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AVALIANDO APRENDIZAGENS E DISCUTINDO NOVAS PERSPECTIVAS

5.1 O ENSINO MUSICAL, O AMBIENTE ESCOLAR, O PROFESSOR E O ALUNO: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Segundo Jeandot (1993), a conduta do professor é algo essencial no processo de musicalização31 da criança, pois, sabendo sugerir com entusiasmo, amando a música, conseguirá torná-la amada também pelo educando:

31

De acordo com GAINZA (1964), musicalizar refere-se ao processo por meio do qual a criança cultiva a sensibilidade auditiva (desenvolvimento do ouvido musical).

“Não basta falar de estética e de beleza às crianças, se não as vivenciamos. Daí o papel do educador, que sente, percebe e vive, e que necessariamente deve desenvolver qualidades auditivas e ter gosto pela música e contato com ela” (Jeandot, 1993:132).

Paulo Freire (2000), ao tecer considerações sobre o papel do educador consciente, independente de sua área de atuação específica, afirma que este deve “testemunhar” aos seus alunos, constantemente, sua competência, amorosidade, sua clareza política, a coerência entre o que diz e o que faz, sua tolerância, ou seja, sua capacidade de conviver com os diferentes para lutar com os antagônicos, estimulando a dúvida, a crítica, a curiosidade, a pergunta, o gosto do risco, a aventura de criar.

Nesse sentido, também Gainza (1964) afirma que o educador é aquela pessoa que sente desejo e, ao mesmo tempo, possui a capacidade – natural ou adquirida – de transmitir um conhecimento que o apaixona ou interessa profundamente. A condição primordial para dedicar-se à delicada tarefa de ensinar é sentir uma verdadeira paixão pela matéria que se ensina. O professor deve possuir a capacidade que o habilite a realizar sua tarefa com êxito, ou seja, com o máximo de rendimento e essa capacidade compreende, por um lado, seu domínio da matéria e, por outra, sua preparação pedagógica. Deve ser, acima de tudo, um profundo e paciente investigador de si mesmo, da criança e da música (Gainza, 1964: 27). Verificamos, a partir dessas considerações, que um professor comprometido com o ensino não é aquele que apenas detém muito conhecimento sobre uma determinada área e sim aquele que se apaixona e se dispõe a adquirir a capacidade para ensinar. As professoras da EMEB “Antonio Stella Moruzzi” não detinham conhecimentos profundos na área musical pois, apesar de suas experiências musicais anteriores à oficina, nem sempre essas experiências possibilitaram domínio do conteúdo.

Inês – Eu tinha assim, tipo da 6a série para frente e o professor, ... aí ele tentou montar um coral na escola, mas ficou tão bonito! Ele fez a roupa, sabe? A gente se apresentava no coral!

(...)

Elsa – Eu cantei no coral também.... 5a, 6a série...mas eu sempre gostei de música....o problema, que eu acho, é que você vai parando mesmo, né...sei lá...

(...)

Ana Maria – Eu tive aula de música na minha época...peguei canto orfeônico de 1a à 4a, aí depois de 5a à 8a era música mesmo, estava no currículo, tinha coral, era por série, era quase que obrigado...você tinha que aprender...era uma disciplina mesmo...então os corais eram por série, toda série tinha o seu coral...

A voz (domínio elementar do aparato vocal em relação ao canto).

O sentido rítmico (manejo expressivo do corpo: da linguagem, em seu aspecto rítmico). A sensibilidade musical (imaginação, expressão).

(...)

Luciana – ... enquanto eu estudava, sempre que eu tinha oportunidade de fazer um trabalho que envolvesse música, dança, eu estava sempre no meio! Entendeu? Mas cantar, tocar....nunca....a minha avó até que incentivou muito a tocar, mas eu era muito criança, não ligava muito para a coisa, não fui para a frente....

(...)

Márcia - ....e eu gosto de música desde pequenininha, sempre gostei de cantar, dançar e tocar instrumento, né...então eu tive um contato com violão, com 7 anos, eu fiz dois anos de violão, mas não era o instrumento que eu queria...

Os relatos das professoras mostram que o envolvimento com a linguagem musical na infância era forte e, durante a oficina foi possível, observar que ele se fortaleceu a ponto de incentivá-las a modificar o cotidiano de seus alunos por meio da música. Ou seja, as professoras se “apaixonaram” pela música e assim despertaram essa “paixão” em seus alunos, o que confirma a teoria de Gainza (1964) de que o professor pode desenvolver sua capacidade para ensinar determinado conteúdo. As professoras se dispuseram a aprender e de fato demonstraram maior domínio em relação à linguagem musical, maior segurança e autonomia para trabalhar com as crianças.

Ainda segundo a autora, a tarefa do educador também consiste em vincular a criança à música, em descobrir as capacidades latentes em seus alunos, orientando o seu desenvolvimento: “o professor não deve ser mais do que um discreto guia que conduz a criança até à música” (Gainza, 1964:29).

Também nesse sentido, Rosa (1990) alerta que o professor deve compreender a essência da linguagem musical, facilitando o contato da criança com ela, propiciando situações em que a criança possa olhar o mundo e se expressar. O trabalho com a linguagem musical deve ser prazeroso tanto para a criança quanto para o professor, e isso só ocorrerá se houver respeito à expressividade infantil, se forem criadas oportunidades para que a criatividade esteja presente no trabalho em sala de aula.

Segundo depoimentos das professoras durante as entrevistas, há que se ter realmente cuidado para aproximar de fato a criança à música. Se ao professor cabe apresentar a linguagem musical de forma prazerosa, possibilitando e estimulando a expressividade e criatividade infantil, então não apenas a criança deve estar em contato permanente com a música mas também ele próprio, pois somente assim sentirá a mesma paixão pela música que procura transmitir ao aluno. Isso se mostra fundamental quando analisamos alguns depoimentos das professoras sobre as aulas de música obtidas quando

crianças. De acordo com Luciana, as aulas de música que teve oportunidade de vivenciar no ginásio a frustaram, pois esperava um contato mais próximo com essa linguagem do que simplesmente decorar e cantar o Hino Nacional. Desejava poder tocar um instrumento, experimentar a música de outras formas:

Luciana – Eu tive 1 ano de aula na escola, de música, mas era uma professora também muito...ela só cantava o Hino Nacional... Música era o Hino Nacional...aí tinha todo mundo que cantar, que saber, que aprender, saber o tom, sabe?

Keila – Mas tinha uma aula específica para isso?

Luciana – Era uma aula de música só...só isso, entendeu? E eu até fiquei frustrada porque eu sabia que ela dava aula de flauta em outras salas, para outras séries e a gente ficava naquilo!

Márcia teve oportunidade de tocar um instrumento, ainda que fora do ambiente escolar, mas também mostra frustração dado o modo pelo qual essa aprendizagem se deu. Não houve prazer na aprendizagem, apenas regras a serem seguidas, o que a fez desistir do instrumento:

Keila – Você tinha vontade de aprender piano?

Márcia – Tinha! ...eu tinha um pianinho...sempre lá tocando.... então meu pai falava assim “acho que essa menina tem dom para música, né, eu vou colocar ela no piano!”...e colocou no piano....só que eu não tive a sorte de pegar uma boa professora...tinham muitas professoras, mas eu peguei ela como professora e .... Keila – Você que desistiu?

Márcia – Eu que desisti...ela insistia muito comigo em usar as notas, os dedos corretos, mesmo em datilografia, quando eu fui fazer curso de datilografia me exigiam usar os dedos certos nas teclinhas certas ....eu tive muita dificuldade de acertar! Consegui mas eu tive dificuldade e eu só tive êxito porque a minha professora era muito boa! Agora, a de piano não tinha essa suavidez para ensinar...ela era muito rígida mesmo...

Os depoimentos deixam claro que, dentro ou fora da escola, o papel do educador em aproximar a criança do universo musical é fundamental. Não basta colocar músicas para as crianças ouvirem simplesmente, mas ter objetivos nesse ouvir. Estimular a criança a ouvir de maneira concentrada, bem como permitir que ela expresse as sensações vivenciadas nesse ouvir, que se movimente e se expresse corporalmente, que experimente as possibilidades de seu próprio corpo e voz, que conheça um pouco mais de nossa cultura musical de maneira prazerosa.

A oficina permitiu que, por meio de brincadeiras, diálogos, leituras e reflexões, discutíssemos o papel do educador na tarefa de musicalizar, de aproximar a música da criança. Ao final da intervenção, por ocasião da entrevista, foi possível observar um grande avanço nesse sentido, pois a idéia que cada professor possuía inicialmente do que era inserir a música no cotidiano escolar foi se modificando e adquirindo novos

contornos. A música deixou de ser vista como apenas um recurso para ser utilizado em datas comemorativas ou na aprendizagem de algum conteúdo específico. Ainda que possa estar integrada ao programa escolar, a música passou também a ser vista como elemento propiciador de alegria, satisfação, experimentação, extrapolando o ambiente da sala de aula e modificando a paisagem escolar. Era possível observar, por exemplo, o envolvimento e a empolgação de professoras e alunos quando estavam brincando com música no pátio da escola. As próprias professoras afirmaram que os pais começaram a comentar, nas reuniões de pais e mestres, sobre o quanto as crianças passaram a cantar mesmo quando estavam em casa. Também as professoras revelaram que a música passou a estar sempre presente em todos os momentos, não só em sala de aula, nem tampouco apenas fora dela. A sua postura frente à música mostrou ser fundamental para a qualidade de convívio com esta arte por parte da criança. A prontidão das professoras em experimentar e vivenciar a música contagiou também os alunos.

Foi possível verificar, portanto, a necessidade de se estabelecer uma certa reciprocidade entre o ensino musical, a escola e o educador, para que todos os elementos sejam beneficiados: um educador comprometido com a música adequará o ensino musical ao cotidiano de sua escola e esta, apoiando educador e alunos criará maneiras de facilitar o trabalho do educador e possibilitará que este modifique o espaço escolar, ampliando-o e recriando-o.

5.2 A FORMAÇÃO CONTINUADA POSSIBILITANDO NOVAS