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3.4 – O SEXO “SUJO” E DESPIDO DE SENTIMENTO EM FELIZ ANO NOVO E EM O REI DE HAVANA

A RELAÇÃO ENTRE A ESCRITA DE PEDRO JUAN GUTIÉRREZ E A DE RUBEM FONSECA

3.4 – O SEXO “SUJO” E DESPIDO DE SENTIMENTO EM FELIZ ANO NOVO E EM O REI DE HAVANA

Como ressaltamos anteriormente, o realismo de Pedro Juan Gutiérrez apresenta algumas peculiaridades de caráter naturalista em sua escrita, que podem, sem exageros, fazer com que o aproximemos dos textos do Marquês de Sade. Por esse viés, podemos fazer um paralelo entre a escrita de Rubem Fonseca e a de Bukowski, que expõe a sexualidade de uma maneira crua, revelando muitas vezes aspectos recônditos e obscuros da condição humana, sem eufemismos e de modo intenso. A seguir, apresentamos dois trechos de Bukowski que atestam a nossa proposição:

Depois voltei para a cama. Virei-a para mim e comecei a mexer-lhe no sexo. Sempre que estou com ressaca fico cheio de apetite — não para comer, mas para foder. Foder é o melhor remédio para ressacas. Põe tudo para funcionar de novo.187

Eu tinha cinqüenta anos e há quatro que não ia para a cama com uma mulher. Não tinha amigas. Quando passava por elas, na rua ou onde quer que as via, olhava, mas olhava sem desejo e com desinteresse. Masturbava-me regularmente, e a idéia de ter uma relação com uma mulher — mesmo em termos não sexuais — estava muito longe da minha imaginação.188

Nesses fragmentos, podemos observar por meio da postura do personagem que o sexo oposto só representa um objeto que serve para satisfazer e, quando muito, amenizar o incômodo causado por uma ressaca. A partir daí, podemos notar um aspecto menor do que se constitui uma relação. Também é possível notar que o personagem está despido

187 BUKOWSKI, 2003, p. 34. 188

de qualquer pudor ou constrangimento para revelar sua precária condição afetiva e angústia em relação ao desejo, que só se concretiza em sua solidão. Nesse sentido, podemos identificar os aspectos recônditos do indivíduo.

A escrita sobre o sexo, em princípio, apresenta-se como um elemento comum e bastante recorrente tanto em O rei de Havana quanto em Feliz ano novo, mas se analisamos com um olhar mais minucioso percebemos que ele aparece de modo distinto nas duas obras. Em O rei de havana, o personagem principal está envolto em um emaranhado de situações que parecem, todas, levar à concretização do ato sexual.

Os dois já tinham pentelhos na pélvis e no cu, o pau já havia crescido e engrossado, tinha pêlos nas axilas e aquele cheiro de suor forte dos homens, e a voz um pouco mais rouca e grossa. Se masturbavam, escondidos no meio das gaiolas dos frangos, olhando a menina vizinha da cobertura ao lado189.

Logo se enganchou numa negrinha bem preta, com um bom rabo e boas tetas. Muito alegre e sorridente, e com muito pó de quina espalhado nas costas para espantar todo o mal. Quando Rey tirou trinta dólares para pagar a cerveja, a negrinha olhou com o rabo dos olhos e disse para si mesma: Ganhei a noite. Mas Rey mostrou as notas e pensou: Mordeu a isca, puta, vai levar ferro esta noite até na orelha. As perlonas estão pedindo carne.190

No primeiro trecho, o narrador faz uma descrição pormenorizada de como estão constituídos fisicamente os dois jovens que, de certo modo, parece que tem a pretensão de ressaltar que esses estão habilitados para sair transando com todas as prostitutas de Cuba, assim como um soldado está apto a ir à guerra com seu fuzil, seu corpo forte e robustecido, isto é, preparado e o com desejo de lutar, (utilizando a linguagem retratada) de “trepar” até o fim. Esse fragmento também demonstra uma das primeiras passagens da narrativa que pode ser classificada com pertencente a uma perspectiva do realismo sujo. Por sua vez, o segundo trecho expõe, de maneira direta, as pretensões sexuais do personagem sem eufemismos, tampouco romantismo, revelando mais uma vez o

aspecto instintivo das relações, em que a busca do prazer é um objetivo primordial e também despido de sentimento onde há o predomínio da pulsão do desejo.

Outras partes que parecem ter sido escritas levando em consideração uma estética erótica e/ou pornográfica e que inclusive aproxima a escrita de Pedro Juan Gutiérrez da perspectiva do Realismo Sujo, ou mesmo de alguns dos elementos que compõem a estética deste tipo de realismo são as seguintes:

Os olhos da velha brilharam, seu rosto ficou alegre e pareceu retroceder instantaneamente dos cinqüenta e dois para gloriosos vinte anos:

— Ah, que pau mais lindo!

Pegou-o com as duas mãos, apertando. Apalpou-lhe o saco. Era um cacete esplêndido e grosso de vinte e dois centímetros, de uma cor de canela bem escura, com pentelhos negros e brilhantes. Havia tempo que fazia sexo. Tinha comido o cu de alguns veados no reformatório.191

Deram uns amassos. Rey comprou mais uma cerveja para ela. Depois a levou para uma ruela atrás da igreja, e naquela escuridão fez ela chupar e soltou a primeira porra, ensopando-lhe as tetas. Tinha sêmen de dois dias. Muito sêmen. E disse para ela:

— Não limpe, não. Deixe secar aí. Essa é a marca do Rei de Havana.192

O conteúdo relacionado ao abjeto também se faz presente em O rei de Havana e em igual proporção em Feliz ano novo.

O susto lhe deu vontade de cagar, mas o carro passou velozmente por ele. Respirou aliviado. Dois segundos depois, a polícia interceptou os caminhões. Ele se enfiou no meio do mato para cagar. Estava um pouco constipado e seu cu doeu. Fazia dias que não cagava, de forma que o susto valeu. Limpou-se com um pedaço da camisa.193

O quarto da gordinha tinha as paredes forradas de couro. A banheira era um buraco quadrado grande de mármore branco, enfiado no chão. A parede toda de espelhos. Tudo perfumado. Voltei para o quarto, empurrei a gordinha para o chão, arrumei a colcha de cetim da cama com cuidado, ela ficou lisinha, brilhando. Tirei as calças e caguei em cima da colcha. Foi um alívio, muito legal. Depois limpei o cu na colcha, botei as calças e desci.194

191 GUTIÉRREZ, 2001, p. 47. 192 GUTIÉRREZ, 2001, p. 105. 193 GUTIÉRREZ, 2001, p. 25. 194 FONSECA, 2000, p. 18.

Nesses fragmentos apresentados, os personagens aparecem em situações em que as descrições de suas ações pelos narradores nos fornecem os mínimos detalhes que normalmente não são tão enriquecedores para a narrativa desde um ponto de vista literário, pois o ato de defecar que aparece, não está associado a outra coisa senão ao caráter de abjeto. O segundo trecho, que faz parte do conto “Feliz ano novo”, ressalta inclusive outro aspecto que tratamos anteriormente que diz respeito ao realismo sujo, ou seja, o fato de um dos personagens defecar em cima da colcha, de certa maneira, possibilita que o relacionemos a um ser com características animalescas.

Traçar de maneira objetiva quais são os elementos que entram na composição do que se possa chamar de “realismo sujo”, ao nosso entendimento, se constitui como um exercício no qual “inferir” cumpre um papel importante, haja vista a dificuldade que tivemos para encontrar textos teóricos que discorriam sobre essa temática. Sendo assim, no decorrer deste trabalho, mais especificamente neste capítulo, buscamos inferir sobre quais os aspectos que constituem o conceito de “realismo sujo” e, por sua vez, buscamos delimitar os seus usos, com base, inclusive, na autodenominação que o próprio autor cubano dá ao seu estilo e que, como conseqüência, aplicamos para leitura dos textos fonsequiano.