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2 OS PRIMÓRDIOS DO DEBATE ACERCA DO APROVEITAMENTO DA

2.1 O governo Dutra (1946-1951): o Brasil na era nuclear

2.1.6 O início da fiscalização sobre os minérios atômicos nacionais

A partir da mobilização de Álvaro Alberto no plano externo em prol do aproveitamento da energia nuclear, em 1947, houve a primeira iniciativa governamental para monitorar a exploração dos minérios atômicos passíveis de serem utilizados na produção de energia. A criação da Comissão de Estudos e Fiscalização dos Minerais Estratégicos (Cefme), cujo funcionamento se daria junto à Secretaria-Geral do CSN, teria como objetivo fiscalizar todas as atividades que se relacionassem às reservas nacionais de minérios atômicos, desde a prospecção de jazidas, industrialização e posterior comercialização. A comissão era integrada por geólogo e físicos de renome, como o coronel Bernardino de Mattos e o professor Othon Leonardos, ambos do Conselho de Minas e Metalurgia, e pelos professores Joaquim da Costa Ribeiro e Marcello Damy de Sousa Santos. Posteriormente, indicou-se um representante do Departamento de Produção Mineral (CNEN, 2012).

Em depoimento ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), o cientista Othon Leonardos relatou sua participação na criação da Cefme por meio da indicação dos membros que comporiam a referida comissão. Segundo ele,

o chefe do Gabinete Civil da Presidência o convocou por telefonema, a pedido do presidente Dutra, para comparecer ao Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, para tratar da nova comissão:

O nome dado: Comissão de Estudos de Minerais Estratégicos, porque não queríamos botar o nome energia atômica, porque estava muito na ordem do dia e podia criar problemas. Pediu [presidente Dutra] para indicar os nomes, eu indiquei o general Belarmino de Matos, que era meu companheiro no Conselho de Metalurgia, engenheiro militar, brilhantíssimo, pai desse Haroldo Coréia de Matos, que é presidente da Embratel; o Costa Ribeiro, que era professor de Física da Faculdade de Filosofia; o Marcelo Damy de Sousa Santos, que era chefe do Instituto de Física lá de São Paulo, que era o melhor em Física Atômica, aluno do Glebb Wataghin, e pegamos um da Marinha – pedimos à Marinha que indicasse o nome e ficou essa Comissão. Quando Álvaro Alberto veio dos Estados Unidos, com a mania de tentar criar o Programa de Energia Atômica, nós estávamos lá no Conselho de Segurança com a proposta dele de criar uma Comissão de Energia Atômica. Falamos com o secretário-geral do Conselho de Segurança para convidar o almirante Álvaro Alberto, então o general Belarmino convidou, sabendo que, se convidando Álvaro Alberto – Álvaro Alberto era mais graduado, o Belarmino ainda não era general e Álvaro Alberto já era almirante –, a presidência da comissão tinha que ser automaticamente passada para o almirante, mas o Álvaro Alberto não quis; quis fazer o negócio à moda dele. Então criou, mas criou de maneira muito pessoal, extremamente individual, sujeito brilhantíssimo e pai da criação do Conselho de Pesquisas, mas foi uma obra profundamente individualista.97

No que diz respeito ao interesse estrangeiro pela exploração dos minérios atômicos no Brasil, desde a primeira gestão Vargas (1930-1945), concederam-se licenças especiais para a extração de areia monazítica no país, anteriores, inclusive, à assinatura do acordo atômico que viabilizou a venda de minérios para os Estados Unidos, datado de 1945. De acordo com Leite (1997, p. 114), o debate em torno da venda de areia monazítica, rica em tório, elemento físsil, acabou atribuindo maior relevância ao elemento do que ele realmente viria a ter.

O governo concedia licenças para a exploração, por particulares, das reservas de areias monazíticas brasileiras. Em 1938, o empresário Deoclécio Borges foi autorizado pelo governo federal, mediante o Decreto nº 2.615, de 4 de maio de 1938, a lavrar e exportar areias monazíticas no estado do Espírito Santo, a título provisório. Interessante observar como, à época, havia o interesse de comerciantes na França, Holanda, Tchecoslováquia e Suécia em importar a monazita brasileira. Buscando explorar melhor esse setor, em correspondência ao Ministério das Relações Exteriores, Deoclécio Borges solicitou informações do consulado brasileiro em Calcutá, na Índia, a respeito das oportunidades de negócio naquele país, uma vez que existiam rumores de que as reservas de minérios atômicos da Índia se esgotariam em

97LEONARDOS, Othon Henry. Othon Leonardos (depoimento, 1976). Rio de Janeiro, CPDOC, 2010. 107 p. Disponível em: <http://www.fgv.br/cpdoc/historal/arq/Entrevista523.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2013.

pouco tempo, o que abriria o mercado das firmas inglesas dominantes no setor para os exportadores de minérios atômicos brasileiros.

Um ano depois, em 1939, outro empresário, Leopoldo da Câmara Lima, foi autorizado a exportar areias monazíticas e seus subprodutos para os Estados Unidos, mediante a existência de uma oportunidade de negócios publicada no jornal da Associação Comercial do estado de Nova Orleans. Buscando incentivar a venda desse minério, a autorização foi publicada posteriormente pelo consulado brasileiro de Nova Orleans em jornal local, conforme correspondência da Secretaria-Geral do Ministério das Relações Exteriores para o diretor-geral do Conselho Federal de Comércio Exterior, com vistas a atrair outros importadores interessados na compra de areia monazítica brasileira.98

Além da venda de minérios in natura por particulares, em 1942, foi fundada a empresa Orquima S/A, com denominação Organo-Orquima. Em 1946, a empresa iniciou a industrialização das areias monazíticas a partir da atuação do professor Pawel Krumholz, responsável por projetar e montar as instalações de processamento de areais monazíticas (CNEN, 2014). Com vistas a estimular a industrialização dos minerais atômicos no país, exportados em grande parte in natura, pelo artigo único do Decreto-Lei nº 27.089, de 25 de agosto de 1949, foi concedida “à Orquima – Indústria Química Reunidas S.A., sociedade anônima com sede na capital do estado de São Paulo, autorização governamental para funcionar como empresa de mineração” (BRASIL, 1949) na lavra de ilmenita, zirconita e monazita no município de Serra, estado do Espírito Santo. A empresa dominava o processamento químico da monazita e “produzia fosfato trissódico para o mercado interno, cloreto de terras-raras para o mercado externo e carbonato básico de tório bruto, que era adquirido pelo governo federal” (VASCONCELLOS, 2006, p. 2). Segundo Serra (2011, p. 810):

Na década de 1950, o Brasil, por meio da iniciativa privada (Orquima) dominou todo esse processo e chegou a obter óxidos bastante puros (99,9% – 99,99%), tendo inclusive fornecido Eu2O3 para fabricação de barras metálicas destinadas ao controle, por absorção de nêutrons, do reator do primeiro submarino nuclear do mundo, o Nautilus.99

98Troca de Correspondência do diretor-geral do Conselho de Comércio Exterior para o secretário-geral das Relações Exteriores, nº 9.940, em 05/06/1939 e em 30/05/1939. Maço Temático 844.68. Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro.

99 Serra (2011) atesta que a mineração da monazítica no Brasil data de fins do século XIX, conforme excerto: “No Brasil, sua exploração iniciou-se em 1885 com a retirada da monazita das praias da Bahia (Prado). Até 1896, foi retirada gratuitamente como lastro de navios; nas décadas subsequentes, cobrava-se menos de 10 dólares por tonelada. O destino era a Europa (Áustria e Alemanha), onde os nitratos de Th e de Ce eram usados na fabricação das camisas para iluminação a gás. Mas a extração, purificação e separação em compostos de elevada pureza são processos que exigem tecnologia especializada e podem provocar sérios danos ambientais”.

A partir de sua criação, a Cefme deveria fiscalizar as operações realizadas pela iniciativa privada envolvendo o processamento e a venda de minérios com potencial atômico, bem como analisar as propostas de negócios recebidas de empresas ou governos estrangeiros. A título de exemplo, coube à Cefme emitir um primeiro parecer sobre a proposta de industrialização de tório enviada pela empresa Technisch Bureau S.K.P, encaminhada anteriormente pela pasta das Relações Exteriores para apreciação de Álvaro Alberto. O entendimento de Álvaro Alberto era de que não seria aconselhável aceitar a proposta da empresa antes de haver uma legislação nacional que estabelecesse os propósitos nacionais quanto ao uso da energia nuclear, deixando, contudo, contato estabelecido para posteriores colaborações da firma com o governo brasileiro.

Em 13 de junho, a Cefme emitiu parecer seguindo o entendimento de Álvaro Alberto, inclusive alegando que, com base nas informações publicadas no ano de 1946 pelo Comitê nº 3 (comitê científico) da Comissão de Energia Atômica da ONU, havia uma imprecisão na proposta da empresa, uma vez que, de acordo com as pesquisas do comitê científico, o tório era de grande interesse na produção de combustível nuclear devido à sua conversibilidade em urânio-233, e não em urânio-234, como havia sido informado pela empresa. Ademais, alegou- se que a tecnologia de produção de combustível nuclear ainda não era de domínio dos laboratórios para fins industriais.100 Assim, não poderia haver a promessa de transferência tecnológica para o país.

Segundo Leite (1997), a criação da Cefme seguiu a tendência do nacionalismo que prevalecia em determinados grupos do governo e na opinião pública em relação às riquezas nacionais consideradas de caráter estratégico ao desenvolvimento do Estado e atinentes à segurança nacional. À revelia das peias ideológicas entre nacionalistas e liberais, pode-se dizer que, como não existia uma política nacional de aproveitamento da energia nuclear, o órgão procederia ao primeiro mapeamento das jazidas de minerais atômicos descobertas até aquele momento e das operações de industrialização e venda de minérios por meio da iniciativa privada ou de governo a governo. Para Álvaro Alberto, em virtude do que defendera na Comissão de Energia Atômica da ONU, era essencial que a venda dos minérios atômicos nacionais gerasse uma contrapartida em termos de progresso científico, tecnológico e

100 Correspondência recebida do secretário-geral do Conselho de Segurança Nacional, Álcio Souto, em 09/07/1947, endereçada ao secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, em 16/07/1947, nº 16.051(PARECER CEFME em anexo, datado de 13/06/1947). (92/03/07). Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro.

econômico para o país – e nesse sentido os minérios atômicos estavam atrelados à segurança nacional, como meios para obter o progresso nacional.

2.1.7 As bases de uma política geral para o aproveitamento da energia nuclear: o