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A proposta desse trabalho consistiu em analisar que contribuições um programa de formação continuada em educação musical, para professores das séries iniciais do Ensino Fundamental, pode trazer para eles no sentido de estimular novas aprendizagens da docência, novas reflexões sobre sua própria prática pedagógica. Nossos objetivos foram investigar que contribuições esse programa de formação continuada pode oferecer ao professor e ao aluno ao permitir a vivência de atividades envolvendo música no ambiente escolar. De que maneira possibilita a potencialização do ensino musical por parte do professor unidocente, e o quanto isso pode ser importante no cotidiano da sala de aula em termos de redirecionamento da prática pedagógica, de desenvolvimento de novas habilidades, de novas leituras e reflexões, de reorganização do próprio espaço escolar.

Nossa intervenção, ainda que temporária, parece haver estimulado a vida musical da escola como um todo, pois não só as professoras que participaram da coleta passaram a desenvolver um trabalho diferenciado com música em sala de aula mas também as demais.

As experiências vivenciadas com as professoras parecem, de fato, haver provocado uma nova maneira de encarar o ensino musical, a prática pedagógica, o espaço escolar. Por meio da oficina, as professoras puderam experimentar novas possibilidades de trabalho com música, inovar a partir dessas experiências, aplicar tais inovações no dia-a-dia da sala de aula e refletir sobre esse processo. Nóvoa (1992) bem destaca que a formação passa pela experimentação, pela inovação, pelo ensaio de novos modos de trabalho pedagógico e por uma reflexão sobre sua utilização. A formação passa por processos de investigação, diretamente articulados com as práticas educativas. Observamos que, de fato, as professoras se envolveram com a proposta e passaram a valorizar o espaço escolar como um espaço para novas leituras e reflexões sobre a prática pedagógica, para o desenvolvimento de novas habilidades, para a discussão do cotidiano escolar e suas

particularidades, para a inovação. Esse envolvimento pôde ser verificado quando, ao final da oficina, discutimos com as professoras participantes maneiras de perpetuar o trabalho com música que vinha sendo realizado por elas, em sala de aula.

Elsa – Mesmo que seja outra sala, nunca mais eu deixo agora!...vou começar desde o primeiro dia já com música!

Ana Maria – Ah, isso é outra coisa!

Elsa – O erro meu foi não ter começado desde o primeiro dia! ...a gente acha que a criança não sabe escrever ainda....fica muito mais fácil para ela entender! Olha, “samba-lê-lê tá doente”...ela vai entendendo “sam-ba-lê-lê tá doen-te”...

(...)

Keila –...se você for dar aula numa outra escola hoje, você teria planos de estar aplicando isso, de estar trabalhando com música independente de série, aluno, escola?

Márcia – Sem dúvida nenhuma! Keila – Você achou que valeu a pena?

Márcia – Nossa! Lógico! A música sempre é produtiva!

Luciana – Claro! Sem dúvida! Porque é o que a gente estava falando desde o começo....a partir do momento que você tem o contato necessário para trabalhar com isso, você tem mais um apoio para te auxiliar no trabalho sempre!

(....)

Rose – Então...e eu pretendo também no HTP estar mostrando...elas estarem partilhando as experiências

(se referindo às experiências vivenciadas pelas professoras participantes da pesquisa)...vendo o quanto é

gostoso...

Os depoimentos das professoras nos permitem inferir que, quando um conhecimento deixa de ser “obscuro”, o professor adquire mais confiança em torná-lo presente em sala de aula. Permitem também inferirmos que quando há, na escola, um espaço para o desenvolvimento do docente, este se sente valorizado, e o apoio da escola lhe dá segurança para mudar e reconhecer suas limitações e avanços.

Trocando experiências, as professoras se conheceram melhor e puderam compartilhar dificuldades e soluções. Aprofundando o contato com a linguagem musical, elas possibilitaram a si mesmas e aos seus alunos um espaço escolar diferenciado no qual a música passou a ser valorizada, e as capacidades de percepção auditiva e rítmica, de expressão verbal e corporal, de interação grupal, de criação, improvisação, de imaginação, comunicação foram desenvolvidas. Redirecionando a prática pedagógica, as professoras mostraram que é possível fazer uma nova leitura do cotidiano escolar, refletindo sobre os diferentes aspectos que o envolvem e modificando atitudes. Estabelecendo conexão entre a linguagem musical e os conteúdos já desenvolvidos em sala de aula, elas demonstraram desenvolvimento das capacidades de adequação, adaptação e integração. Estimulando a discussão de temas transversais, mostraram que a escola deixa de ser considerada um espaço apenas para a aprendizagem de conteúdos formais para ser um espaço de formação

integral no qual todos os aspectos da vida cotidiana fazem sentido e são importantes. Refletindo sobre a própria prática pedagógica e as novas aprendizagens, elas se sentiram seguras para modificá-la sem contudo descaracterizá-la.

Após o encerramento de nosso contato semanal, verificamos que a semente de fato germinou em termos de continuidade ao trabalho iniciado. Os alunos de Inês, Elsa e Márcia e até mesmo de outras professoras que não participaram da oficina realizaram, ao final do ano letivo, uma apresentação musical enfatizando os diversos momentos da história do Brasil. Para cada canção, as próprias professoras criaram pequenas danças e todas as crianças tiveram oportunidade de participar. A convite das professoras, sempre que possível, estive presente aos ensaios e pude observar o quanto a música, numa perspectiva de valorização do lúdico e da experimentação, envolveu e continua a envolver alunos e professoras. As crianças sorriam, cantavam, dançavam ao sabor da música, e o espaço escolar tornou-se mais valorizado com elas dançando nos pátios e trazendo alegria ao ambiente.

No dia da apresentação, fui à EMEB “Antonio Stella Moruzzi e acompanhei toda a programação. A euforia era visível, os alunos mal se continham antes de entrar em cena, os pais esperaram ansiosamente para aplaudir os filhos, e as professoras mostraram muita segurança e autonomia durante a realização de toda a programação. Ao final, era possível ver expressão de alegria no rosto de todos os envolvidos.

A experiência permitiu que constatássemos o quanto o cotidiano daquela escola já foi modificado. O espaço de aprendizagem deixou de se limitar à sala de aula e outros espaços passaram a ser conquistados: a música tomou conta dos corredores, dos pátios, do refeitório, da biblioteca. As professoras, tão temerosas, receosas para opinar, inovar, mostraram ser capazes de criar, improvisar quando necessário, estimular os alunos, adequar os materiais disponíveis para seus objetivos, buscar novas possibilidades de trabalhar com a música.

As crianças, por sua vez, demonstraram ser capazes de apreciar os momentos dedicados aos ensaios, de interagir no grupo, de se expressarem por meio da voz e do corpo com mais desenvoltura, de se organizarem nas atividades.

Há muito ainda para se feito, também há muito ainda para aprender. No entanto as professoras da EMEB “Antonio Stella Moruzzi” mostraram que o investimento

no professor em atuação é importante e traz inúmeros benefícios para o docente, para o aluno, para o cenário educacional. Limites existem, mas não precisam representar empecilhos. Não pudemos, nem foi nossa intenção preencher todas as lacunas, referentes aos conteúdos musicais, das professoras que conosco participaram na oficina. Isso não ocorre em 15 encontros. Porém, como afirma Paulo Freire (2000),

“A eficácia da educação está em seus limites. Se ela tudo pudesse ou se ela pudesse nada não haveria porque falar de seus limites. Falamos deles precisamente porque, não podendo tudo, pode alguma coisa” (Paulo Freire, 2000:30)

Nossa intenção foi, sim, fazer alguma coisa, despertando novas habilidades, provocando reflexões, proporcionando novas leituras, diálogos, trocas de experiências tendo como conteúdo a música. Com essa experiência, passamos a compreender um pouco melhor o dia-a-dia do professor de ensino fundamental da rede pública, que muitas vezes possui mais de um local de trabalho mas que, apesar do cansaço, se dispõe a conhecer e aprender mais, inovar, experimentar, refletir, modificar sua prática pedagógica, transformando assim o espaço escolar. O programa de formação continuada aplicado mostrou ser um importante instrumento para incentivo para o desenvolvimento da prática reflexiva, possibilitando, também, às professoras, uma nova postura frente ao ensino musical.