• Nenhum resultado encontrado

Princípios, valores e padrões de conduta: acumulado histórico da inserção internacional

1 A FACE BRASILEIRA DO ÁTOMO: PERFIL DE INSERÇÃO

1.1 Princípios, valores e padrões de conduta: acumulado histórico da inserção internacional

Os propósitos brasileiros de utilização da energia nuclear e seus notáveis reflexos na inserção internacional do país, desde 1946, remete ao diálogo oportuno com a produção do conhecimento disponível acerca das relações internacionais do Brasil. A existência de literatura consolidada14

que atribui relevância à dimensão histórica, como lócus privilegiado para a compreensão da inserção internacional brasileira, teve como ponto de partida a

14 Cervo (1994) avalia que o estudo das relações internacionais no Brasil desenvolveu-se à margem da produção teórica do campo de Relações Internacionais, a partir de diferentes contribuições advindas do meio intelectual, político e diplomático, e militar. A produção da historiografia brasileira acerca das relações internacionais, cujas origens remontam aos primeiros esforços de conferir inteligibilidade à ação externa, é datada da segunda metade do século XIX. Na visão de Almeida (1993), essa primeira fase configuraria a pré-história das relações internacionais do Brasil e, tal como defende Cervo (1994), teria como principal preocupação o estudo da história diplomática. Nomes como Duarte da Ponte Ribeiro, Pandiá Calógeras, Francisco Adolfo de Varnhagen, Hélio Viana e Delgado de Carvalho estiveram entre aqueles que contribuíram na primeira fase, dominante no meio diplomático. A emergência da intelectualidade no meio acadêmico a partir das décadas de 1950 e 1960 agregou novos temas e métodos à análise, incluindo o uso das teses cepalinas desenvolvidas por sociólogos e economistas para o estudo da inserção internacional do Brasil, ao passo que o meio político e diplomático viu-se influenciado pela matriz realista e pragmática, característica das reflexões de autores como Hélio Jaguaribe, Araújo Castro, Afonso Arinos e San Tiago Dantas. Cabe registrar também as contribuições advindas do Instituto Brasileiro de Relações Internacionais (IBRI), com a criação da Revista Brasileira de Política Internacional (RBPI), em 1958. A partir da década de 1980, houve a crescente tendência de concentração da produção de conhecimento nas universidades em decorrência da expansão e consolidação da pesquisa em nível de pós-graduação. Ver também CERVO, Amado Luiz. A historiografia brasileira das relações internacionais. Revista Interamericana de

Bibliografia, Washington DC, v. 43, n. 3, p. 393-409, 1992; BARROS, Alexandre. El Estudio de las relaciones

internacionales en Brasil. In: PERINA, Rubén. (org.). El estudio de las relaciones internacionales en America

Latina y el Caribe. Buenos Aires: Grupo Editor Latinoamericano, 1985, p. 49-69; CHEIBUB, Zairo B.

Bibliografia brasileira de relações internacionais e política externa, 1930-1980. Rio de Janeiro: IUPERJ,

mimeo, 1981; FONSECA JR., Gelson. Diplomacia e academia: um estudo sobre as análises acadêmicas sobre a política externa brasileira na década de 70 e sobre as relações entre o Itamaraty e a comunidade acadêmica. Brasília: Instituto Rio Branco. Tese do Curso de Altos Estudos, 1981; FONSECA JR., Gelson. Estudos sobre política externa no Brasil: os tempos recentes (1950-1980). In: FONSECA JR, Gelson; LEÃO, Valdemar Carneiro. (orgs.). Temas de política externa brasileira. Brasília/São Paulo: Fundação Alexandre de Gusmão/Ática, 1989, p. 275-283;FONSECA JR., Gelson. Studies on international relations in Brazil: recent times (1950-80). Millenium: Journal of International Studies, Londres, v. 16, n. 2, p. 273-280, 1987; HERZ, Mônica. O crescimento da área de relações internacionais no Brasil. Contexto Internacional, Rio de Janeiro, v. 24, n. 1, p. 7-40, 2002; SOARES DE LIMA, Maria Regina; CHEIBUB, Zairo Borges. Relações internacionais e

política externa brasileira: debate intelectual e produção acadêmica. Rio de Janeiro: MRE/IUPERJ, mimeo,

1983; MYIAMOTO, Shiguenoli. O estudo das relações internacionais no Brasil: o estado da arte. Revista de

Sociologia e Política, Curitiba, n. 12, p. 83-99, 1999; MYIAMOTO, Shiguenoli. O ensino das relações

internacionais no Brasil: problemas e perspectivas. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 20, n. 1, p. 103- 114, 2003; LESSA, Antônio Carlos. Instituições, atores e dinâmicas do ensino e da pesquisa em relações internacionais no Brasil: o diálogo entre a história, a ciência política e os novos paradigmas de interpretação (dos anos 90 aos nossos dias). Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 48, n. 2, p. 169-184. 2005; SANTOS, Norma Breda dos. História das relações internacionais no Brasil: esboço de uma avaliação sobre a área. História, São Paulo, v. 24, n. 1, p. 11-39, 2005.

observação empírica para proceder aos esforços de conceituação no âmbito da disciplina História das Relações Internacionais do Brasil.

O estudo dos interesses nacionais e de suas especificidades quanto ao emprego da energia nuclear, sob uma perspectiva histórica, afasta-se do uso de teorias que já partem de uma agenda de pesquisa, atores e conceitos previamente estabelecidos. A indelével interface entre a energia nuclear e a política do poder no pós-Segunda Guerra Mundial recebeu tratamento privilegiado no campo de Relações Internacionais, na disciplina Segurança Internacional,15

de viés racionalista – ainda que, desde a década de 1990, importantes contribuições tenham sido dadas pelos aportes construtivistas aos estudos em segurança internacional.16

Em se tratando da experiência brasileira de utilização da energia nuclear, esta se relacionou ao tema do desenvolvimento científico e tecnológico desde seus primórdios, e não com o tema da segurança e da defesa. Grande parte das análises no campo da segurança internacional problematiza o porquê de países em desenvolvimento, como o Brasil, não perseguirem a fabricação de armas atômicas para fins de dissuasão, mesmo quando teriam

15 Existe vasta bibliografia que trata do assunto na área de segurança internacional. Um dos debates mais proeminentes na disciplina relacionou-se à proliferação de armas nucleares como um mecanismo de dissuasão e estabilização do sistema internacional, especialmente diante do conflito intersistêmico envolvendo as superpotências no contexto da Guerra Fria e nas regiões com históricos de disputa (como no caso do sul da Ásia e Oriente Médio). Os defensores da proliferação nuclear são apresentados na literatura como os “otimistas”. A esse exemplo, ver BRODIE, Bernard. The absolute weapons: Atomic power and world order. New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1946; GALLOIS, Pierre Marie. Stratégie de l'âge nucléaire. Paris: François-Xavier de Guibert, 1960; VINER, Jacob. The implications of the atomic bomb for international relations, Proceedings of the American Philosophical Society, delivered November 16, 1945; HINSLEY, F.H. Power and the pursuit of

peace: theory and practice in the history of relations between states. Cambridge: Cambridge University

Press, 1963; WALTZ, Kenneth. Theory of international politics. New York: Mcgraw-Hill Book, 1979; ROSECRANCE, Richard. Action and reaction in world politics. International Systems in Perspective. NY: Praeger, 1977; MESQUITA, Bruce Bueno de; RIKER, William H. An assessment of the merits of selective nuclear proliferation. Journal of Conflict Resolution, v. 26, n. 2., June, p. 283-306, 1982; SAGAN, Scott D; WALTZ, Kenneth N. The spread of nuclear weapons: A debate renewed. Nova York: W.W. Norton & Company, 2003. Um outro grupo de autores passou a questionar o “balanço do terror” defendido pelos otimistas, sendo intitulados de “pessimistas”, a exemplo de autores como WOHLSTETTER, Albert. The delicate balance

of power. Santa Monica, CA: Rand Corporation, 1958; SCHELLING, Thomas. Arms and influence. New Haven:

Yale University Press, 1966; SAGAN, Scott. The perils of proliferation: Organization theory, deterrence theory and the spread of nuclear weapons. International Security, Baltimore, 18, n. 4, 1994, p. 90-93; SAGAN, Scott.

The limits of safety: Organizations, accidents, and nuclear weapons. Princeton University Press, 1993. “The

optimist-pessimist debate” ganhou força na década de 1990 e ensejou o embate entre dois renomados autores de ambas as correntes, na obra SAGAN, Scott D.; WALTZ, Kenneth. The spread of nuclear weapons: A debate. New York: W.W. Norton & Company, 1997, reeditado posteriormente em 2003 sob o título The spread of

nuclear weapons: A debate renewed (with new sections on India and Pakistan, terrorism and missile defense).

16

Ver, por exemplo, BUZAN, Barry; WAEVER, Ole,; WILDE, Jaap de. Security: a new framework for

analysis. Boulder, Colorado: Lynne Rienner, 1998; BUZAN, Barry. New Patterns of Global Security in the

Twenty-First Century, International Affairs, 67.3, 433, 1991; BUZAN, Barry. People, States and Fear: An

Agenda For International Security Studies in the Post-Cold War Era. Hertfordshire: Harvester Wheatsheaf,

condição de fazê-lo.17

Na verdade, a experiência nacional no tocante à aplicação da energia nuclear tem, como centro do enredo, outros propósitos que não a dissuasão para fins militares. Os conceitos advindos da produção teórica, todavia, são úteis para definir os termos empregados ao longo da tese referentes aos problemas ocasionados pelo uso da energia nuclear, como a noção de proliferação18 nuclear (vertical e horizontal), de desarmamento e de regime internacional19

, sendo este último destinado a regular o comportamento dos Estados em prol da não proliferação de armas nucleares.

O desenvolvimento nacional ocupa papel fundamental na compreensão dos propósitos nacionais quanto à aplicação da energia nuclear no interregno de 1946 a 1985. A partir da década de 1930, o processo de modernização encetado pelo Estado para reestruturar a economia brasileira teve seu primeiro fôlego no governo do presidente Getúlio Vargas (1930- 1945) com vistas à superação do modelo agroexportador.20

A promoção do desenvolvimento orientou as transformações nos setores produtivos do país em prol da industrialização e repercutiu, igualmente, na ação externa brasileira. No exterior, buscar-se-iam os insumos financeiros e tecnológicos para auxiliar o processo de industrialização em curso. A promoção do desenvolvimento econômico foi uma meta e, ao mesmo tempo, princípio que orientou a formulação das diretrizes da política exterior na gestão Vargas e imprimiu novo padrão de conduta à ação externa brasileira. Esse padrão foi calcado na maximização dos interesses nacionais e na necessária autonomia de ação no meio externo para obtê-los. O desenvolvimento econômico orientou as transformações internas e as ações externas de outros governos após o término da gestão Vargas, variando quanto ao modelo adotado e ao grau de dependência em relação ao exterior.

17 A esse respeito, ver SAGAN, Scott. Why do states build nuclear weapons? Three models in search of a bomb.

International Security, Baltimore, n. 3, v. 21, Winter 1996/97; RIESS, Mitchell. Bridled ambitions: why

countries constrain their nuclear capabilities. Washington: The Woodrow Wilson Center Press, 1995.

18 Segundo Hak Neto (2011, apud DUARTE, 2002, p. 32 ), a noção de proliferação nuclear relaciona-se às ações de um Estado de obter armas nucleares, via desenvolvimento ou aquisição (compra). O termo proliferação surgiu no contexto dos debates sobre disseminação de armas nucleares na ONU, na década de 1960. O uso da expressão “proliferação” foi sugerido pela delegação indiana para caracterizar o problema da produção adicional de armas nucleares pelos países nuclearmente armados. Assim, houve a distinção entre proliferação vertical (fabricação ou desenvolvimento de novas armas pelos países nuclearmente armados) e proliferação horizontal (países que não possuíam armas nucleares, mas que poderiam vir a fazê-lo).

19 O conceito é empregado conforme definição de Stephen Krasner (1982), em que os regimes podem ser definidos como princípios, normas e regras implícitos ou explícitos e procedimentos de tomada de decisões de determinada área das relações internacionais em torno das quais convergem as expectativas dos atores. Os princípios são crenças em fatos, causas e questões morais. As normas são padrões de comportamento definidos em termos de direitos e obrigações. As regras são prescrições ou proscrições específicas para a ação. Os procedimentos para tomada de decisões são práticas predominantes para fazer e executar a decisão coletiva.

20

A esse respeito, consultar FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1995; PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1961; ABREU, Marcelo de Paiva. O Brasil e a economia mundial (1929-1945). In: FAUSTO, Boris. (org.). História geral da civilização

O desenvolvimento como meta e princípio também influenciou os interesses e os propósitos brasileiros em prol da aplicação da energia nuclear. Igualmente, tais propósitos repercutiram na ação externa desde 1946, ano em que se encontra a gênese da trajetória política nacional de incorporar a “revolução científica do átomo” aos esforços de desenvolvimento nacional, especialmente para alcançar o progresso científico e tecnológico. Além da busca do desenvolvimento, um conjunto de outros princípios advindos do acumulado histórico da inserção internacional do país influenciou a execução dos propósitos nacionais, conforme revelado nas fontes documentais que auxiliam na explicação do comportamento externo adotado pelo país no campo da energia nuclear. Esses princípios ou tendências históricas são derivados, em grande medida, da formulação da política exterior e estão assentados em valores que perpassaram as intempéries advindas das mudanças do cenário político doméstico e internacional. Para Cervo (1994, p. 25-31), as origens dessas tendências remetem à evolução do contexto político, econômico e social que marcou a inserção internacional do Brasil desde o processo de independência nacional no século XIX. Tais tendências referem-se ao não confrontacionismo e ao pacifismo; ao juridicismo; ao realismo e ao pragmatismo; e ao desenvolvimento como vetor.

A noção de não confrontacionismo decorre da primazia da solução pacífica de controvérsias em detrimento do uso da força, sendo tal noção construída especialmente a partir da gestão do barão do Rio Branco no Itamaraty, na primeira década do século XX (1902-1912). O não confrontacionismo foi associado à opção pela negociação diplomática para dirimir as controvérsias, à condenação e ao repúdio ao uso da força nas ações externas do país e, de forma mais ampla, à política internacional. A resolução das questões de limites territoriais com os países vizinhos à época de Rio Branco21

ressalta essa tendência. Além disso, a reprovação de intervenções externas como instrumento para resolução de contendas domésticas, em defesa da soberania estatal e da autodeterminação dos povos, decorre igualmente da noção do não confrontacionismo e do conflito armado como recurso evitável. Esse princípio, por sua vez, associa-se à tradição pacifista da ação externa, assentada no

21

Para aprofundar análise, consultar ABRANCHES, Dunshee de. Rio Branco e a política exterior do Brasil

(1902-1912). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1945; ALMINO, João; CARDIM, Carlos Henrique. (orgs.).

Rio Branco, a América do Sul e a modernização do Brasil. Rio de Janeiro: EMC Edições/FUNAG, 2002;

ARAÚJO JORGE, A. G. de. Rio Branco e as fronteiras do Brasil: uma introdução às obras do barão do Rio Branco. Brasília: Senado Federal, 1999; BUENO, Clodoaldo. Política externa da Primeira República: os anos de apogeu – de 1902 a 1918. São Paulo: Paz e Terra, 2003; BUENO, Clodoaldo. A República e sua política

exterior (1889 a 1902). Brasília: Funag/Ed. Unesp, 1995; CONDURU, Guilherme Frazão. O subsistema

americano, Rio Branco e o ABC. Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 41, n. 2, p. 59-82, 1998; LINS, Álvaro. Rio Branco: O barão do Rio Branco – biografia pessoal e história política: texto completo. 3. ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1996; JORGE, Arthur Guimarães de Araújo. Rio Branco e as fronteiras do

entendimento de ser o Brasil, por força dos condicionantes histórico, político e social, um país satisfeito com suas dimensões territoriais22

e com os recursos disponíveis em seu território – especialmente após os conflitos militares que marcaram as relações regionais no século XIX.

Quanto ao juridicismo, o princípio versa sobre o comprometimento nacional com os tratados internacionais, estando estes condicionados ao atendimento dos interesses nacionais e do não comprometimento para favorecer os interesses de outras nações. Outra tendência histórica observada na política exterior brasileira remete ao realismo e sua conversão em pragmatismo, sob o qual se insere a constatação de que os interesses nacionais devem condicionar os desígnios externos diante das oportunidades e dos constrangimentos operados no sistema internacional – em prol da maximização dos interesses nacionais, em cada temporalidade.

Por fim, o desenvolvimento como vetor concerne à obtenção dos insumos necessários ao processo de modernização nacional, utilizando-se a ação externa, que variou em dois modelos identificados com o liberalismo e o nacional-desenvolvimentismo. O principal elemento diferenciador entre os dois modelos, grosso modo, seria o maior ou menor nível de dependência em relação ao setor externo na edificação dos ditos setores estratégicos no Estado. Além disso, o grau de comprometimento do Estado com o processo de desenvolvimento nacional também diferencia os dois modelos.

A redução do nível de dependência do setor externo, por sua vez, relaciona-se à busca da autonomia na ação externa em prol dos interesses nacionais, especialmente no que tange ao modelo econômico voltado para o fortalecimento das estruturas internas em que o Estado

22 Investigando a atuação da diplomacia brasileira nas questões de segurança e de defesa quando da formação do Estado nacional, em 1822, Cervo destaca que o século XIX foi fundamental para a construção do ideário de nação satisfeita e pacífica do período imperial e sua manutenção na República, instaurada em 1889. Para Cervo (2002, p. 323), as questões de segurança que afetaram os objetivos da diplomacia durante o século XIX estiveram vinculadas à neutralização de quaisquer movimentos que colocassem em risco o imperativo da unidade nacional e da posse territorial. Tais objetivos estiveram relacionados ao afastamento de ingerências externas nos assuntos internos do recém-criado Estado e às rivalidades oriundas da época colonial na região do Rio da Prata. A política brasileira de limites, baseada no uti possidetis facto, foi um importante instrumento da diplomacia na manutenção das fronteiras herdadas da época colonial, bem como para a defesa da Amazônia contra interesses externos. O controle da região do Prata após a Guerra do Paraguai (1864-1870) foi fruto de intensa ação da diplomacia aliada aos aspectos econômicos e militares que culminaram na formação da Tríplice Aliança, a derrota paraguaia e a consequente hegemonia brasileira na região. Com a proclamação da República, as questões de segurança, sob o ponto de vista da diplomacia, estiveram condicionadas à amizade entre Brasil e Estados Unidos. Na figura do barão do Rio Branco (1902-1912), a aliança construída com os Estados Unidos fez com que o Brasil se enquadrasse na estratégia de segurança norte-americana para o continente, subordinando a ação brasileira às diretrizes de Washington em troca do apoio político e diplomático nas questões de interesse nacional. Na visão do autor, a participação brasileira na Primeira Guerra mundial ilustra a subordinação da segurança nacional aos interesses da segurança norte-americana. Tal subordinação somente sofreu alteração na gestão de Getúlio Vargas (1930-1945), quando a segurança foi concebida como variável dependente dos esforços desenvolvimentistas, e mais notadamente a partir de 1967 e da década seguinte, com a nacionalização da segurança por parte do Estado.

assume papel protagonista e interventor.23

Essa associação foi perceptível na política exterior adotada por Getúlio Vargas, ao condicionar o apoio político brasileiro aos Estados Unidos à cooperação financeira, econômica e militar no contexto da Segunda Guerra Mundial – que o autor Gerson Moura (1991) traduziu como o alinhamento político em troca dos interesses nacionais, ou alinhamento com recompensa. A autonomia na ação externa referiu-se, nesse caso, a galgar espaços para privilegiar os objetivos nacionais, e não às expectativas e aos interesses de aliados tradicionais. Nesse sentido, Vigevani e Cepaluni (2011) discutem que, para os países latino-americanos, a noção de autonomia diferiu, historicamente, do conceito de autonomia westphaliano, associado às capacidades domésticas e à existência de autoridade estatal soberana. Essa divergência assenta-se na existência de relações assimétricas de poder que permeiam as relações internacionais, apesar da igualdade jurídica e da inexistência de relações de autoridade entre os Estados. Para os países do dito Terceiro Mundo ou da periferia, a produção acadêmica latino-americana defendeu que a noção de autonomia esteve igualmente relacionada à capacidade de resistir aos constrangimentos e às pressões externas advindas das grandes potências. A autonomia refletia a adoção de decisões que promovessem de forma independente o interesse nacional, identificado, na maioria das vezes, com o desenvolvimento nacional. No caso do Brasil, desde 1930, o desenvolvimento econômico de bases autóctones converteu-se em um dos caminhos para robustecer a autonomia estatal das fronteiras para dentro, isto é, sem interferências ou ingerências do exterior. A noção de autonomia pressupõe a independência política e econômica como meta final dos esforços de desenvolvimento.

No plano analítico-conceitual, a noção de autonomia foi igualmente laborada na academia brasileira com base nos estudos da história da política exterior. Foi a partir da década de 1970 que o debate sobre autonomia e política exterior ganhou fôlego, em obras de autores como Hélio Jaguaribe, Gerson Moura, Paulo Kramer, Paulo Wrobel e Gelson Fonseca

23 Cervo (2008) definiu o princípio da independência de inserção internacional para fazer referência à prevalência da autonomia como um padrão de conduta fruto do acumulado histórico da política exterior. Tal