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2 OS PRIMÓRDIOS DO DEBATE ACERCA DO APROVEITAMENTO DA

2.1 O governo Dutra (1946-1951): o Brasil na era nuclear

2.1.3 As repercussões sobre a bomba atômica

No que diz respeito ao avanço das discussões internacionais em torno do controle do emprego da energia nuclear, o então embaixador brasileiro em Washington, Carlos Martins Pereira e Sousa, se reportou ao novo chanceler brasileiro, informando-o acerca das notícias e dos debates em curso nos Estados Unidos sobre o tema da energia nuclear. Nas palavras do embaixador, mais do que um problema militar ou político, a bomba havia se tornado um

problema civilizacional, cujas opiniões divergiam entre os pessimistas, que viam na descoberta da bomba um prognóstico de guerras capazes de aniquilar a civilização humana, e os otimistas, que viam no “terrível” invento a solução para todas as guerras e a garantia da paz no mundo.74 De fato, muitos especialistas passaram a teorizar, a partir da década de 1960, a noção de que a produção e a estocagem de armamentos nucleares se constituíam na base de uma política de dissuasão nuclear calcada na percepção de que somente o medo de uma destruição mútua assegurada promoveria o desejado equilíbrio de poder entre as nações e a não ocorrência de novas guerras (WALTZ, 1981).

O debate entre Estados Unidos, Inglaterra e Rússia acerca do segredo atômico ou da inevitável disseminação do uso da energia nuclear provocou o dissenso entre os três países na Conferência de Moscou. Na visão de Pereira e Sousa, o Three Nation Agreed Declaration on

Atomic Energy, entre Estados Unidos, Inglaterra e Canadá, representou a coordenação das posições entre esses países, mediante acordo recíproco de troca de informações sobre pesquisas e tecnologias para o uso da energia nuclear, configurando uma espécie de “bloco atomista”, em detrimento da busca de um entendimento que incluísse a União Soviética,75

ainda que o acordo previsse a adesão de outros países.

Acerca da Conferência de Moscou, Pereira e Sousa a ebulição provocada no Congresso norte-americano diante do entendimento de que os Estados Unidos teriam que revelar o segredo de fabricação da bomba nuclear perante o órgão a ser criado na ONU. O secretário de Estado norte-americano, James Byrnes, por meio de declarações, teve que explicar que o órgão serviria para tratar dos problemas políticos gerados pelo desenvolvimento da tecnologia para o aproveitamento da energia nuclear, e não das questões relacionadas à disseminação do conhecimento para fabricação dessa arma. Tal afirmação reforçou a posição norte-americana de garantir o segredo de fabricação de combustível nuclear até que uma política de controle internacional fosse estabelecida.76

O prosseguimento das iniciativas acertadas na Conferência de Moscou para a regulação do uso da energia nuclear foi realizado na primeira sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 10 de janeiro de 1946. Durante o décimo sétimo encontro de plenária, em 24 de janeiro de 1946, foi aprovada a Resolução nº 1 da Assembleia Geral,77 instituindo a

74 Ofício recebido nº 18.814, da embaixada brasileira em Washington, em 14/11/1945 (Livro 49/1/5). Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro.

75 Idem.

76 Ofício recebido nº 1.872, da embaixada brasileira em Washington, em 06/02/1946 (Livro 49/1/6). Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro.

77 A/RES/1 (I). Establishment of a Commission to Deal with the Problems Raised by the Discovery of Atomic

United Nations Atomic Energy Commission (Unaec), ou a Comissão de Energia Atômica das Nações Unidas (Ceanu), subordinada ao Conselho de Segurança, com base no texto apresentado pelas potências reunidas em Moscou mais França, China e Canadá. A comissão seria composta pelos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança e pelo Canadá. Esses países seriam responsáveis por fazer recomendações ao Conselho de Segurança para adoção das medidas necessárias em relação a:

a) Difusão de conhecimento entre as nações para o desenvolvimento do uso civil ou pacífico da energia nuclear;

b) Criação de regras para o controle do uso da energia nuclear para fins exclusivamente pacíficos;

c) Inspeção do uso da energia nuclear de modo a assegurar seus fins pacíficos pelos Estados que pactuassem a transferência de informações, constituindo-se, também, um mecanismo de controle; e

d) Eliminação das armas nucleares ou qualquer outro artefato que promovesse a destruição em massa.

Cabe destacar que a delegação brasileira partícipe do Comitê de Política e Segurança, chefiada pelo diplomata Ciro de Freitas-Valle, emitiu um relatório78 ao então embaixador Luiz Martins de Sousa Dantas, chefe da delegação brasileira na primeira sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, ressaltando que havia levado a conhecimento da assembleia, quando da votação para criação da comissão de energia atômica, a proposta brasileira de tornar as bombas atômicas, ou qualquer outra arma de destruição em massa, armas ilegais de guerra – reforçando o compromisso do Brasil com a paz mundial. Na época, o Brasil também atuou como membro temporário do Conselho de Segurança da ONU (1946- 1947).

Infere-se que essa primeira menção de Freitas-Valle no relatório à posição brasileira de condenar o uso de bombas atômicas, levada a conhecimento na Assembleia Geral e formalizada nos princípios que guiaram a criação da Unaec, foi pautada na tradição pacifista inspirada no acumulado histórico da política exterior brasileira de condenação do uso da força nas relações internacionais. A defesa e o compromisso com a paz, que inspiram essa tradição

&Lang=E&Area=RESOLUTION>. Acesso em: 12 abr. 2013.

78 Ofício recebido, delegação do Brasil na Organização das Nações Unidas, s/n, em 19/02/1946 (Livro 78/4/2). Arquivo Histórico do Itamaraty, Rio de Janeiro.

pacifista da inserção internacional do Brasil, foram os princípios pioneiros que nortearam a posição brasileira quanto ao uso da energia nuclear. A posição de inspiração kantiana defendida amplamente pelos países presentes na Assembleia Geral, contudo, não impediu que outros países buscassem os princípios científicos e o domínio tecnológico para produzir energia a partir de minérios atômicos, ainda que envolvesse necessariamente a dualidade de propósitos e o risco na fabricação de novas armas nucleares de forma secreta, como foi o caso de União Soviética e Reino Unido, enquanto avançavam as negociações para o controle do uso da energia atômica no plano internacional.

Cabe notar que, posteriormente, na primeira sessão da Unaec, o representante brasileiro naquela ocasião, Álvaro Alberto, atentou-se para a dimensão estratégica do desenvolvimento da tecnologia nuclear, e não somente da defesa da paz pela eliminação das bombas atômicas, inserida nas discussões sobre o uso da energia nuclear.