos capazes de orientar a escolha das canções. As canções auxiliam não apenas no desenvolvimento musical das crianças como também estimulam a aprendizagem e a sua fixação. Através do canto, as crianças se expressam e também aprendem a se relacionar com o mundo (Rosa,1990:116).