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REFLEXÕES SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DA ENERGIA ELÉTRICA NO

No documento DE ENERGIA ELÉTRICA (páginas 52-72)

PARTE I – DISCIPLINA JURÍDICA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

2 QUESTÕES PROBLEMATIZANTES SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DA

2.2 REFLEXÕES SOBRE A NATUREZA JURÍDICA DA ENERGIA ELÉTRICA NO

A energia elétrica, conforme se analisou, tem natureza jurídica de bem, em razão de ser economicamente apropriável, além de estar sujeita à valoração no mercado. À medida que o ordenamento jurídico atribui a ela a qualidade de bem, em contrapartida também a submete a um determinado regramento, vale dizer, a um estatuto jurídico de acesso. Tal estatuto visa à disciplina, em cada caso, das relações do objeto jurídico em referência ao sujeito jurídico que dele se apropria.

Ricardo Lorenzetti aponta que as instituições de Direito Privado foram

88 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 212.

89 Ibidem, loc. cit.

originalmente delineadas sem levar em conta (ou contando com) a exclusão de determinados grupos sociais do sistema, por exemplo, a propriedade se ocupa de quem já é proprietário e o contrato de quem já é contratante. Denuncia a existência de um “umbral de acesso ao Direito Privado”, que impede tais grupos de obterem a devida tutela perante o sistema jurídico.90 Entende, então, que contemporaneamente há necessidade de se encarar o Direito Privado sob a perspectiva do acesso, de modo a permitir esses grupos ultrapassem o referido umbral. Em relação ao direito à propriedade, “quando os recursos são indispensáveis, há dificuldades de conceder a alguns aquilo que deveria ser atribuído a todos”. Assim, cabe ao sistema jurídico promover o acesso a tais bens de relevância social, que não podem ser deixados, sob uma lógica individualista, inteiramente ao mercado.91

Desta forma, é necessário pensar o bem energia para além de sua dimensão de apropriação individual. Tal preocupação se justifica porque a energia elétrica é extremamente significativa para toda a sociedade, gerando impactos positivos e negativos em toda a sua cadeia produtiva até o usuário final. Os mencionados impactos não podem ser contidos na restrita alcova das relações econômicas entre os agentes setoriais. Desta forma, a relevância social da energia é multidimensional, de modo que ultrapassa o palco das relações de mercado, as quais têm por objeto apenas a sua apropriação e o seu trânsito jurídico.

A fim de problematizar os aspectos transindividuais da energia elétrica no âmbito das relações contratuais, o presente estudo pretende tratar, ainda que brevemente, de duas dessas dimensões da energia elétrica: a sua essencialidade e o seu custo social de produção.

Dois alertas, contudo, fazem-se necessários. Primeiramente, deve-se ressaltar que não se olvida de outras esferas de semelhante relevância coletiva da energia, como, por exemplo, segurança nacional ou desenvolvimento tecnológico.

Entende-se, todavia, que as duas esferas indicadas, ou seja, essencialidade e custo social de produção são relevantes e abrangem temas comuns às demais. Ainda, tratar de todas as mencionadas esferas teria por consequência ampliar

90 LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos de direito privado. São Paulo: RT, 1998, p. 85-88.

91 Ibidem, p. 98-100.

excessivamente o objeto de estudo do presente trabalho.

O segundo alerta também se refere à preocupação quanto aos limites de escopo e extensão deste estudo. Em razão de tais limites, tanto essencialidade quanto custo social de produção serão tratados de forma sucinta, de modo a apresentar um panorama geral. Sendo assim, serão apenas introduzidos indícios da existência de tais dimensões, suficientes para o estudo ora desenvolvido.

2.2.1 Essencialidade

O paradigma da essencialidade foi desenvolvido por Teresa Negreiros a partir da classificação dos bens inseridos na ótica do direito civil-constitucional, sob o fundamento do princípio da dignidade da pessoa humana, para a tutela do mínimo existencial.92 Tal perspectiva revela-se indispensável para a análise da energia elétrica, objeto do presente estudo, na medida em que realça o componente funcional dos bens, estabelecendo a diferenciação destes com base na função que desempenham para os sujeitos que deles se servem. O mencionado paradigma utiliza, assim, como ponto de partida a classificação das benfeitorias (necessárias, úteis e voluptuárias), bem como a utilidade que estas representam para a pessoa,

92 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato – novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2006, p. 423.

Sobre o mínimo existencial, cumpre trazer à colação o magistério de Ricardo LOBO Torres, um dos precursores de tal conceito na literatura jurídica brasileira: “Há um direito às condições mínimas de existência humana digna que não pode ser objeto de intervenção do Estado na via dos tributos (= imunidade) e que ainda exige prestações estatais positivas. O direito é mínimo do ponto de vista objetivo (universal) ou subjetivo (parcial). E objetivamente mínimo por coincidir com o conteúdo essencial dos direitos fundamentais e por ser garantido a todos os homens, independentemente de suas condições de riqueza; isso acontece, por exemplo, com os direitos de eficácia negativa e com direitos positivos como o ensino fundamental, os serviços de pronto-socorro, as campanhas de vacinação pública etc. Subjetivamente, em seu status positivus libertatis, é mínimo por tocar parcialmente a quem esteja abaixo da linha de pobreza. [...] O mínimo existencial é direito de dupla face: a) aparece com o direito subjetivo e também como norma objetiva; b) compreende os direitos fundamentais originários (direitos da liberdade) e os direitos fundamentais sociais, todos em sua expressão essencial, mínima e irredutível; c) do ponto dc vista da efetividade, apresenta a duplicidade do status negativus e do status positivus libertatis.” TORRES, Ricardo LOBO. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 35-36. “o mínimo existencial, na qualidade de direito subjetivo, é oponível à administração, gerando para esta a obrigação de entregar a prestação de serviço público independentemente do pagamento de qualquer tributo ou contraprestação financeira, haja ou não lei ou regulamento." TORRES, Ricardo LOBO. O mínimo existencial e os direitos fundamentais. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, p. 46, jul./set. 1989.

além de suas necessidades essenciais, para estabelecer um critério de classificação. De acordo com a proposta da autora, ao utilizar a destinação existencial, contraposta à destinação meramente patrimonial, resta elevada a pessoa concretamente considerada como ponto de referência para a qualificação das espécies diversas de bens e, consequentemente, para a determinação do grau de preponderância pública ou privada do contrato.Ou seja, haverá prevalência de caracteres de direito público ou de direito privado na proporção da utilidade existencial do bem contratado.93

Em síntese, nas palavras da própria autora:

Propõe-se, portanto, uma diferenciação que tenha como base a destinação do bem cuja aquisição ou utilização seja objeto do contrato. O paradigma da essencialidade constitui a base para uma tal diferenciação, e encontra fundamento na Constituição, na medida em que esta instituiu uma cláusula geral de tutela da dignidade da pessoa humana, impondo, desta forma, o reconhecimento da influência de interesses não-patrimoniais sobre a conformação jurídica das relações contratuais. Por isso, há de se distinguir os contratos em que tais interesses extrapatrimoniais estão presentes daqueles outros contratos nos quais, ao contrário, as obrigações assumidas sejam instrumento de satisfação de interesses exclusivamente patrimoniais.[...]

Os contratos que versem sobre a aquisição ou a utilização de bens que, considerando a sua destinação, são tidos como essenciais estão sujeitos a um regime tutelar, justificado pela necessidade de proteção da parte vulnerável — assim entendida a parte contratante que necessita do bem em questão —; e, vice-versa, no extremo oposto, os contratos que tenham por objeto bens supérfluos regem-se predominantemente pelos princípios do direito contratual clássico, vigorando aqui a regra da mínima intervenção heterônoma.94

Deve ainda ser ressaltado que, sob o prisma do paradigma da essencialidade, o grau de utilidade do bem não decorre apenas da natureza deste, abstratamente considerada, mas, da sua destinação funcional no exame do caso concreto da relação contratual analisada.95

Ou seja, a autora em questão indica que o grau de intervenção pública no regime jurídico contratual irá variar dinamicamente, de acordo com o grau de essencialidade do bem transacionado. Assim, de modo progressivo, restará reduzido o espaço de prevalência dos princípios individuais do contrato (autonomia privada negocial, força obrigatória e relatividade de efeitos) à medida que o objeto da

93 NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato – novos paradigmas. 2. ed. Rio de Janeiro:

Renovar, 2006, p. 423-462.

94 Ibidem, p. 461-463.

95 Ibidem, p. 470.

relação contratual se revelar mais imprescindível às partes contratantes, de acordo com a destinação funcional que lhe seja conferida. Judith Martins Costa, embora considere adequado tal posicionamento, entende que a essencialidade ao invés de se basear em critérios subjetivos relacionados à destinação que se faz do uso bem, deve se prender a critérios objetivos, ainda que historicamente relativos, como por exemplo as utilidades indicadas no parágrafo 1º da Lei de Crimes contra a Economia Popular (Lei 1.521/1951).96

Do exposto, conclui-se que a análise da energia elétrica sob tal prisma, ainda que brevemente, permite verificar o relevante papel que esta exerce no mundo contemporâneo.

No plano internacional, o acesso à energia elétrica, embora não seja um direito humano expressamente reconhecido por tratados internacionais, vem progressivamente sendo objeto de preocupação de órgãos de monitoramento de direitos humanos das Nações Unidas, em especial no âmbito do Comitê CEDAW e do Comitê DESC.97

Em tais Comitês, o acesso à energia elétrica é considerado um aspecto essencial para o atendimento de necessidades humanas básicas, sendo componente relevante para a efetivação da igualdade de gênero e para o acesso a Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais.98 No mesmo sentido, as Nações

96 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. 5. t. 2, p. 263.

97 “Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher” e o “Comitê de Monitoramento do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais”, respectivamente.

TULLY, Stephen R. The Contribution of Human Rights to Universal Energy Access. Northwestern Journal of International Human Rights. Chicago: Northwestern University School of Law, 2006, v. 4, n.

3, p. 518-548.

98 Utiliza-se aqui a nomenclatura do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais adotado pela Resolução 2200ª (XXI) da Assembleia Geral da ONU, em 1966 e ratificado pelo Brasil através do Decreto n.° 591/92. A Conven ção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979, ratificada sem reservas pelo Brasil através do Decreto n.º 4.377, de 13 de setembro de 2002, reconhece expressamente em seu art. 12, inciso 2°, alínea “h” a necessidade de ser assegurado à mulher “h) gozar de condições de vida adequadas, particularmente no que diz respeito à habitação, saneamento, fornecimento de eletricidade e abastecimento de água, transportes e comunicações.” (grifo nosso)

Como exemplos de tal preocupação pode-se citar os seguintes documentos dos indigitados comitês de monitoramento: Comm. on the Elimination of Discrimination Against Women, Report of the Committee on the Elimination of Discrimination Against Women, U.N. GAOR, 59th Sess., Supp. No.

38, 118, § 125, U.N. Doc. A/59/38, (2004). Comm. on the Elimination of Discrimination Against Women, Concluding Observations for Guyana & Bosnia and Herzegovina, §§ 92, 743, U.N. Doc.

A/49/38 (1994). Comm. on the Elimination of Discrimination Against Women, Report of the Committee

Unidas vêm desenvolvendo ações específicas no que se refere ao reconhecimento da ligação do direito de acesso à energia elétrica ao direito humano ao desenvolvimento sustentável e redução de pobreza, como, por exemplo, a instituição do grupo de trabalho sobre acesso à energia no Global Network for Sustainable Development (GNESD) no âmbito do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).99

Desta forma, a energia elétrica é considerada internacionalmente um elemento de extrema relevância para o acesso a direitos humanos econômicos e sociais, como saúde, educação, alimentação adequada, moradia e trabalho.100 Não é possível, por exemplo, o funcionamento adequado de escolas e hospitais sem energia, o que causa impacto diretamente no acesso aos direitos humanos à saúde e à educação. De igual forma, o acesso à energia é considerado componente indissociável do direito humano à moradia adequada.101

on the Elimination of Discrimination Against Women, § 128, U.N. Doc. A/57/38, pt. I, (2002). Comm.

on the Elimination of Discrimination Against Women, Summary Record of the 275th Meeting, 14th Sess., U.N. Doc. CEDAW/C/SR.275, § 17 (1995). General Comment No. 4 on the Right to Adequate Housing Contained in Art XI(1) of the ICESCR, § 8(b). N. Commission on Human Rights, Report of the Special Rapporteur on adequate housing as a component of the right to an adequate standard of living, §§ 35, 46(b), U.N. Doc. E/CN.4/2002/59 (2002) (prepared by Miloon Kothari). U.N. Housing Rights Programme, Monitoring Housing Rights: Developing a Set of Indicators to Monitor the Full and Progressive Realisation of the Human Right to Adequate Housing, Working Paper No. 1, 13, 18, (2003). Committee on Economic, Social and Cultural Rights, General Comment No. 14 (2000), The Right to the Highest Attainable Standard of Health (art. 12 of the ICESCR), § 11, U.N. Doc.

E/C.12/2000/4 (2000).

99 BRADBROOK, Adrian J; GARDAM, Judith Gail. Placing Access to Energy Services within a Human Rights Framework. Human Rights Quarterly. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, v. 28, n. 2, maio 2006, p. 389-415.

100 “É importante ressaltar a relação existente entre o desenvolvimento energético e o de outros serviços de infra-estrutura social, especialmente nas áreas rurais e urbanas periféricas.

Nesses casos, o déficit de cobertura energética toma-se um obstáculo à viabilização da oferta de serviços básicos, tais como água, esgoto, saúde, educação e comunicação. É fundamental que a extensão dos serviços de energia elétrica exerça um papel pioneiro, universalizando o atendimento para que a falta de abastecimento não venha a se transformar em obstáculo à viabilização de outros serviços sociais básicos, que ainda são extremamente deficientes.” OLIVEIRA, Mauro Machado de; et al. Tarifação energética residencial urbana e rural e privatização do setor elétrico. Revista Brasileira de Energia, São Paulo, vol. 14, n. 2, 2 sem. 2008, p. 98.

101 No “Contra Informe da Sociedade Civil ao Relatório Periódico do Governo Brasileiro sobre a Implementação do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no Brasil”

apresentado pelas organizações de direitos humanos brasileiras ao “Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas” (Comitê DESC-ONU), a carência de energia elétrica é apontada dentre os déficits infraestruturais que impedem o pleno acesso ao direito humano à moradia no país. CONTRA INFORME DA SOCIEDADE CIVIL. Exame do Primeiro Informe Periódico do Governo Brasileiro sobre a Implementação do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais no Brasil, p. 65.

Segundo relatório da Agência Internacional de Energia (IEA), aproximadamente 1,317 bilhões de pessoas não possuíam acesso à eletricidade no mundo, em 2009. Destas, a maior parte dos excluídos estão situados em áreas rurais, cujo percentual de eletrificação é de apenas 68,0%, enquanto que nas áreas urbanas é de 93,7%, demonstrando, assim, a desigualdade de acesso à energia rural e urbana em nível mundial.102 No mesmo sentido, um estudo do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas estabeleceu estreita correlação entre acesso à energia e redução de pobreza e crescimento macroeconômico.103 De igual forma, o Grupo de Trabalho sobre Acesso à Energia da Rede Global sobre Energia para o Desenvolvimento Sustentável, em estudo realizado com informações de especialistas de todos os continentes, aponta que a implementação de serviços básicos eletricidade, como iluminação e cocção de alimentos, proporciona às comunidades pobres mais tempo para o exercício de atividades educacionais, obtenção de informação e outras atividades produtivas, enquanto o acesso a maiores níveis de energia geram renda familiar e incorporação de comunidades no processo de desenvolvimento.104 No mesmo sentido, também é demonstrada pela literatura econômica a correlação existente entre a renda per capita e o consumo

102 “For the billions of people currently deprived, the lack of access to modern forms of energy tends to go hand-in-hand with a lack of provision of clean water, sanitation and healthcare. It also represents a major barrier to economic development and prosperity.” INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. World Energy Outlook 2011 – Energy for all: financing access for the poor. Paris:

OECD/IEA, 2011, p. 11-13.

103 “When energy analyses and discussions appear in the PRSP reports, they most often relate to macroeconomic issues and economic growth, as well as the links between lack of energy and income poverty at the household level. On average, 93 percent of PRSPs addressed the linkages between energy and macroeconomic development, while 70 percent mentioned the link between energy and income poverty.” UNDP. Energizing poverty reduction. New York: UNDP, 2007, p. 9.

104 “Electricity for basic services such as lighting and cooking can free people from the arduous and time consuming burden of collecting traditional biofuels, leaving more time for educational or other productive activities. It can also open a window to the rest of the world via media access.

When supplied at higher power levels, electricity provides the energy required for the development of directly productive agricultural or industrial activities that generate income. This point is of major importance. If people are to be lifted out of the poverty trap they need to be given the potential to increase their income. It is having an income which will, ultimately, allow the poor to pay for the energy services that underlie development, and thus allow them to become fully incorporated into the development process.” GNESD. Energy Access theme results. Roskilde: GNESD, 2004, p. 3.

De igual forma: GOLDEMBERG, José; et al. Energia para o desenvolvimento. São Paulo: T. A.

Queiroz, Editor, 1988, p. 34-38.

comercial de energia de diferentes países.105

Para situar a questão no âmbito nacional, ao contrastar a distribuição dos índices de atendimento de energia elétrica com os Índices de Desenvolvimento Humano (IDH)106 no Brasil, observa-se uma nítida sobreposição entre as áreas com baixo desenvolvimento humano e aquelas com reduzido índice de atendimento de energia elétrica, constatando-se, portanto, uma direta correlação entre desenvolvimento socioeconômico e consumo de energia.107 Ao exemplificar tal correlação, verificou-se que o aumento de tarifas durante o período da crise energética brasileira de 2001 gerou uma redução no bem-estar de famílias de baixa renda, conforme demonstrado em pesquisa do Centro Sobre Desigualdade e Desenvolvimento da Universidade Federal Fluminense.108

Assim, no que toca à essencialidade, a energia elétrica está inserida dentro

105 “Analyzed on an aggregate basis there appears to exist a strong correlation between energy consumption and income per capita. This can be seen from Figure 1.3 which shows this relationship for low-income, middle-income, and high income (industrialized market) countries. As per capita income increases energy consumption apparently increases at a constant rate. [...]

Given the many factors that can explain differences in per capita energy use, it is perhaps remarkable that among the developed, industrialized countries, energy use relative to income varies as little as it does. This is but another confirmation of the fact that high per capita income levels depend on high levels of modern-sector activities, which in turn vitally depend on the use of substantial quantities of inanimate energy.” MUNASINGHE, Mohan; SCHRAMM, Gunter. Energy economics, demand management and conservation policy. New York: Van Nostrand Reinhold, 1983, p. 15-18.

106 MUNASINGHE, Mohan; SCHRAMM, Gunter. Energy economics, demand management and conservation policy. New York: Van Nostrand Reinhold, 1983, p. 15. O IDH é o índice de desenvolvimento social mais difundido e o utilizado pelas Nações Unidas. Não obstante, cumpre ressaltar que não é um indicador isento de críticas, como as limitações apontadas por Amartya Sen e Joseph Stiglitz no “Report of the commission on the measurement of economic performance and social progress” elaborado a pedido do governo francês em 2009. STIGLITZ, Joseph; SEN, Amartya;

FITOUSSI, Jean-Paul. Report of the commission on the measurement of economic performance and social progress. Disponível em: <http://www.stiglitz-sen-fitoussi.fr/en/index.htm>. Acesso em:

01/07/2011.

107 PNUD. Atlas do Desenvolvimento Humano. Brasília: PNUD, 2000. Disponível em:

<www.pnud.org.br >. Data de acesso: 15 out. 2010. GNESD. Energy Access theme results. Roskilde:

GNESD, 2004, p. 3.

108 “Os resultados obtidos mostram que, para a primeira classe de renda (os mais pobres), a posse de equipamentos diminuiu. De fato, para esse grupo observou-se que a despesa com consumo caiu entre 1996 e 2003. Como a posse e/ou freqüência de uso dos equipamentos diminuiu, esperar-se-ia uma redução do consumo de energia elétrica, o que de fato ocorreu. Os custos elevados da tarifa de energia elétrica levaram a uma forte inibição do consumo de energia para essas famílias, se traduzindo, possivelmente, numa piora ainda maior do seu bem-estar.” COHEN, Claude;

MENDONÇA, Rosane; CHAGAS, Mônica; AGUIAR, Anna C. O papel das tarifas de energia elétrica na queda da desigualdade de renda no Brasil. Texto para Discussão. Rio de Janeiro: CEDE-UFF, 2008, n. 11, p. 20.

do conjunto de elementos básicos que garantem a eficácia da dignidade da pessoa humana, estabelecida pelo art. 1°, inciso III, da C F/1988 e que compõem o seu mínimo existencial, permitindo o acesso ao rol de direitos fundamentais sociais explicitamente reconhecidos pelos artigos 7° e 8°, da CF/1988, como saúde,

do conjunto de elementos básicos que garantem a eficácia da dignidade da pessoa humana, estabelecida pelo art. 1°, inciso III, da C F/1988 e que compõem o seu mínimo existencial, permitindo o acesso ao rol de direitos fundamentais sociais explicitamente reconhecidos pelos artigos 7° e 8°, da CF/1988, como saúde,

No documento DE ENERGIA ELÉTRICA (páginas 52-72)