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3.3 – APROXIMAÇÕES ESTÉTICAS E TEMÁTICAS ENTRE PEDRO JUAN GUTIÉRREZ E RUBEM FONSECA

A RELAÇÃO ENTRE A ESCRITA DE PEDRO JUAN GUTIÉRREZ E A DE RUBEM FONSECA

3.3 – APROXIMAÇÕES ESTÉTICAS E TEMÁTICAS ENTRE PEDRO JUAN GUTIÉRREZ E RUBEM FONSECA

149 FONSECA, 2000, p. 14; 15. 150

Esse episódio desastroso na história da polícia carioca deu origem a um documentário chamado

Ônibus 174, dirigido e produzido por José Padilha, o mesmo diretor de Tropa de elite, um dos maiores

sucessos de bilheteria do cinema nacional em 2007. Lançado no Brasil em 2002, Ônibus 174 foi premiado em festivais no mundo todo, como na Mostra de Cinema de São Paulo, em Havana, no Festival de Munique e Roterdã.

No conto “Feliz Ano Novo” de Rubem Fonseca, três marginais, o narrador, Pereba e Zequinha, cada um vivendo de um modo pior e mais degradante que o outro em pequenos e fétidos barracos em zonas periféricas, saem em uma ronda violenta e sangrenta para invadir a festa de réveillon dos abastados financeiramente (aí chamados de grã-finos), no intuito de roubá-los, matá-los e se divertir um pouco à custa da desgraça alheia. O narrador, também comum aos dois outros marginais, relata minuciosamente o quadro social, moral e econômico no qual se encontram e o lado oposto dessa miséria, isto é, as madames com jóias, comida farta e todos desfrutando, de um modo feliz, os prazeres que lhes pode proporcionar o acesso ao dinheiro. Logo, é demonstrado que há uma necessidade de cobrança e acerto de contas por parte desses “condenados sociais” a quem lhes foi tirada a possibilidade de usufruir ou de pelo menos ter acesso a uma parte daquilo que não tiveram e que eles consideram que nunca terão acesso, se não por meio da violência.

A partir desse viés, o assassínio de pessoas se constitui como um mero divertimento ou um fato que ocorre em meio a uma ação que tem como objetivo roubar e conseguir algum dinheiro com os objetos e jóias que eles conseguem levar dos ricos. A violência que resulta no assassinato de outros indivíduos constitui-se como um divertimento para os marginais, pois eles violentam, destroem e desprezam as vidas de outros indivíduos de uma maneira inescrupulosa que, de certo modo, lhes trazem um sentimento de satisfação em ver a desgraça do outro. Podemos perceber que a violência é um mecanismo e o meio pelo qual os marginais têm acesso ao sexo, e por sua vez, o seu alcance pode também ser expandido ao caráter “de poder usufruir” daquilo que não se possui (comida, dinheiro, jóias, sexo) e, ainda, satisfazer também à idéia de um caráter “lúdico”, que eles experimentam quando atiram nas pessoas. Tudo isso constitui uma lógica sobre a ação dos assaltantes: para que uns se divirtam (ou se sintam em um

estado de satisfação, prazer e alegria), outros têm que morrer. Logo, a vida de uns segue em harmonia, enquanto repousa na desgraça e morte de outros.

Segundo Lafetá,

A mola desencadeadora da violência, aquilo que move os personagens, parece estar aquém (ou talvez além) de qualquer busca de sentindo: para esses parias da sociedade brasileira o sentido acabou, e o vazio de suas vidas só pode ser preenchido pelo ódio sangrento, que aliás, de tão rotinizado, parece menos ódio do que frieza psicótica.151

Das ruínas da “Habana Vieja” o narrador de O rei de Havana propicia desde suas páginas iniciais, um raio-x da situação de miséria e abandono em que se encontra o povo cubano. Essa população se vê obrigada a amontoar-se em casebres minúsculos, fétidos e castigados pela ação do tempo e que a qualquer momento podem desabar sobre suas cabeças. Nesse ambiente, é que acompanhamos a história de Reinaldo, um garoto que é acusado pela morte da mãe, do irmão e da avó, todos de uma só vez. É mandado para uma instituição de menores infratores, consegue fugir depois de alguns anos e volta a perambular de um canto a outro da ilha, no intuito de encontrar algo que comer, muitas vezes usando o poder de persuasão sexual, já que depois de algumas aventuras sexuais se auto-intitula o rei de Havana. Esse codinome se justifica pelo fato de Rey possuir um instrumento — o falo — que é capaz de lhe dar acesso a muitas coisas, sobretudo comida, rum e, ainda, a satisfação sexual.

Assim como na obra fonsequiana Feliz ano novo, em O Rei de Havana, Pedro Juan Gutiérrez expõe, de maneira direta, o afloramento da violência social, que aparece mais especificamente no abandono das Instituições em relação às classes mais desprovidas da sociedade.

Neste sentido, a violência aparece no livro do escritor cubano de diferentes modos. Na separação e destruição da unidade familiar do personagem principal, quando

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seu irmão acidentalmente empurra sua mãe em direção a uma viga metálica que lhe atravessa o crânio, seguida do imediato suicídio do mesmo por haver matado a mãe e, por fim, a avó que, diante de toda desgraça, decide terminar de morrer também, já que há muito tempo se mostrava imóvel, inexpressiva e inerte a qualquer tipo de situação. Outro tipo de violência que se dá é a sexual. Quando o personagem Reinaldo está na instituição de recuperação para infratores e um companheiro de reclusão quer lhe abusar:

Foi chegando perto dele abanando aquele bichão com a mão direita: — Olhe, mulatinho, o que você acha deste bicho aqui? Que bundinha linda você tem.

Rey não deixou que terminasse. Partiu para cima dele aos socos. Mas o desgraçado do negro estava ensaboado e os socos escorregavam.152

Por último, destacamos a violência que brota de modo inesperado e brutal de seu interior e desencadeia a morte de uma das pessoas por quem ele mais nutria afeto, como veremos adiante.

A violência e, sobretudo, o atuar com rigores de crueldade parece ser um modus

operandi de Pereba e Zequinha e o narrador, protagonistas do conto “Feliz ano novo”, já

em O rei de Havana o personagem principal tem que passar por um processo para que essa crueldade venha à tona. Vejamos um trecho de “Feliz ano novo” e em seguida outro do livro O rei de Havana para que possamos corroborar essa última afirmação:

Zequinha pegou a Magnum. Jóia, jóia, ele disse. Depois segurou a doze, colocou a culatra no ombro e disse: ainda dou um tiro com esta belezinha nos peitos de um tira, bem de perto, sabe como é, pra jogar o puto de costas na parede e deixar ele pregado lá. 153

De todo jeito, apontou e afiou uma escova de dentes que guardava escondida no colchonete. Às vezes, pegava a escova e testava sua ponta. Com aquilo conseguiria atravessar o coração de quem aparecesse para abusar dele. Tinha vontade de enfiar no pescoço do

negro e escarafunchar bem até cortar todas as veias e acabar com o sangue dele. Tinha ódio do negro. 154

Nos dois fragmentos, podemos constatar a idéia do agir com rigores de violência e crueldade e, inclusive, até uma determinada premeditação do ato brutal, mas se realizarmos uma leitura completa das narrativas, podemos constatar que no primeiro trecho, que se refere a “Feliz ano novo”, não há uma motivação direta, ou mesmo particular em relação ao personagem Zequinha, como é o caso do personagem Rey que estava na iminência de ser abusado sexualmente por outro interno da prisão em que ele se encontrava. Zequinha parece querer atirar no policial por puro divertimento, sem nenhuma piedade, é como se essa ação fosse algo corriqueiro como sair de casa com guarda-chuva para não se molhar.

Os autores, cada um a seu modo, deixam suas características autobiográficas em suas narrativas. Pedro Juan Gutiérrez com sua pegada jornalística (profissão que exerceu durante 26 anos), digna de um tipo de jornalismo policial, aquele que segura o leitor, manipulando a cada parte do texto uma pequena dose daquilo que se constituirá, talvez, em um desfecho surpreendente. Rubem Fonseca, colocando em prática o que pôde sorver durante os anos em que esteve trabalhando como comissário na polícia do Rio de Janeiro, ou seja, um indivíduo que esteve em contato, direta ou indiretamente por meio dos relatos de seus companheiros de profissão, com as diversas classes de malandros, prostitutas e indigentes de todo o Rio de Janeiro.

Ainda em relação aos atos de brutalidade e violência extrema que aparecem nas narrativas, podemos dizer que no caso do romance de Pedro Juan Gutiérrez, não há um acerto de contas do marginal, do excluído, do morto de fome em relação à determinada parcela abastada da sociedade. No decorrer da narrativa, não aparecem pistas desse ódio

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em relação àqueles que têm acesso a determinados privilégios e regalias. O que ocorre no desfecho do romance do autor cubano é o que traz Bataille em seu livro O erotismo, ou seja, “A posse do ser amado não significa a morte; ao contrário, a sua busca implica a morte. Se o amante não pode possuir o ser amado, algumas vezes pensa em matá-lo: muitas vezes ele preferiria matar a perdê-lo. Ele deseja em outros casos sua própria morte”155. Essa citação ilustra bem o final do romance O rei de Havana, no momento

em que Reinaldo depreende vários golpes com um objeto afiado e põe fim à vida de sua amante.

Vou ter mais um filho dele!

Ao ouvir isso, Rey ficou totalmente louco. Pegou a faquinha e de um só golpe lhe rasgou a face esquerda, da orelha até o queixo. Um corte tão profundo que pôs à vista os ossos, os tendões, os dentes. Gostou de vê-la assim, desfigurada, com o rosto rasgado e o sangue correndo pescoço abaixo:

Está vendo, puta, eu é que sou homem. Viu?

Ela aterrorizada, levou as mãos à ferida e continuou gritando para ele: — Veado, filho-da-puta! Esse negro vai matar você! Vou botar ele na sua cola pra matar você!

Rey, já sem controle, acertou-lhe outro corte no pescoço. Cortou-lhe a carótica. De um só golpe. Um jorro de sangue voou e ensopou ambos. Magda abriu os olhos desmesuradamente. Outro jorro de sangue, com força. O bombear do coração. Outro mais, muito mais fraco. Magda desmaiou. Caiu no chão. Brotou muito sangue daquela ferida. E morreu em questão de segundos. 156

Quando o personagem é colocado diante de si mesmo por meio das palavras duras de Magda, a realidade torna-se pesada demais para ele, que se julga superior, seja por sua destreza sexual ou por sua habilidade em construir coisas só com sua faquinha de aço e um pedaço de ferro que usava como martelo. O narrador inclusive ressalta nesta parte da narrativa que “Era mesmo o Rei de Havana!”157

E diante de se ver diminuído, humilhado, lançado à categoria de menino incapaz de corresponder às expectativas de uma mulher, e levando em consideração a possibilidade de perder a pessoa que amava,

155 BATAILLE, 1987, p. 19. 156 GUTIÉRREZ, 2001, p. 218; 219.

ele prefere vê-la morta a ter que presenciar a sua partida (ainda que ela o deixe não por não amá-lo, mas pensando em uma forma de se proteger) para ficar com outro, que ela inclusive faz questão de ressaltar: “Esse, sim, é homem. Que cuida de mim, me dá roupa, comida, dinheiro, me leva pra passear. Esse negrão sim é que é homem!”158

No conto “Feliz ano novo”, Rubem Fonseca expõe cruamente o contraste existente entre a classe marginalizada, “miserável, preta, feia e desdentada” e a classe de nível econômico superior, “limpa, feliz, sorridente” e satisfeita por gozar dos privilégios que proporcionam o dinheiro:

Vi na televisão que as lojas bacanas estavam vendendo adoidado roupas ricas para as madames vestirem no réveillon. Vi também que as casas de artigos finos para comer e beber tinham vendido todo o estoque.

Pereba, vou ter que esperar o dia raiar e apanhar cachaça, galinha morta e farofa dos macumbeiros.159

Essas diferenças tão marcantes de status econômico fazem com que transpareçam nos personagens, que quase nada têm, um sentimento de inveja e revolta por aqueles que, diferente deles, têm comida na mesa, roupa limpa, perfumes e outros utensílios raros em um meio tão miserável como é o do personagem Pereba e dos seus comparsas.

Segundo Bataille,

Com seu trabalho o homem edificou o mundo racional, mas sempre subsiste nele um fundo de violência. A própria natureza é violenta e, por mais comedidos que sejamos, uma violência pode nos dominar de novo, que não é mais a violência natural, a violência de um ser racional que tentou obedecer, mas sucumbe ao movimento que ele mesmo não pôde reduzir à razão.160

Os dizeres de Bataille servem para ilustrar o quanto o personagem principal de O

rei de Havana se aproxima da categoria animal. Como argumentamos na introdução

desta dissertação ou quando da abordagem do conceito de grotesco, muitas vezes os personagens aparecem com características animalescas e humanas propiciando assim a

158 GUTIÉRREZ, 2001, p. 217. 159 FONSECA, 2000, p. 13. 160

adequação do uso desse conceito. “Rey seguiu seu rumo: ‘Que trabalhar a puta que pariu. Nunca mais vou trabalhar na minha vida’ pensou”.161

Uma característica comum entre O rei de Havana e o conto “Feliz ano novo” é que nas páginas dessas narrativas aparecem personagens cujas falas não respeitam os padrões lingüísticos ditos cultos ou correspondentes a uma determinada norma padrão do idioma em que esses personagens se expressam. Vejamos fragmentos de “Feliz ano novo” e de O rei de Havana em que aparece tal situação:

Puta que pariu, disse Zequinha. E vocês montados nessa baba tão aqui tocando punheta? Esperando o dia raiar para comer farofa de macumba, disse Pereba.162

Subi. A gordinha estava na cama, as roupas rasgadas, a língua de fora. Mortinha. Pra que ficou de flozô e não deu logo? O Pereba tava atrasado. Além de fudida, mal paga. Limpei as jóias.163

— E você, puta de merda, faz isso só para foder, porque é uma puta. Não provoque mais, senão eles acabam morrendo. Sem comer e tocando punheta o dia inteiro! Vai matar eles, droga de puta! Vai matar eles!

— Escuta aqui, tonta, não me amola, eu estou na minha casa e faço o que bem entendo.

— Você é uma bela de uma puta.

— Sou, mas com minha boceta. E vivo vinte vezes melhor que você, que é tonta e imunda. Sua porca!164

Com isso, poderíamos então salientar o intento dos autores de aproximar ao máximo do que se pode chamar de “real” a constituição de seus personagens e suas histórias, que, ainda que ficcionais, poderiam ser os discursos que nelas aparecem, passíveis de ocorrer no mundo real, em um meio marginalizado como é o dos personagens, onde facilmente podem aparecer palavras de baixo calão como “deu” no sentido de se entregar ao bandido, “fudida”, “puta de merda”, “punheta” e boceta”.

161 GUTIIÉRREZ, 2001, p. 34. 162 FONSECA, 2000, p. 15. 163 FONSECA, 2000, p. 18.

Pedro Juan Gutiérrez afirma em entrevista:

Trato de reduzir um pouco a realidade, de transformá-la em algo mais leve, para fazê-la possível de se acreditar. Isso acontece em meus livros: tenho que traduzir os fatos para que as pessoas acreditem neles. Esse é o principal problema da literatura: ela precisa ser crível. 165 Podemos notar nas palavras do autor cubano, que há uma preocupação em tornar crível o que ele escreve. Esse argumento vem em consonância da assertiva de que quando há a preocupação de colocar na narrativa o modo como os personagens marginais se comunicam, nós leitores, podemos chegar a uma idéia de como se constitui o universo dos personagens que estão sendo retratados neste trabalho.

O realismo de Pedro Juan Gutiérrez segue algumas reminiscências de origem naturalista, ou seja, aquelas características em que os personagens são indivíduos que trazem dentro de si instintos hereditários, que explodem repentinamente em manifestações de tara, luxúria e violência. Podemos tomar como exemplo o personagem central de O rei de Havana, um indivíduo que apesar do convívio social com outros personagens de melhor esclarecimento e situação econômica, como é o caso da viúva Daysi, que tinha como trabalho ler a mão das pessoas, ainda assim não consegue se ajustar socialmente. Uma força interior o impele ao universo das “anormalidades” e vícios e ele segue o seu destino como “um animal” indiferente que não sabe sequer o que lhe espera no dia posterior. O seu universo é aquele das satisfações imediatas, não se importando com o que ocorre com quem está a sua volta.

— Rey, pelo amor de Deus, não vá embora assim. Eu nunca perguntei quem você era, nem de onde saiu. Nada...

— Nem é da sua conta.

— Eu sei que não é da minha conta. Nunca vou perguntar nada. Mas deixa eu cuidar de você, Rey. Não beba mais.

— Me deixa em paz e não me encha mais o saco, velha de merda.166

165 Playboy, 2001, p. 77. 166

Em O rei de Havana, o personagem principal se vale do sexo para ter acesso a determinadas “vantagens” que provavelmente não teria se não conquistasse as mulheres com as quais tem relação. Logo, podemos dizer que, assim como os personagens do conto “Feliz ano novo” fazem uso irrestrito da violência como mecanismo que lhes propiciam bens e objetos que almejam, Rey aproveita, de modo similar, o sucesso que consegue fazer e o fato de impressionar todas que querem que ele prove que é realmente o “Rei de Havana” — o que se comprova realmente com o seu desempenho. Isso nos permite defender a idéia de que também Rey faz uso do sexo como um mecanismo possibilitador. Porém, ele não sabe aproveitar da sua condição de macho viril e potente para sair ou se mover por muito tempo da situação miserável e degradante em que se encontra, pois sempre volta à estaca zero, sem dinheiro, sem trabalho, sem comida e também sem sexo. Porém, o uso da violência de modo brutal também acontece em O rei

de Havana. O seu uso desmedido se dá quando Rey agride Magda, no intuito de aplacar

a sua humilhação por ter sido chamado de “morto de fome, inútil e veado”. Nesse momento, o ato de violência funciona como um mecanismo capaz de fazer desaparecer toda humilhação vinda de uma pessoa por quem inclusive ele nutria sentimentos. Assim, observamos que o sexo, no caso de O rei de Havana, e a violência, em Feliz ano

novo, podem ser caracterizados como mecanismos pelos quais os personagens

viabilizam, desde a aquisição de bens materiais e satisfação sexual até uma sensação de apaziguamento interno, como é o caso dos contos “Passeio Noturno” e “Botando pra quebrar” do livro Feliz Ano novo. Nesses textos o uso da violência serve aos personagens como uma válvula de escape, pois a agressividade traz uma determinada satisfação àqueles que a empreendem. No conto “Botando pra quebrar”, o narrador, um homem sustentado por Mariazinha, que é uma costureira, consegue um emprego de leão-de-chácara em uma boate no mesmo dia em que ela decide abandoná-lo. Para

liberar seus demônios internos e se vingar do dono da boate que o havia repreendido e que certamente o dispensaria do trabalho, ele decide arrumar confusão e dar uns socos e pontapés para se livrar um pouco da sensação de estar sendo “sacaneado” ou enganado por todo mundo. De lucro consegue destruir uma parte da boate e ainda ganha um dinheiro do seu patrão. Em “Passeio Noturno I” e “Passeio Noturno II”, contos em que as causas que levam o personagem a matar outras pessoas atropelando e as esmagando com seu possante veículo parecem ainda bem menos claras que aquelas de “Botando pra quebrar”. Entretanto, pode-se dizer que é por meio do ato descomedido de violência e ausência de remorso que o personagem protagonista encontra uma satisfação interior que o faz voltar para casa mais relaxado e pronto para continuar sua rotina normal no dia seguinte.

De acordo com Oswaldo Martins167

, “o erotismo de Pedro Juan Gutiérrez é o erotismo do nojo, do gosto pelo nojo, ou ainda, da consciência do sujeito como ser viscoso e repelente. O submundo se redesenha pela impossibilidade e pelo desejo desglamourizado”.

Nenhum se incomodava com a sujeira do outro. Ela tinha uma xota um pouco ácida e a bunda cheirando a merda. Ele tinha uma nata branca e fedida entre a cabeça do pau e a pele que a rodeava. Ambos cheiravam a bodum nas axilas, a rato morto nos pés, e suavam. Tudo isso os excitava. Quando não agüentaram mais foi porque estavam extenuados, desidratados, e anoitecia.168

O fragmento citado vai ao encontro das duas assertivas de Freud que consideramos pertinentes para analisarmos o processo de desglamourização do desejo que ocorre em

O rei de Havana.

A imprecisão dos limites do há de chamar-se de vida sexual normal