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APROXIMAÇÕES PARA UM POSSÍVEL CONCEITO JURÍDICO DE ENERGIA

No documento DE ENERGIA ELÉTRICA (páginas 46-52)

PARTE I – DISCIPLINA JURÍDICA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

2 QUESTÕES PROBLEMATIZANTES SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DA

2.1 APROXIMAÇÕES PARA UM POSSÍVEL CONCEITO JURÍDICO DE ENERGIA

A mais adequada possível apreensão jurídica do conceito de energia para o Direito passa, necessariamente, pela recuperação de outros saberes que se dediquem ao tema. Na Física, por exemplo, conceitua-se energia como a capacidade de realização de trabalho resultante de uma potência dividida pelo tempo. A energia elétrica, por sua vez, é a capacidade de realização de trabalho que utiliza como meio a eletricidade66. Para a seara jurídica, contudo, o conceito de energia como fenômeno físico puro e simples não atrai preocupação. Da energia socialmente valorada, a qual constitui objeto do trânsito jurídico, é que o Direito se ocupa.

No Direito brasileiro, foi positivada a qualificação da energia elétrica como bem móvel no art. 155, parágrafo 3°, do Código Pena l, editado em 1940, com o intuito de garantir a criminalização da conduta do furto de energia elétrica. Antes disso, já havia, na doutrina67 e em decisões judiciais68, manifestações quanto ao

66 A respeito da construção do conceito de energia elétrica ver, dentre outras obras, as seguintes: BACUSSI, Alessandro. Introdução ao conceito de energia. Porto Alegre, UFRGS – Instituto de Física, 2007; DUIT, Reinders; RHÖNECK. Christoph von. Aprendizagem e compreensão de conceitos chave em eletricidade. Rio de Janeiro: IF/UFRJ, 2010.

67 “No direito patrio não ha dispositivo expresso sobre a subtracção dolosa da energia electrica, porque ao tempo em que foi promulgado o nosso Código Penal, a electricidade era considerada apenas como phenomeno physico-chimico, sem qualquer preoccupação de ordem economica. As suas variadas applicações industriaes e domésticas datam de época muito recente.

[...] Melhor será, portanto, que se acceite a natureza material da electricidade, para todos os effeitos do invocado art. 330 do Codigo Penal. Essa conclusão será muito mais acertada do que deixar-se desamparado da lei o interesse legitimo de innúmeras companhias que exploram, entre nós, o serviço de energia electrica, invertendo, para isso, vultuosos capitaes. De vários modos ellas são lesadas, segundo os processos de fraude em voga. [...] Mas não basta que as empresas se defendam: é necessário que o Poder Publico secunde os seus esforços, amparando, por todos os modos, os seus legítimos interesses. Esse dever do Estado, aliás, está no seu proprio interesse porque as empresas de energia electrica são verdadeiras estações arrecadadoras do imposto federal sobre o consumo de electricidade. Ora, havendo desvio ou subtração de corrente electrica, em prejuízo das empresas, ha evasão de renda da União, porque o imposto é calculado sobre o quantum do energia consumida. É evidente, pois, que ha um verdadeiro entrelaçamento de interesse da União e das Empresas.”

SOUZA, Sebastião José de. Furto de energia electrica. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 68, a. 33, fasc. 400, p. 275, 1936.

caráter de bem móvel da energia elétrica, devido à necessidade do Estado de punir a subtração de energia elétrica, a fim de proteger os interesses e investimentos das companhias de distribuição de eletricidade. Permitido seja frisar que era a força protegendo a luz.

O Código Penal de 1940 resultou do trabalho da Comissão Revisora do Projeto Alcântara Machado, a qual contou com a participação de Nelson Hungria, cujo magistério ensina que, desde o século XIX, era controverso, tanto na doutrina, como na jurisprudência, afirmar se a energia constituía objeto adequado de furto.69 Em aresto de 1896, o Reichsgericht decidiu que a subtração de energia elétrica não era conduta punível, tendo em vista a impossibilidade de aplicação analógica do tipo penal de furto no Direito alemão ao caso. Desta feita, o legislador alemão criou um tipo específico para a punição da conduta, por meio de lei especial, em 1900.

No Direito brasileiro, o Anteprojeto Sá Pereira tendia à configuração da subtração de energia elétrica como crime patrimonial sui generis. Todavia, prevaleceu o entendimento na Comissão Revisora de que era desnecessária a criação de uma figura especial de crime patrimonial. Desta feita, o art. 155, parágrafo 3º, do Código Penal brasileiro, editado em 1940, em verdadeira tradução, utilizou-se praticamente na íntegra da fórmula do art. 624 do Código Penal italiano, estabelecendo: “Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra com valor econômico.”70

68 Sentença do Juízo de Direito de Recife/PE: “FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA – Constitue furto a utilização clandestina da energia elétrica. – A energia elétrica e qualquer outra energia que tenha valor econômico é considerada ‘coisa movel’, sendo, pois, suscetível de subtração criminosa.” Revista Forense, Rio de Janeiro, p. 170, mar. 1940.

69 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro:

Forense, 1958. v. 7, p. 34.

70 Ibidem, p. 34-37. De igual forma, a doutrina subsequente: BITENCOURT, Cezar Roberto.

Tratado de direito penal. 8. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 3, p. 84-87. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 7. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007, p.

675. FRANCO, Alberto Silva et tal. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. rev. atual.

São Paulo: RT, 2001. v. 2, p. 2.494-2.495. PARIZATTO, João Roberto. Furto, roubo, receptação.

Leme: Editora de Direito, 1997, p. 51-54. JESUS, Damásio E. de. Código Penal anotado. 17. ed.

atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 554. DELMANTO, Celso et tal. Código Penal comentado. 7. ed.

rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 461. MIRABETE, Julio Fabrini. Código Penal interpretado. 5. ed. atual. São Paulo, Atlas, 2005. NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 28.

ed. São Paulo: Saraiva, 1996. v. 2, p. 238. No direito penal, o furto de energia é considerado pela jurisprudência como crime permanente, e não continuado. (TACrSP 86/373 - 66/374). Todavia, ainda que o dispositivo penal referente à matéria esteja situado no art. 155 do CP, a atuação ilícita na subtração de energia elétrica não é criminalizada necessariamente como furto. Por exemplo, o desvio de energia elétrica do medidor, por permitir que o agente obtenha vantagem ao gastar mais energia

Ressalte-se que, ao utilizar a fórmula “ou qualquer outra com valor econômico”, o Código Penal aponta que não apenas a energia elétrica, mas sim, toda aquela que for “suscetível de incidir no poder de disposição material e exclusiva de um indivíduo [...] pode ser incluída, mesmo do ponto de vista técnico entre as coisas móveis”.71 A doutrina exemplifica das mais diversas formas possíveis tais tipos de energia, como: radioatividade, energia genética dos reprodutores, as energias térmicas, sonoras, cinéticas, pulsos telefônicos, térmica, mecânica, ar comprimido, vapor, solar, luminosa, et coetera.72 Dentre os casos apreciados pelos tribunais pátrios com base em tal artigo, destacam-se o furto de pulsos telefônicos por intermédio de conexão clandestina à caixa terminal73, a ligação internacional em telefone de propriedade alheia74, e mesmo a realização de ligações em telefones públicos sem o uso de ficha75, pois consideram que há subtração da energia elétrica que permite o funcionamento dos terminais da concessionária de telefonia. De igual forma, a conexão clandestina de água ou a alteração do encanamento de água antes do hidrômetro são consideradas condutas típicas em algumas decisões, com fulcro no indigitado dispositivo legal.76 Todavia, em sentido oposto, há julgados que vêm considerando, ainda que com alguma divergência77 conduta atípica a subtração de sinal de TV a cabo, pois se entende tratar de mero ilícito civil, ante a inadmissibilidade da analogia in malam partem no Direito Penal.78

Constitui, também, antecessor da qualificação jurídica da energia elétrica como bem móvel o art. art. 74, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional (Lei n.º

do que está autorizado pelo contrato, induzindo a vítima em erro ou engano, é punido sob a forma de estelionato. (RT 726/689 e HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. 7, p. 37.)

71 BRASIL. Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal de 1940. Disponível em:

www.planalto.gov.br. Último acesso em: 03/01/2013.

72 Conforme autores citados em nota anterior.

73 Por exemplo: RT 622/292, 697/314.

74 Por exemplo: TACrSP, TJDTACr 24/206.

75 Por exemplo: TACrSP, TJDTACr 27/131.

76 Por exemplo: RT 750/638, RJDTACr 26/177, e STJ, HC 13.509, 5ª Turma, rel. Min. Édson Vidigal, DJU, 11 dez. 2002.

77 Pela possibilidade de tipificação do furto, STJ, HC 17.867-SP, 5ª Turma, rel. Min. Gilson Dipp, 17.12.2002.

78 Eg. RT 755/732, RJDTACr 92/177 e STF, HC 97261/RS, rel. Min. Joaquim Barbosa, 12.abr.2011.

5.172/1966). Tal dispositivo considera que, para efeitos de incidência do “Imposto sobre Operações Relativas a Combustíveis, Lubrificantes, Energia Elétrica e Minerais do País”, a energia elétrica é considerada produto industrializado, portanto, bem móvel.79

Com base nos mencionados dispositivos legais, a doutrina do direito privado da primeira metade do século XX, ao tratar da distinção entre bens móveis e imóveis no direito brasileiro, também se consolidou no sentido de que a energia seria bem móvel, ainda que não houvesse disposição específica no Código Civil de 1916.

Nesse sentido, o posicionamento de Caio Mário da Silva Pereira é dos mais relevantes e citado por outros autores:

O desenvolvimento técnico e o progresso vieram levantar uma indagação quanto à caracterização do gás e da corrente elétrica [como bens móveis]. Quanto ao primeiro, que sob o critério da removibilidade, se configura como coisa corpórea, não pode haver dúvida na sua definição como coisa móvel, dada a sua transportabilidade em espécie por via de tubulação ou de embotijamento. A corrente elétrica, porém, não tem a mesma corporalidade. A doutrina e jurisprudência brasileiras, conceituando o seu desvio irregular como furto, levavam à sua caracterização como coisa móvel, e o Código Penal brasileiro, encerrou qualquer controvérsia equiparando a energia elétrica, ou qualquer outra dotada de valor econômico, a coisa móvel (art. 155§ 3º).80

De igual forma, a jurisprudência passou a se manifestar quanto à classificação da energia dentre os bens móveis, ainda que não houvesse disposição

79 Tal imposto foi instituído a partir de outros tributos estabelecidos no contexto brasileiro pós-II Guerra Mundial, com o intuito de garantir a produção, importação, circulação, distribuição e consumo dos produtos por ele abrangidos e considerados pelo legislador como essenciais – a fim de garantir a não incidência de outros tributos estaduais e municipais sobre estes. O referido dispositivo legal não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, uma vez que a instituição do imposto único saiu do rol de competências tributárias da União, entabulado pelo art. 153 do texto constitucional. Todavia, a extinção de tal imposto não implicou em redução da carga tributária, uma vez que os fatos geradores que o amparavam passaram para o âmbito da competência dos Estados e Municípios. A energia elétrica, em particular, passou a ser tributada pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). MACHADO, Hugo de Brito. Temas de direito tributário. São Paulo:

RT, 1994, p. 26. CALMON, Eliana et. al. Código Tributário Nacional comentado. 3. ed. rev. atual.

ampl. São Paulo: RT, 2005, p. 216-217. SILVA, Volney Zamenhof de Oliveira Silva. Código Tributário Nacional comentado e anotado. 4. ed. Campinas: CS, 2004, p. 181-184.

80 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 1998. v. 1, p. 367. Tal posicionamento é citado, por exemplo, por: DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 11. ed. rev. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 124.

TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloísa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2007.

v. 1, p. 183. Todavia, cumpre mencionar que outros autores se manifestavam no mesmo sentido, dentre eles: MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: parte geral. 11. ed. rev. e aum.

São Paulo: Saraiva, 1972, p. 157. LOPES, Miguel Maria de Serpa. Curso de direito civil. 7. ed. rev.

atual. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1989, p. 339.

normativa específica de direito privado. É digna de nota a decisão da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que trata de discussão de competência sobre ação de anulação de contrato de cessão de direito de usuário de energia elétrica.81 De acordo com a decisão da vice-presidência do Tribunal de Alçada, a ação seria de matéria inespecífica, por se tratar de direito de usuário de energia elétrica. Todavia, o TJSP decidiu, com base na doutrina, e nos artigos 155, parágrafo 3º, do CP e 74, do CTN, "[...] que, diante do interesse econômico referente à utilização da energia elétrica, envolvendo autor e réu da ação, a mesma versa, efetivamente, sobre contrato que tem por objeto bem móvel.".82

A positivação de tal entendimento na legislação de direito privado propriamente dita se deu com o Código Civil de 2002, que, em seu art. 83, inciso II, estabelece: “Art. 83. Consideram-se móveis para os efeitos legais: [...] I - as energias que tenham valor econômico”.

Em que pese todo o transcurso histórico da questão ora exposta, tal modificação foi recebida como verdadeira “novidade”83, ante a necessidade de se

“completar” o Código – de forma a abarcar todas as situações postas pela realidade, muito cara ao dogma da completude do Direito moderno.84 A Comissão Elaboradora e Revisora e Elaboradora do Anteprojeto do Código Civil, na revisão que realizou em 1973, referente à Parte Geral, retirou a qualificação "naturais" das energias

81 RT 569/72. “AÇÃO DE ANULAÇÃO DE CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITO DE USUÁRIO DE ENERGIA ELÉTRICA - COISA MÓVEL CARACTERIZADA - JULGAMENTO AFETO AO 1º TACIV/SP. Versando a ação sobre contrato que tem por objeto bem móvel, característica da Energia elétrica, a competência cabe ao 1º TACiv/SP”. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 74, v.

597, p. 72-73, jul.1985.

82 RT 569/72.

83 São exemplos de autores que recepcionaram a classificação como novidade: ALVES, José Carlos Moreira. A parte geral do Projeto de Código Civil brasileiro: subsídios históricos para o novo Código Civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 80 e CALIXTO, Marcelo Junqueira.

Dos bens (art. 79 a 103). In: TEPEDINO, Gustavo (org.). A parte geral do novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 160.

84 Miguel Reale ressalta as dificuldades enfrentadas pela Comissão na classificação de determinados bens e a necessidade de se 'completar' a Codificação: “Casos há em que nos defrontamos com dificuldades imensas, para a exata determinação da natureza de certos bens. Por exemplo: a energia. Tivemos que completar o Código atual para considerar 'móvel' a energia que tenha valor econômico". Nada obstante, tal dogmatismo é merecedor de críticas, na medida em que a crise da codificação inerente à modernidade revela sua inaptidão para regular todas as situações da vida concreta. Nesse sentido, ver, por exemplo: TEPEDINO, Gustavo. Crise das fontes normativas e técnica legislativa na parte geral do Código Civil de 2002. In: _____. (org.). A parte geral do novo Código Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

indicadas como bens móveis do dispositivo que viria a se tornar o inciso I, do art. 83, do Código Civil atual, por entender que tal expressão seria demasiadamente restritiva.85 De igual forma, nos debates parlamentares relativos à codificação, foi rejeitada a tentativa de modificação do termo “energias” por “produções energéticas”, pois o conceito de bem apenas abrange o que é suscetível de apropriação, uma vez que é mais restrito que a noção de coisas. Desta feita, a energia passível de ser considerada bem, é, evidentemente, aquela que for passível de ser apropriada, a que foi produzida.86 Nesse sentido, foi incluída no texto a expressão “que tenham valor econômico”, de forma a ampliar o leque de energias abrangidas pela codificação, tal qual a legislação penal.

O Código Civil brasileiro de 2002, além de qualificar a energia elétrica como bem móvel, ainda a classifica, de acordo com os artigos 85 a 87 do referido diploma, como: (i) bem fungível, pois uma determinada quantidade de energia pode ser substituída por outra de mesma espécie, qualidade e quantidade; (ii) bem consumível, tendo em vista que, embora não seja destruída no processo produtivo87, esta é transformada em outra forma de energia; (iii) bem divisível, já que é possível o seu fracionamento sem alteração de substância, ou diminuição no valor, ou

85 ALVES, José Carlos Moreira. A parte geral do Projeto de Código Civil brasileiro: subsídios históricos para o novo Código Civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 96-97.

86 MENCK, José Theodoro Mascarenhas (org.). Código Civil brasileiro no debate parlamentar elementos históricos da elaboração da Lei no. 10.406, de 2002. Brasília: Centro de Documentação e Informação da Câmara, 2012, p. 1.147.

87 Para fins jurídicos, pode ser classificada como bem consumível mesmo que, em termos técnicos, mais adequados ao saber da Física, a energia não seja propriamente destruída ou mesmo consumida ao longo do processo produtivo. Isso se dá por decorrência da lei física da conservação da energia, que estabelece que a quantidade total de energia de um sistema isolado permanece constante. Ou seja, a energia não pode ser criada ou destruída, mas apenas transformada. Para fins didáticos, porém, se aceita a classificação apontada.

Um exemplo interessante de tal aspecto na prática decorre das limitações técnicas atuais de baterias para o armazenamento da energia excedente em empreendimentos de geração alternativa, como usinas fotovoltaicas, em países de inverno rigoroso, como a Alemanha e Suíça. Nesses países, a geração de energia solar cai significativamente no inverno e gera excedentes durante o verão que não podem ser suficientemente armazenados em larga escala de uma estação para outra para compensar as flutuações na geração. Sendo assim, foram criadas hidrelétricas por bombeamento em regiões montanhosas, em especial nos Alpes suíços, que utilizam essa energia excedente, ou energia elétrica comprada a baixo custo no mercado, para bombear água aos reservatórios, que será utilizada para gerar novamente energia elétrica em momentos em que houver menor quantidade de energia no sistema. Ou seja, há a transformação de energia solar ou eólica em energia elétrica, a transformação desta energia elétrica em energia potencial nos lagos de tais hidrelétricas, e finalmente a transformação desta última novamente em energia elétrica. MUMBELLI, Armando. Bateria elétrica da Europa está nos Alpes suíços. Disponível em: <http://www.swissinfo.ch>. Acesso em: 22/12/2012.

prejuízo do uso a que se destina.

A classificação proposta pelo Código Civil, conforme exposto acima, não pode ser aceita sem exame crítico. Nesse sentido, Pietro Perlingieri ressalta a impossibilidade de se propor em abstrato a classificação dos bens, a qual deve estar estabelecida “em relação ao contexto normativo da concreta relação”.88 Assim, para fins de classificação, os bens não podem ser considerados sob um ponto de vista estático e abstrato, eis que os caracteres são impostos como qualificações dos bens em relação à ordem de interesses por eles atendida.89

Por tais razões, pode-se concluir que a classificação da energia elétrica como bem móvel nas codificações tem por único intuito garantir mecanismos jurídicos relacionados à sua apropriação, seja, como se viu, para a tipificação da conduta de furto quando esta apropriação for indevida, ou, ainda, para viabilizar a estruturação de mecanismos para seu trânsito jurídico. A classificação examinada, contudo, não considera a dimensão social do bem, na medida em que deixa de se ocupar do papel da energia na sociedade como um todo, seja considerando a conservação ou promoção da dignidade da pessoa humana, assim entendida como sua essencialidade, seja considerando o custo social da produção de energia, que transcende os limites dos custos dos seus agentes geradores.

2.2 REFLEXÕES SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DA ENERGIA ELÉTRICA NO

No documento DE ENERGIA ELÉTRICA (páginas 46-52)