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2 OS PRIMÓRDIOS DO DEBATE ACERCA DO APROVEITAMENTO DA

2.2 O segundo governo Vargas (1951-1954) e a gestão Café Filho (1954-955)

2.2.2 Aproveitamento da energia nuclear em pauta

Após a criação do CNPq, na gestão Dutra, Vargas nomeou Álvaro Alberto como o primeiro presidente do conselho, tendo como vice o coronel Armando Dubois Ferreira. De maneira geral, ao CNPq foi atribuída a responsabilidade de apoiar as atividades relativas à obtenção de matérias-primas propícias ao aproveitamento da energia nuclear como mapeamento e prospecção de jazidas e regulação da extração de minérios; ao monitoramento do beneficiamento industrial e comercialização in natura ou beneficiada dos minérios; à promoção da pesquisa científica na área da física nuclear e investimento na formação de quadros capacitados; ao financiamento para a aquisição de equipamentos, de partes de componentes e de instalações necessárias para uso nas pesquisas científicas; e à promoção do desenvolvimento tecnológico, inclusive via aquisição de equipamentos e partes de componentes para o desenvolvimento de reatores e usinas de preparação de combustível e produtoras de energia de fonte nuclear.

Na pauta da primeira reunião do Conselho Deliberativo110do órgão, em 17 de abril de 1951, o tema do uso da energia nuclear inaugurou os debates, uma vez que Álvaro Alberto e César Lattes ressaltaram a importância governamental de conceder ao recém-criado Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) um empréstimo no valor de 15 milhões de cruzeiros, em três prestações anuais, para a compra de um equipamento de cíclotron, importado da Holanda, e mais a quantia de 4 milhões de cruzeiros para fins de despesa do CBPF a serem pagas posteriormente com financiamento advindo da Prefeitura do Distrito Federal.

Tal ação foi criticada por um dos membros do conselho do CNPq, Mário Pinto, uma vez que, por ser uma instituição privada, o empréstimo poderia significar uma ingerência da entidade nas pesquisas conduzidas no CBPF, cujo diretor-científico à época era Cesar Lattes.

110 Segundo o art. 7º da Lei nº 1.310, de 15 de janeiro de 1951, o Conselho Nacional seria dotado da seguinte composição: “a) 2 (dois) membros de livre escolha do Presidente da República e que exercerão, respectivamente, as funções em comissão de Presidente e Vice-Presidente do Conselho; b) 5 (cinco) membros escolhidos pelo Govêrno como representantes, respectivamente, dos Ministérios da Agricultura, da Educação e Saúde, das Relações Exteriores e do Trabalho, Indústria e Comércio e do Estado Maior das Fôrças Armadas; c) 9 (nove) membros no mínimo a 18 (dezoito) no máximo, representando um dêles a Academia Brasileira de Ciência, 2 (dois) outros, respectivamente, o órgão representativo das indústrias e o da administração pública, escolhidos os demais dentre homens de ciência, professores, pesquisadores ou profissionais técnicos pertencentes a Universidades, escolas superiores, instituições científicas, tecnológicas e de alta cultura, civis ou militares, e que se recomendem pelo notório saber, reconhecida idoneidade moral e devotamento aos interêsses do país” (BRASIL, 1951).

O professor Costa Ribeiro, também membro do conselho, rebateu a constatação, explicando que a operação se daria por meio de acordo ou convênio e cujo objetivo último não era interferir nas pesquisas, mas, sim, garantir a subsistência de material para a realização das pesquisas em prol do avanço da física nuclear. Mário Pinto não era contrário à prestação de auxílio do governo, mas temia a subordinação administrativa do CBPF ao CNPq. Álvaro Alberto, ao propor o empréstimo, presumia também a necessidade de recursos para a construção do edifício onde funcionaria o cíclotron, em instalações próprias na cidade universitária, bem como a construção de um laboratório. Esse auxílio seria destinado com base na lei de criação do CNPq, que previa o incentivo às pesquisas na área da física nuclear, priorizando, inclusive, essa área de pesquisa em relação às demais – ainda que, nas palavras do professor Olímpio da Fonseca, a produção de radioisótopos fosse útil em pesquisas de outras áreas, como a biologia, a química, a agronomia e a medicina. A questão, muito mais do que burocrática, envolvia a percepção de que os avanços na física nuclear sob o amparo do CNPq (inclusive no que diz respeito ao direito de patentes) deveriam ser utilizados em benefício da superação do atraso científico e tecnológico do país. No conselho, existia a percepção de que somente as pilhas atômicas supririam a necessidade de geração de energia elétrica do país em face da existência exígua de reservas carboníferas tanto em quantidade quanto em qualidade, especialmente nas regiões médias e setentrionais do país, onde somente se poderia contar com energia hidráulica, de alcance limitado.111

Ao longo do ano de 1952, houve inúmeros contatos entre os membros do Conselho Deliberativo do CNPq com pesquisadores norte-americanos da Universidade de Chicago para a construção de um aparelho de cíclotron no Brasil, nas oficinas do Arsenal da Marinha, que permitiria aos pesquisadores produzir radioisótopos necessários para utilização em reatores de pesquisa – inclusive com o auxílio, mediante contratação, de dois engenheiros que haviam atuado na construção do cíclotron na Universidade de Chicago. Álvaro Alberto, para tal fim, obteve o aval de Gordon Dean,112 então presidente da Comissão de Energia Atômica norte- americana, para o envio dos “desenhos” que auxiliariam os cientistas brasileiros a projetar um

111 Ata da Segunda Sessão do Conselho Deliberativo, do Conselho Nacional de Pesquisas, realizada em 18 de abril de 1951. Atas do Conselho Nacional de Pesquisa, ano de 1951, Arquivo da Seção de Serviço de Documentação e Acervo do CNPq, Brasília.

112 Gordon Dean substituiu David Lilienthal na presidência da Comissão em 1950, permanecendo no cargo até 1953. Em 1957, publicou o livro Report on the atom: what you should know about the atomic energy program of

cíclotron de 21 polegadas (“grande cíclotron”), demonstrando que a referida comissão não apresentava objeções quanto ao pedido.113

Além das discussões acerca do incentivo à aquisição de equipamentos que propiciassem a realização das pesquisas científicas em prol do uso pacífico da energia nuclear, Álvaro Alberto expôs 23 princípios, de ordem geral, que deveriam guiar as decisões do Conselho Deliberativo no que concernisse, a partir daquele momento, às diretrizes gerais de incentivo ao aproveitamento da energia nuclear:

a) Considerará as pesquisas das ciências de base indispensáveis à consecução dos objetivos visados, inclusive da tecnologia; b) controlará as atividades concernentes ao aproveitamento da energia atômica, ou, quando se fizer necessário, competirá ao Estado-Maior das Forças Armadas, ou em outro órgão, a critério do Presidente da República; c) adotará as medidas necessárias às investigações nucleares e à preparação do aproveitamento industrial da energia nuclear; d) incentivará, com a concessão dos favores previstos em lei, a fundação de indústrias destinadas ao tratamento químico dos minérios atômicos, visando ao aproveitamento industrial da energia nuclear neles contida; e) instituirá prêmios para a descoberta de urânio, tório, berílio, grafita, zircônio e outros minerais utilizáveis no aproveitamento da energia atômica; f) defenderá a liberdade de pesquisa com a fundação ou ampliação de centros de investigação nas principais regiões culturais; h) emprenhar-se-á pela não limitação da pesquisa, que deve estender-se a todo o domínio do conhecimento; i) dará preferência aos temas mais urgentes ou de mais fácil execução; j) diligenciará a formação de técnicos, a organização de bolsas de estudos e o contrato de técnicos; k) acelerará a preparação do advento da indústria atômica; l) ativará a mobilização do potencial econômico, na parte que lhe compete; m) organizará comissões de homens de ciência para o estabelecimento de planos de pesquisas; n) estudará meios de despertar e incentivar as inovações dos pesquisadores; o) instituirá o seguro social e outras garantias assecuratórias do amparo, estabilidade e tranquilidade necessárias ao inteiro devotamento à pesquisa; p) efetuará o levantamento das necessidades imediatas das atuais instituições de pesquisa e sua solução; q) favorecerá o aparelhamento dos institutos existentes; r) procederá ao levantamento do cadastro dos recursos atuais em pessoal especializado e material; s) estabelecerá ligação entre as instituições de pesquisa do país para intercâmbio de informações e, quando possível, técnicos; t) entreterá ligações com determinadas instituições científicas do estrangeiro, com o referido objetivo; u) manterá ligação permanente com o Estado-Maior das Forças Armadas, para estudo das questões que interessem à segurança nacional; v) providenciará a montagem de campos de prova; x) realizará entendimentos imediatos para cooperar com as autoridades na prospecção de minerais atômicos e outros; z) promoverá o estabelecimento

113 Conforme as Atas da Centésima Sexta e Centésima Sétima Sessão do Conselho Deliberativo, do Conselho Nacional de Pesquisas, realizadas, respectivamente, em 14 de agosto de 1952 e 18 de agosto de 1952. Atas do Conselho Nacional de Pesquisa, ano de 1952, Arquivo da Seção de Serviço de Documentação e Acervo do CNPq, Brasília.

da articulação e da cooperação dos vários setores científicos no bem comum.114

Com bases nessas diretrizes, ao longo de 1951, destacou-se na pauta das reuniões do CNPq o incentivo ao mapeamento, via estudos geológicos e geofísicos, de novas jazidas de minerais uraníferos e toríferos, especialmente no estado de Minas Gerais, onde se cogitou a instalação do primeiro centro atômico do país, contando com o apoio do então governador do estado, Juscelino Kubitschek. Nesse sentido, vale destacar a criação, em 22 de agosto de 1952, do Instituto de Pesquisas Radioativas (IPR), na Universidade de Minas Gerais, primeiro instituto brasileiro de física dedicado inteiramente ao estudo da energia nuclear. Um grupo de professores da Escola de Engenharia, sob a liderança dos professores Francisco de Assis Magalhães Gomes e Cândido Holanda Lima, recebeu apoio financeiro do CNPq e do governo estadual para promover estudos na área da física atômica, desde o envio de engenheiros e físicos para o exterior até o treinamento de pesquisadores para a formação de um grupo especializado na prospecção de minérios radioativos, metalurgia e materiais de interesse para o setor (BIASI, 1979; CNEN, 2012). A criação de novos centros de pesquisa no país, localizados estrategicamente perto das reservas de minérios, também motivou a discussão sobre a criação de um centro de pesquisas físicas no estado da Bahia.

No que concerniu às atividades relacionadas à exploração e à comercialização dos minérios atômicos, com a criação do CNPq, houve o entendimento, por parte do conselheiro Bernardino de Mattos, de que as funções da Cefme quanto à fiscalização das atividades relacionadas aos materiais físseis e férteis deveriam ser extintas, uma vez que sua criação ocorreu devido à falta de uma legislação específica. A colaboração com o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) do Ministério da Agricultura seria mantida, independentemente da comissão, como órgão de caráter executor. Interessante observar que, na época em que a proibição da venda de minérios atômicos foi imposta pelo CNPq, pelo art. 4º da Lei nº 1.310, existiam acordos comerciais firmados com governos de outros países para a venda de minérios de berílio e cério, como o caso da França, levado em consideração pelo Itamaraty para tomada de providência por parte do conselho, tendo em vista a proibição estabelecida. Na ocasião, o ministro da Agricultura compôs uma comissão mista integrada pelos conselheiros de Minas e Metalurgia e da Comissão de Minerais Estratégicos, solicitando a autorização do presidente da República, em caráter emergencial, no sentido de cumprir os

114 Ata da Primeira Sessão do Conselho Deliberativo, do Conselho Nacional de Pesquisas, realizada em 17 de abril de 1951. Atas do Conselho Nacional de Pesquisa, ano de 1951, Arquivo da Seção de Serviço de Documentação e Acervo do CNPq, Brasília.

compromissos já firmados, incluindo a exportação de pequenas quantidades de monazita e a quantia de 1.500 toneladas de berílio para fins de pesquisa.115

Buscando definir os critérios quanto ao controle do Estado sobre a prospecção e a exploração de jazidas de minérios atômicos, Vargas aprovou, por meio do Decreto nº 30.230, de 1º de dezembro de 1951, um regulamento específico com vistas à normatização da pesquisa e da lavra dos minerais de interesse para a produção de energia atômica, fixando as normas gerais de concessão de autorizações, assim como os requisitos necessários aos interessados em atuar nesse ramo de atividade e um sistema de fiscalização dos trabalhos. Pelo art. 3º do regulamento, as jazidas e minas de interesse para a produção de energia atômica foram mantidas sob o controle do Estado, conforme o art. 5º da Lei nº 1.310, reforçando seu caráter essencial à segurança nacional em termos estratégicos para fins do desenvolvimento científico, tecnológico e econômico do país. Ao CNPq caberia a fixação dos processos de fiscalização das atividades referentes ao aproveitamento da energia atômica, sendo que o beneficiamento, o transporte, o tratamento químico, o comércio e a exportação dos materiais também poderiam ser objetos de instruções especiais por parte do conselho. Ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) caberia a aprovação e a concessão de autorizações para a exploração de novas minas, conforme matéria já disposta no Código de Minas de 1940, bem como a indicação de um engenheiro para assistir os pesquisadores e os mineradores.

Álvaro Alberto entendia que, antes de se estabelecer uma política geral sobre a comercialização de minérios atômicos (especialmente quanto à exportação), era preciso conhecer o potencial das jazidas nacionais de materiais físseis. Enquanto o país desconhecesse suas reservas, ou o que ele chamava de “patrimônio mineral” no setor energético, não podia haver previsão se o país manteria uma política de restrição ou de ampliação das vendas dos minérios atômicos. Além de preservar os minérios atômicos de interesse à segurança nacional associado ao desenvolvimento econômico, fomentar o mercado interno de materiais físseis via beneficiamento dos minérios atômicos alavancaria a industrialização no setor.

115 Ata da Décima Primeira Sessão do Conselho Deliberativo, do Conselho Nacional de Pesquisas, realizada em 12 de junho de 1951. Atas do Conselho Nacional de Pesquisa, ano de 1951, Arquivo da Seção de Serviço de Documentação e Acervo do CNPq, Brasília.