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O “NOVÍSSIMO MODELO DO SETOR ELÉTRICO” COMO UM SISTEMA

No documento DE ENERGIA ELÉTRICA (páginas 129-141)

PARTE I – DISCIPLINA JURÍDICA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO

4 FORMAÇÃO DO ATUAL MODELO REGULATÓRIO DO SETOR ELÉTRICO

4.4 O “NOVÍSSIMO MODELO DO SETOR ELÉTRICO” COMO UM SISTEMA

Os investimentos decorrentes das reformas realizadas na década de 1990 demoraram a surtir efeitos no setor. A falta de instalações de transmissão de energia elétrica, a utilização de um modelo energético baseado na matriz hidráulica – cujo prazo de instalação é maior do que das usinas térmicas – e a retomada do crescimento da economia após anos de estagnação (pressionando, portanto, o setor elétrico), agravaram mais ainda o risco de déficit de energia no país. Embora o governo federal houvesse estabelecido algumas medidas já ao final da década de 1990, com o intuito de prevenir uma crise de desabastecimento de energia elétrica no Brasil, elas se mostraram insuficientes para debelar a crise energética de 2001-2002.269

Foi então criada a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (CGE), que impôs reduções obrigatórias do consumo de usuários residenciais e industriais, com penalidades no caso de descumprimento, em razão da falta de geração de energia elétrica. Esse racionamento teve efeitos drásticos sobre a economia.

Diversas outras medidas emergenciais foram tomadas; dentre elas, destaca-se a interrupção da descontratação dos Contratos Iniciais e a reestruturação do Mercado Atacadista de Energia de forma a permitir uma maior intervenção direta do Estado.270

269 Dentre tais medidas merece destaque o Programa Prioritário de Termeletricidade (Decreto no. 3.371/2001) (PPT), oferecendo os seguintes benefícios aos agentes privados para a construção de Usinas Termelétricas (de 49 autorizações concedidas apenas treze usinas foram efetivamente construídas, sendo que quase todas elas foram com participação da Petrobrás):

a) Garantia de repasse às tarifas de distribuição dos valores provenientes de contratos de compra e venda de energia termelétrica (VN);

b) Assunção do risco cambial associado ao gás natural (importado da Bolívia) pela Petrobrás;

c) Garantia de financiamento do empreendimento do BNDES. Ver SCHIRATO, Vitor Rhein.

Geração de energia elétrica no Brasil: 15 anos fora do regime de serviço público. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, a. 8, n. 31, p. 141-167, jul./set. 2010.

270 Leila Cuéllar e Egon Bockmann Moreira ressaltam que embora tenha sido bem sucedida, pode ser questionado o modelo adotado com a instituição da Câmara de Gestão da Crise Energética, ao invés de privilegiar a autoridade reguladora recém-criada: “A reação do Governo Brasileiro foi radical: no momento mais decisivo vivido pelo setor energético nas últimas décadas, suprimiu qualquer possibilidade de a autoridade administrativa independente recém-criada exercer suas tarefas de regulação. A atividade mais cara ao setor foi outorgada a um órgão colegiado, chefiado por uma pessoa que priva da confiança pessoal do Presidente da República. Esse órgão tomou atitudes

Instituiu-se, em 2001, a Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica, com o intuito de apurar as causas e responsabilidades pela crise de abastecimento elétrico. A Comissão, em seu relatório conhecido como “Relatório Kelman”271, apurou que a condição hidrológica adversa por si só não teria sido suficiente para causar a crise energética, e, também, o aumento no consumo de energia correspondeu aos valores previstos e não teve influência na crise de abastecimento. Ou seja, a crise decorreu da reestruturação do setor promovida na década de 1990. Foram apontados problemas de diversas ordens pelo relatório, dentre estes: (i) insuficiência nos sinais econômicos para a viabilização de investimentos; (ii) falta de reserva de segurança para atendimento da demanda em situação de crise; (iii) ineficácia na ação governamental; (iv) insuficiência de ação preventiva para evitar racionamentos de grande profundidade; (v) ineficácia na correção de falhas de mercado; (vi) falta de reserva de segurança para atendimento de demanda em situação de crise; (vii) insuficiência dos programas de conservação de energia.272

Com o encerramento do racionamento em 2002 e o novo governo que assumiu em 2003, foi considerada necessária a revisão do marco normativo setorial, com foco na reestruturação da sistemática de geração e de comercialização de energia elétrica, principalmente às distribuidoras.273 O aspecto central de tal

radicais de intervenção ativa na economia, sob as mais diversas roupagens jurídicas. Essa atitude poderia ser interpretada como um voto de desconfiança da ANEEL.” CUÉLLAR, Leila; MOREIRA, Egon Bockmann. As agências reguladoras brasileiras e a crise energética. In: ________ Estudos de Direito Econômico. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 230.

271 Tal nomenclatura decorre do presidente da comissão: Jerson Kelman. CÂMARA DE GESTÃO DA CRISE DE ENERGIA. Relatório da Comissão de Análise do Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica. Disponível em: <http://antonioguilherme.web.br.com/artigos/relatoriokelman.pdf>.

Acesso em 3/1/2011.

272 CÂMARA DE GESTÃO DA CRISE DE ENERGIA. Relatório da Comissão de Análise do

Sistema Hidrotérmico de Energia Elétrica. Disponível em:

<http://antonioguilherme.web.br.com/artigos/relatoriokelman.pdf>. Acesso em 3/1/2011.

273 A transição entre o Governo Fernando Henrique Cardoso e o Governo de Luís Inácio Lula da Silva, ocorrida entre 2002 e 2003, implicou numa alteração fundamental no modelo setorial baseada em fundamentos ideológicos distintos. O projeto de reestruturação, elaborado inicialmente por Ildo Sauer (USP-IEE), Luiz Pinguelli Rosa COPPE) e Maurício Tolmasquim (UFRJ-COPPE) partia de premissas diversas do modelo e governo anterior. Numa análise comparativa elaborada por Antônio Dias Leite, os fundamentos ideológicos da reforma realizada no RE-SEB foram: “a) do mérito inquestionável da economia de mercado, b) do demérito da administração pública em empresas atuantes na área econômica, c) da desnecessidade de um planejamento estratégico de longo prazo, coordenado pelo governo. Pouca atenção foi dispensada, então, às bases físicas da estrutura do setor elétrico.” Por sua vez, em antítese, na “reforma da reforma” realizada

processo de revisão era a persecução da modicidade tarifária.

A reestruturação foi discutida no âmbito do Ministério das Minas e Energia, a partir de processos de diálogo com associações de classe dos agentes setoriais.

Seu documento final foi aprovado pelo Conselho Nacional de Política Energética, por meio da Resolução CNPE n.º 09/2003 e encaminhado à Presidência da República.

A nova conformação setorial é baseada numa estrutura de maior regulação estatal e de planejamento determinativo pelo Estado (aplicáveis a todos os agentes setoriais) em substituição ao planejamento indicativo do modelo anterior. Segundo o Ministério das Minas e Energia (MME), o chamado “Novíssimo Modelo” tem três objetivos essenciais: (i) garantir a segurança de suprimento de energia elétrica; (ii) promover a modicidade tarifária, por meio da contratação eficiente de energia para os consumidores regulados; (iii) promover a inserção social no Setor Elétrico, em particular pelos programas de universalização de atendimento.274

A implementação da reforma se deu com dois marcos normativos principais:

a Lei n°. 10.847/2004 (advinda da MP n.º 145/2003, e regulamentada pelo Decreto n.º 5.184/2004), que cria a Empresa de Pesquisa Energética S/A (EPE - empresa pública federal responsável pela realização de estudos e planejamento do setor, bem como, pelo registro das unidades geradoras de energia); e a Lei n.º 10.848/2004 (decorrente da conversão da MP n.º 144/2003, e regulamentada pelo Decreto n.º 5.163/2004), que reestruturou o modelo regulatório setorial, marcadamente quanto ao regime de comercialização de tal energia.

A reforma não representou completa ruptura com o modelo anterior, pois manteve uma série de aspectos do RE-SEB ligados à participação privada no setor em regime de competição. Assim, persistiu a divisão entre consumidores livres e cativos.275 Assegurou-se a manutenção do livre acesso às redes de transmissão e

pelo governo seguinte, o mesmo autor destaca os seguintes fundamentos ideológicos: “a) da possibilidade de assegurar, por via institucional, a modicidade tarifária entendida como tarifas baixas - não obstante a elevação inexorável dos custos de novos projetos hidrelétricos e da alta previsível do preço dos combustíveis; b) da confiança na eficácia da ação do Estado mediante empresas públicas;

c) da desconfiança no comportamento das empresas privadas, diante do seu objetivo dominante de lucro; e d) da necessidade de planejamento estratégico de longo prazo a cargo do governo, visando fundamentalmente assegurar o suprimento de energia elétrica.” LEITE, Antônio Dias. A energia do Brasil. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 378.

274 MME. Modelo Institucional do Setor Elétrico. Disponível em: <www.mme.gov.br>. Acesso em: 02/01/2011.

275 Aliás, o Decreto n.º 5.249/2004 deixou de requerer tensão mínima de 69kV aos

distribuição. Manteve-se o despacho independente de energia através do ONS (porém, este passou a sofrer maior ingerência estatal, com o recuo da sua governança privada a partir designação de seus diretores pelo MME, incluindo-se seu presidente). Por fim, preservou-se a possibilidade de contratação bilateral livre de consumidores livres e comercializadores, conforme será demonstrado na sequência.

A desintegração vertical da cadeia produtiva restou reforçada ao ser vedado o exercício da atividade de distribuição em conjunto com qualquer outra (geração, transmissão e comercialização para consumidores livres). No mesmo sentido, impediu-se às geradoras que fazem parte no SIN a sua atuação como coligadas ou controladoras de distribuidoras.276 Finalmente, no sentido de aprofundamento da desverticalização, foi vedado o self-dealing que ocorria no RE-SEB.

Por outro lado, aumentou a atuação interventiva do Estado, principalmente no que toca às atividades de planejamento e monitoramento, bem como em relação ao regime de aquisição de energia pelas distribuidoras.

Quanto ao planejamento e monitoramento, foram criados dois novos

consumidores livres, mantendo-se a carga de 3MW. Isso permitiu uma maior ampliação do contingente de consumidores livres, que passou de quarenta em 2004 para 613 em 2013. CCEE.

Infomercado, n. 72, ago. 2013. Disponível em: Disponível em: <www.ccee.org.br>. Acesso em:

10/08/2013.

276 “Art. 8º. Os arts. 4º, 11, 12, 15 e 17 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 4º. ... [...]

§ 5º. As concessionárias, as permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição de energia elétrica que atuem no Sistema Interligado Nacional – SIN não poderão desenvolver atividades:

I - de geração de energia elétrica;

II - de transmissão de energia elétrica;

III - de venda de energia a consumidores de que tratam os arts. 15 e 16 desta Lei, exceto às unidades consumidoras localizadas na área de concessão ou permissão da empresa distribuidora, sob as mesmas condições reguladas aplicáveis aos demais consumidores não abrangidos por aqueles artigos, inclusive tarifas e prazos;

IV - de participação em outras sociedades de forma direta ou indireta, ressalvado o disposto no art. 31, inciso VIII, da Lei n.º 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e nos respectivos contratos de concessão; ou

V - estranhas ao objeto da concessão, permissão ou autorização, exceto nos casos previstos em lei e nos respectivos contratos de concessão. [...]

§ 7º. As concessionárias e as autorizadas de geração de energia elétrica que atuem no Sistema Interligado Nacional – SIN não poderão ser coligadas ou controladoras de sociedades que desenvolvam atividades de distribuição de energia elétrica no SIN.’”

agentes: a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE). A EPE foi constituída pela Lei n°. 10.847/2004 como empresa pública vinculada ao MME, com o objetivo de “prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético” (art.

2°, da Lei n°. 10.847/2004). Foi assim, retomado o planejamento determinativo pelo Estado próprio do modelo monopólio estatal. No entanto, tal planejamento deixa de se dar no âmbito da Eletrobrás e passa a ocorrer em uma empresa pública constituída especialmente para tal fim, com maior independência e transparência.

Por sua vez, o CMSE é constituído como órgão subordinado ao MME “com a função precípua de acompanhar e avaliar permanentemente a continuidade e a segurança do suprimento eletroenergético em todo o território nacional” (art. 14, da Lei n.°

10.848/2004 e art. 1°, do Decreto n.° 5.175/2004). Assim, tal órgão tem por competência aferir a segurança energética do país (principalmente, em gás natural, petróleo e eletricidade) e indicar ao CNPE ações preventivas contra deficiências do sistema.

Mas a principal alteração em relação a tal modelo setorial se refere à dinâmica de comercialização de energia, com maior intervenção estatal no que toca à comercialização de energia, especialmente em relação às distribuidoras – que atendem aos consumidores cativos. Em linhas gerais, o modelo trouxe nova disciplina para as atividades de geração e comercialização de energia com a criação do ambiente de livre contratação e do ambiente de contratação regulada.

O art. 4° da Lei n.° 10.848/2004 autoriza a institu ição da Câmara de Comercialização de Contratos de Energia Elétrica (CCEE), pessoa jurídica de direito privado, como instituição sucessora do MAE, principalmente no que toca à contabilização e a liquidação de diferenças contratuais no curto prazo e de conformação do mercado de atacado. Acrescente-se que a CCEE assume um novo papel ao realizar os leilões por delegação da ANEEL, para venda de energia aos distribuidores e ao atuar como interveniente e administradora dos Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR).

No Ambiente de Contratação Regulada (ACR) a comercialização de energia elétrica apenas pode ser realizada por meio de leilões públicos promovidos pela ANEEL, no âmbito da CCEE.

A comercialização no ACR se destina apenas ao suprimento de energia elétrica às concessionárias de distribuição de energia elétrica. Estas não podem mais adquirir energia fora do ACR277, uma vez que o self-dealing fora revogado pela Lei n.º 10.848/2004, e, via de regra, não há mais contratação direta e bilateral entre distribuidoras e geradores – para garantia da segurança jurídica do setor foram mantidos os contratos firmados até então.

O suprimento de energia dos distribuidores é disputado pelos agentes geradores, produtores independentes e comercializadores de energia (cadastrados na EPE) em leilão regulado pela ANEEL e realizado no âmbito da CCEE, no qual prevalecem os menores lances de venda. O montante de energia elétrica adquirida pelo pool de compradores é dividido entre as distribuidoras na proporção das declarações das necessidades de energia prestadas por estas.278 Destaque-se que as companhias distribuidoras não atuam de forma individualizada no leilão de energia, mas sim, sob a forma de pool como um comprador único. Somente após a realização do leilão, que os montantes de energia são individualizados sob a forma de Contratos de Comercialização de Energia no Ambiente Regulado (CCEAR).

277 As distribuidoras que fazem parte dos sistemas isolados, e as que fizerem parte do SIN, mas possuírem mercado próprio inferior a 500 GWh/ano poderão adquirir energia elétrica de forma diversa dos referidos leilões, na forma do art. 2º, §12, da Lei n.º 10.848/2004 e do art. 16, do Decreto n.º 5.163/2004:

“Lei n.º 10.848/2004 – Art. 2º As concessionárias, as permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional – SIN deverão garantir o atendimento à totalidade de seu mercado, mediante contratação regulada, por meio de licitação, conforme regulamento, o qual, observadas as diretrizes estabelecidas nos parágrafos deste artigo, disporá sobre: [...]

§ 12. As concessionárias, as permissionárias e as autorizadas de serviço público de distribuição de energia elétrica que tenham mercado próprio inferior a 500 (quinhentos) GWh/ano ficam autorizadas a adquirir energia elétrica do atual agente supridor, com tarifa regulada, ou mediante processo de licitação pública por elas promovido ou na forma prevista neste artigo, sendo que na licitação pública poderão participar concessionárias, permissionárias, autorizadas de geração e comercializadoras. (Redação dada pela Lei nº 11.075, de 2004)”

“Decreto n.º 5.163/2004 – Art. 16. Os agentes de distribuição que tenham mercado próprio inferior a 500 GWh/ano poderão adquirir energia elétrica:

I - por meio dos leilões de compra realizados no ACR;

II - de geradores distribuídos, na forma dos arts. 14 e 15;

III - com tarifa regulada do seu atual agente supridor; ou

IV - mediante processo de licitação pública por eles promovido. [...]”

278 PACHECO, Adriane Cristina Spicciati. A contratação da compra e venda de energia elétrica pelas concessionárias de distribuição. In: LANDAU, Elena (org.). Regulação jurídica do setor elétrico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 386.

A criação do ACR, segundo a proposta inicial do MME, constitui a base da modicidade tarifária no “Novíssimo Modelo” por promover a contratação eficiente de energia pelos agentes distribuidores, que repassam seus ganhos com a redução do seu custo aos seus consumidores cativos – de menor porte.279

Na definição de tal modelo, são três as características que buscam gerar eficiência. Primeiramente, a aquisição de energia destinada ao mercado cativo se dá apenas por intermédio de leilões reversos, sob a modalidade de “menor tarifa”.

Ainda, as empresas distribuidoras formam um pool a fim de obterem economia de escala na contratação de energia de novos empreendimentos, repartirem riscos e condições contratuais, bem como, tornarem equânimes as tarifas de suprimento. Por fim, ocorre de maneira separada, mediante licitação, a contratação de energia de novos empreendimentos de geração (“leilões de energia nova”, mais cara, pois atende a expansão da demanda através de empreendimentos ainda não amortizados) e dos empreendimentos existentes (“leilões de energia velha”, baseada em capacidade de geração já instalada e depreciada, portanto, mais barata).280

Cabe, contudo, apontar a existência de críticas na doutrina quanto à excessiva ingerência estatal que ocorre nos leilões de energia realizados no ACR gerando distorções, principalmente no que tange à formação de “preços de reserva”

excessivamente baixos (preço considerado mínimo definido pelo MME).281

Do ponto de vista competitivo, a partir do modelo Hunt-Shuttleworth, considera-se que o ACR constitui um modelo de Competição por Comprador Único.

Ainda que não haja a figura de uma Agência Compradora que adquira toda a energia do mercado e a revenda às Distribuidoras do Purchasing Agency Model tradicional, existe um verdadeiro monopsônio do pool dos agentes distribuidores para a aquisição da energia disponível para o Mercado Cativo.

279 MME. Modelo Institucional do Setor Elétrico. Disponível em: <www.mme.gov.br>. Acesso em: 02/01/2011. Sérgio Bajay e outros apontam que as estatais participantes dos leilões também possuem importante papel para o controle do poder dos agentes privados, oligopolistas em tal contexto, ao influírem na determinação do preço máximo leilão de forma articulada com o Poder Público. BAJAY, Sérgio V.; CORREIA, Tiago B.; CORREIA, Paulo B. Perspectivas de competição entre empresas privadas e estatais pela expansão da oferta de energia elétrica no Brasil – Uma proposta de modelagem, com base na teoria dos jogos. Revista Brasileira de Energia, São Paulo, vol.

10, n. 1, 2004.

280 Ibidem, loc. cit.

281 SALES, Cláudio. Eliminando a artificialidade dos leilões de energia elétrica. In: LANDAU, Elena (coord.). Regulação jurídica do setor elétrico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 532-533.

Conforme o exposto gera-se competição entre os agentes produtores, com o intuito de reduzir a tarifa aos consumidores finais.282 Ainda, ao dissociar os leilões de energia de empreendimentos existentes de geração e os leilões de energia de novos empreendimentos, busca também assegurar a expansão do sistema.

Por sua vez, no Ambiente de Contratação Livre (ACL), os termos e condições contratuais são livremente pactuados entre as partes, dando continuidade ao modelo de competição no varejo anterior. Deve-se ressaltar que podem participar do ACL os agentes geradores (incluídos os autoprodutores com excedentes), comercializadores e consumidores livres283 (art. 47, do Dec. n.º 5.163/2004). Em tal ambiente, todos os agentes geradores com capacidade disponível podem comercializar a energia gerada por suas usinas com qualquer agente comprador de energia.

Tais operações são juridicamente conformadas por meio de Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Livre (CCEAL). Estes são contratos bilaterais de longo ou curto prazo com condições estipuladas de livre modo entre as partes (diferentemente dos CCEAR), devendo ser apenas informados pela CCEE, por meio de Procedimento de Comercialização, não sendo necessária homologação pela ANEEL.

Os agentes vendedores podem optar por comercializar sua energia em qualquer dos dois ambientes, todavia, devem respeitar suas garantias físicas e atender a quantidade mínima de energia a ser destinada ao ACR, imposta pelos editais de leilões de energia nova ou pelos contratos de concessão de serviço público de geração.284

Desta forma, tem-se no ACL um modelo de competição no varejo, no qual consumidores livres e agentes vendedores estabelecem livremente e bilateralmente

282 Esse caráter de unicidade do pool de agentes distribuidores é ressaltado pelo MME: “Em termos comerciais, o ACR poderia ser visualizado como uma ‘cooperativa’ que agrega as demandas de vários distribuidores e tem contratos com um conjunto de geradores.” MME. Modelo Institucional do Setor Elétrico. Disponível em: <www.mme.gov.br>. Acesso em: 02/01/2011.

283 Consumidores livres são aqueles definidos pelo art. 16 da Lei n.º 9.074/1995: “É de livre escolha dos novos consumidores, cuja carga seja igual ou maior que 3.000 kW, atendidos em qualquer tensão, o fornecedor com quem contratará sua compra de energia elétrica”.

284 SCHIRATO, Vitor Rhein. Geração de energia elétrica no Brasil: 15 anos fora do regime de serviço público. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, a. 8, n. 31, p.

284 SCHIRATO, Vitor Rhein. Geração de energia elétrica no Brasil: 15 anos fora do regime de serviço público. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo Horizonte, a. 8, n. 31, p.

No documento DE ENERGIA ELÉTRICA (páginas 129-141)